Quem é Horácio Paiva, poeta e ativista contra ditadura que perdeu cadeira da Academia de Letras para prefeito de Natal

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As batalhas são sempre bem vindas e sendo da essência do mundo não nos devem perturbar e muito menos negar a nossa felicidade”. O trecho, presente na carta do poeta macauense Horácio Paiva em que apresentou sua candidatura aos acadêmicos da Academia Norte-rio-grandense de Letras (ANRL), representa parte da trajetória do escritor.

Aos 77 anos, Paiva carrega uma vida repleta de nuances: apaixonado pela literatura desde adolescente – publicou o primeiro poema aos 16 anos -, se formou em Direito na UFRN, foi presidente do Sindicato dos Bancários do Estado, ajudou a formar outras entidades sindicais em pleno fervor da ditadura e lutou – sem armas em punho (“luta tinha que ser no campo popular”) – contra o regime militar.

O poeta disputou na última terça-feira (9) a cadeira de número 6 da ANRL, fundada por Carolina Wanderley e que tem como patrono Luís Carlos Wanderley. O último ocupante foi João Batista Cabral, falecido em fevereiro.

Na disputa, o adversário era ninguém menos que o atual prefeito de Natal, o médico e político Álvaro Dias (Republicanos). O prefeito levou a melhor: 29 votos a 9.

Horácio, o poeta

“Eu já participo desse campo literário há muitos anos porque comecei a escrever muito cedo”, conta Paiva. 

Aos 16 anos, seu primeiro poema publicado, chamado “O tempo”, no jornal macauense O Nacionalista. Aos 18, com outros jovens escritores, criou, em Natal, o Movimento dos Novíssimos, que mantinha uma coluna literária (“Coluna dos Novíssimos”) no antigo jornal católico A Ordem.

“Desde muito jovem eu gosto de poesia, li vários poetas de todos os recantos, não só aqui do Brasil, mas a minha visão ontológica da poesia sempre teve muito presente a partir do primeiro livro que eu recebi de presente, que foi um livro que muito influenciou, “Obras-primas da Poesia Universal” organizado por um intelectual muito conhecido da década de 1950 e 1960 que era Sérgio Milliet, contemporâneo de Manuel bandeira. Eu tinha 12, 13 anos quando recebi de presente do meu irmão mais velho esse livro, e gostei, me apaixonei pela grande poesia e de lá para cá não parei mais de ler nem de escrever”, relembra o advogado.

A vida intensa durante a ditadura e a dedicação aos movimentos sociais, entretanto, retardou o lançamento do seu primeiro livro de poesias. “Navio entre espadas” nasceu em 2002. Em agosto de 2012, lançou “A torre azul” e, em maio de 2017, “Caderno do Imaginário”. Figura ainda como um dos autores do livro de crítica cinematográfica “Clarões da tela – O cinema dentro de nós”, publicado em 2006.

Tem ainda em preparo, também de poesias, os livros “Sou de Deus  –  33 poemas de inspiração religiosa” e “Navio azul imaginário – Poemas selecionados”, além de ”Encontro com a poesia” (uma antologia da poesia universal, com notas críticas, segundo define) e “Gamboa das barcas – Retratos da memória”. Há, ainda, uma dezena de inclusão de textos em outras publicações, desde livros de antologias a publicações em jornais e revistas do RN, do Brasil e até do exterior.

Horário, o militante

Ainda jovem, o escritor foi aprovado em um concurso do Banco do Brasil aos 18 anos e se transferiu para uma agência do Recife. Lá, iniciou graduações em Direito e Filosofia. Depois, conseguiu ser remanejado para Natal e, como na capital não havia o curso de Filosofia, ficou em dúvida se seguia no Direito ou escolhia outra graduação, como História.

 

“Mas aí o país vivia numa situação muito difícil, porque era começo da década de 70, uma das épocas mais duras da ditadura, e eu já tinha me engajado lá em Recife em alguns movimentos, não movimentos clandestinos, movimentos mesmo de pessoas que se reuniram para discutir o que fazer e fazíamos algumas movimentações abertas, populares, e eu vi que fazendo Direito poderia ajudar mais nesse processo de redemocratização”, explica.

Sentindo que precisava fazer algo mais efetivo, “mais forte de contribuição”, se juntou a amigos e ao padre da Paróquia de São João, no bairro de Lagoa Seca.

“A nossa ideia era criar um centro de defesa dos Direitos Humanos, entidade civil. Mas Dom Nivaldo Monte, que era o arcebispo, abrigou essa ideia dentro da própria igreja. Ele nos convenceu que seria melhor, com mais base de segurança, então criamos uma comissão que era ligada ao Vaticano, mas que dependia das arquidioceses para criar”.

Nascia aí a Comissão Pontifícia Justiça e Paz, da qual foi presidente.

