Violência de direita é ameaça crescente nas escolas da Alemanha

Racismo e antissemitismo seguem sendo triste realidade na Alemanha, na forma de insultos, ameaças e mesmo agressão física. O fato é ainda mais alarmante quando vítimas e perpetradores são adolescentes. Com bandeiras coloridas e faixas, cerca de 150 colegiais, professores e pais se reuniram na terça-feira (09/05) diante do Departamento de Ensino de Cottbus, no estado de Brandemburgo, no extremo leste da Alemanha.
“Os temas racismo, sexismo e homofobia concernem a todos nós “, lembrou aos manifestantes o professor Max Teske. “É uma ameaça para toda a sociedade.” Os cartazes pintados à mão reforçam: “Nazistas fora das escolas”, “Quem não faz nada é cúmplice”, “Nada de ódio na escola”, “Colorido em vez de marrom” (a cor dos uniformes nazistas).
No fim de abril, Teske e sua colega Laura Nickel estamparam manchetes em todo o país com uma carta-manifesto, onde relatavam sobre música de extrema direita nas aulas, cruzes suásticas pintadas no mobiliário e insultos pelos corredores de sua escola.
“Os poucos alunos estrangeiros e tolerantes da nossa escola vivenciam exclusão, bullying e ameaças de violência”, escreveram os docentes do instituto de ensino médio nas proximidades de Cottbus. Por isso, não podiam “continuar ficando calados” e exigiam mais assistentes sociais, mais cursos de aperfeiçoamento para professores e mais projetos de fomento à democracia nas escolas.
“O número de crianças e adolescentes vítimas de ataques antissemitas e racistas dobrou em 2022: os centros de atendimento às vítimas registraram mais de 520 casos de lesões corporais”, relata Heike Kleffner, diretora da Federação dos Postos de Aconselhamento para Atingidos por Violência de Direita, Racista e Antissemita (VBRG).
Ao todo, os postos receberam 2.871 vítimas de quase 2.100 atos de violência – 700 a mais do que no ano anterior. O incremento das agressões politicamente motivadas também se reflete nas atuais estatísticas policiais, que não incluem apenas violência física, mas também delitos como ofensas verbais.
Agressão discriminatória gera insegurança duradoura
Kleffner enfatiza que esse “é só um recorte de uma realidade verdadeiramente dramática”, e o real número dos ataques deve ser muito maior. “Sabemos de demasiados casos em que os atingidos disseram ter medo de ir a público, porque os agressores ou agressoras moram na vizinhança, e também por temer que lhes seja atribuída parte da culpa.”
Esse tipo de abuso costuma ter impacto de longo prazo sobre as vítimas, explica a diretora da VBRG, citando o exemplo de um menino de oito anos que, em fevereiro de 2022, sofreu insultos racistas, empurrões e chutes de um homem de 71 anos numa piscina pública do estado da Turíngia.
“Devido a essa agressão, a criança se encontra duradouramente desestabilizada, com muito medo e em terapia.” Sua família teme, com razão, não estar mais segura: “Eles dizem; ‘A gente não sabe quando vai esbarrar com o próximo homem ou a próxima mulher que, por motivos racistas, vai nos insultar, discriminar ou, justamente, até ferir fisicamente.’”
Em Heidesee, não muito longe de Berlim, no último fim de semana a polícia conseguiu evitar que ofensas e ameaças redundassem em lesões corporais: uma turma de alunos por volta de 16 anos, na maioria com histórico de migração, estava num acampamento de férias a fim de se preparar para uma prova de matemática. Na noite do sábado, outros adolescentes os atacaram com insultos racistas, e o grupo e seus professores tiveram que deixar o local sob proteção policial.
Para Heike Kleffner, o fato de “a turma ter tido a coragem de tornar pública sua experiência com ameaças, com violência de direita e racismo, é um sinal realmente importante”, pois “só assim algo vai mudar de fato”. A diretora da VBRG apela para que a ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, providencie um direito de permanência humanitário para vítimas de violência racista e antissemita sem status migratório definido.
Essa medida garantiria “que os agredidos estejam disponíveis como testemunhas por toda a duração do processo penas”. “E seria um sinal claro de que o Estado de direito se coloca do lado dos agredidos.” Em 2021, o partido A Esquerda submeteu ao parlamento um projeto de lei nesse sentido, mas que não encontrou maioria.
Colocando as vítimas no foco da narrativa
Faeser classificou como “tenebroso” o incidente na colônia de férias, sendo “também muito terrível que quem teve que se retirar foram os que sofreram o ataque”. Ao apresentar na última terça-feira as estatísticas atuais sobre a violência de motivação política na Alemanha, a ministra exigiu uma investigação minuciosa, a fim de evitar que tal fato se repita.
Os órgãos de segurança nacional já abriram inquérito por incitação popular e ameaça sobre o caso de Heidesee e, segundo a Secretaria de Educação da capital, já foram oferecidas, aos alunos atingidos e seus pais, consultas de atendimento psicológico.
“É importante que todos os alunos e também professores tenham a chance de falar sobre o que viveram com gente de sua confiança e, se desejarem, com psicólogos e conselheiros formados”, frisa Kleffner. “Sobre a insegurança, o medo e a sensação constante de vulnerabilidade que pode se seguir a uma experiência dessas – em especial para as vítimas com vivências familiares de migração ou fuga.”
Perante notícias desse tipo, certos observadores evocam a onda de violência de ultradireita que atravessou a Alemanha dos anos 1990. E as estatísticas mostram que, assim como naquela época, o perigo de ser vítima de ataques de motivação racista continua sendo maior nos estados do leste (da extinta República Democrática Alemã, sob governo comunista) do que no oeste do país.
No entanto Heike Kleffner destaca uma diferença importante: “Dez, 20 ou 30 anos atrás, as vivências dos atingidos, dos agredidos, não estavam no centro das atenções.” Agora, como se reflete no noticiário sobre os casos, a ênfase mudou.
“E isso é urgentemente necessário, pois com demasiada frequência as vítimas vivenciam que sua perspectiva, suas experiências, não são acreditadas ou são colocadas em dúvida.” Muitas vezes os postos de assistência são os únicos que levam a sério o relato de quem sofre violência de extrema direita.
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