“E começamos a fazer uma luta mais afetiva pelos Direitos Humanos, ajudar pessoas, ajudar comunidades, discutir problemas, e nesse período uma das coisas que a gente mais orientava era das pessoas se organizarem em sindicato, porque os sindicatos estavam acabados, perseguidos, e nesse incentivo à organização eu pensei ‘mas eu também tenho um sindicato’, que era o Sindicato dos Bancários. Eu tinha feito Direito, mas continuava no Banco do Brasil. O Sindicato dos Bancários era uma máquina assistencial, de poucos associados para a quantidade de bancários que havia à época. Eu queria reabilitar isso”, aponta Horácio, em seu ímpeto de fazer crescer o movimento de oposição à ditadura. 

Em 1980, assumiu a presidência da categoria e ainda foi reeleito duas vezes. Fez crescer o número de associados, criou núcleos sindicais no interior e a partir de 1980 iniciou uma articulação com outros sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais. Era parte de um ensaio para o que viria a ser depois a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

“Conseguimos uma grande adesão dos sindicatos rurais e criamos a primeira central depois de 1964 aqui no Rio Grande do Norte que chamamos inicialmente de Unidade Sindical. Passou-se depois a se chamar Coordenação Intersindical do RN. Fizemos umas coisas muito interessantes, um Enclat [Encontro de trabalhadores] que nós fizemos preparando-nos para a primeira Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) em São Paulo, que depois deu origem à CUT.”

Eleito para a comissão nacional pró-CUT, manteve amizade com o ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro Olívio Dutra, que esteve com Horário na primeira Conclat.

Inscriçāo da candidatura de Horácio Paiva a acadêmico da ANRL | Foto: cedida

“Veja como a gente se multiplicava naquela época, porque ao lado disso também fui do Comitê pró-Constituinte e do Comitê pró-anistia aqui em Natal. E além desses dois trabalhos, também fui coordenador aqui em 1984, um pouco antes da Constituição, do movimento pró-Diretas. Em abril de 1984 houve um grande comício aqui, mas o comício que nós organizamos – as entidades de trabalhadores, da sociedade civil- foi bem antes desse maior, que foi suprapartidário em fevereiro de 1984”, conta.

Horácio, o democrata

O multifacetado advogado, ativista social e cultural crítica as tentativas de reabilitar um suposto legado positivo da ditadura. Horácio, que viu a repressão de perto, é enfático ao condenar o regime.

“Eu sou um democrata, então sou contra qualquer ditadura, independentemente de ser de direita ou de esquerda. É fundamental a gente lutar por democracia, porque as coisas na ditadura são muito escondidas. Na democracia a sociedade vigia mais o patrimônio público, discute mais as coisas, todo mundo tem liberdade. Você tem liberdade de me ligar e eu dar uma entrevista, como tô dando agora, quando naquela época era difícil. Tudo era censurado”, afirma.

Por isso mesmo, nas décadas de forte repressão ele evitou uma das táticas mais populares do período: a da luta armada. 

“Eu era contra porque entendia que a luta tinha que ser mesmo no campo popular, das manifestações e aproveitando, por exemplo, as eleições que haviam. Apesar da ditadura havia aquelas eleições diretas para o Parlamento, mas indiretas para o governo, e ir crescendo, fazendo crescer na opinião pública essa mudança até chegarmos à Constituinte”.

Influenciado por nomes como Gandhi, Santo Agostinho e José Martí, seu ideal era de uma mudança pacífica e finalmente conseguimos alcançar a Constituinte. 

O movimento Constituinte cresceu, tivemos a Constituição de 1988 e de lá para cá você já sabe. Quando as coisas já estavam todas pacificadas nesse plano político, eu voltei-me para minha vida particular de escrever e de advogar. Foi quando eu montei o escritório”, diz, antes de dar a leve parada no ativismo.

“A minha vida era muito dedicada ao social. Isso era um compromisso que eu tinha já comigo mesmo”, aponta.

Horácio, o quase-imortal potiguar 

De acordo com Paiva, diferentes convites surgiram ao longo de sua carreira para que concorresse a uma cadeira na Academia Norte-rio-grandense de Letras. 

Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) e da União Brasileira de Escritores do Estado (UBE/RN), ele já é imortal, ao menos na sua cidade natal. O poeta é o presidente e um dos fundadores da Academia Macauense de Letras e Artes (AMLA). 

Já na Academia Norte-rio-grandense, entretanto, perdeu para Álvaro Dias.

“A essência da Academia de Letras é a literatura. No máximo você pode estender para as artes, de modo geral, e eu acredito que até para as ciências, um grande cientista, um grande compositor. Mas na prática o que ocorre não é isso. Na prática o que ocorre são outros interesses, são outras vinculações, às vezes limitações na própria visão, não sei”, comenta. 

Na campanha, diz ele, ainda surgiu um terceiro candidato, o também poeta e advogado Assis Câmara, que renunciou para apoiar o próprio Horácio. 

“E aí o prefeito se candidata também. Achei estranho porque o prefeito tá exercendo um cargo, aí vai competir com um cidadão, mas tudo bem, é um direito que ele tem. Não tem nenhum impedimento por isso, pelo menos do ponto de vista legal. Ele candidatou-se e concorri com ele, mas a maioria preferiu votar nele e foi eleito”.

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