‘Novos’ na sigla LGBT+, pansexuais e não-binários relatam luta pelo reconhecimento: ‘desconstruir os rótulos’

Neste Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, o g1 ouviu relatos de quem vive esses desafios na pele. Busca pelo autoconhecimento e luta contra preconceito ainda são constantes na comunidade. Irá Rogenski, que vive em Campinas (SP), é pessoa não-binária e pansexual
Raula/Divulgação
Irá Rogenski, que vive em Campinas (SP), passou boa parte da adolescência como uma jovem bissexual. No entanto, foi com a ajuda de amigos e por meio da troca de experiências que entendeu que aquele ‘título’ não era suficiente para refletir a identidade do seu íntimo. Mais tarde, percebeu que não cabia na binariedade do feminino ou masculino. Queria ser plural.
Hoje aos 24 anos, sabe que é uma pessoa não-binária, que não se identifica nem como homem, nem como mulher, e é pansexual, pois pode ter atração por qualquer pessoa, independentemente do gênero. E como se não bastasse lidar com as durezas do próprio autoconhecimento, Irá ainda encara o preconceito, barreira sempre presente quando o assunto é LGBTQIAPN+.
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A perseguição é histórica, mas para quem vive nas letras ‘P’ ou ‘N’ a dor pode ter um tom bastante específico. É que elas foram compreendidas como parte da sigla há pouco tempo e ainda batem de frente com a resistência de quem as vê apenas como ‘mais um rótulo’. Membros mostram o contrário: as nomenclaturas são essenciais para que cada um encontre seu espaço.
“Com certeza, essas nomeações precisam ser abraçadas para que, realmente, haja uma construção e uma reconstrução de tudo que nós já tivemos. Para além do meu autoconhecimento, pode também representar essas lutas”, comenta Irá. “É importante pegar o rótulo pra mim e para que ele seja desconstruído”, comenta Irá.
No Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado nesta quarta-feira (28), o g1 conversou com uma socióloga sobre a importância de cada letra como forma de reforçar a representatividade. Nesta reportagem você confere também os relatos de pessoas pansexuais e não-binárias que vivem este cenário na pele.
Autoconhecimento
“Até quando eu era reconhecide como mulher, tinha muitas questões com nosso sistema. Sempre bati muito de frente com várias questões, como: ‘só porque sou isso, não posso aquilo?’ Nunca fez sentido”, relembra Irá.
A compreensão da própria identidade veio como parte de uma indignação. Hoje atuando com educação social, estudando psicologia e sendo artista independente, conta que sempre se atentou às discussões de gênero e sobre o papel de cada um na sociedade. Na pandemia, esse olhar ganhou mais força.
“Antes de ver o rosto do ser humaninho que vai nascer, a gente quer saber qual genitália ele vai ter. A partir disso, vai se construindo algo esperado para essa pessoa”, comenta. “Eu sempre questionei essas posições que as pessoas esperam de certos corpos com a genitália. Percebi como a sociedade é binária”, comenta.
Os apontamentos fizeram com que se entendesse. O que para alguns é apenas parte de uma sigla, para Irá é uma pontuação importante e que deve ser feita. É se encontrar no meio das dúvidas, tomando para si uma explicação que preenche lacunas. “Me atraio por pessoas independentemente de gênero ou da sexualidade da pessoa”.
Luisa Naves é mulher cisgênero e pansexual
Gabriella Zanardi/Arquivo Pessoal
Luisa Naves viveu um processo parecido. Mulher cis, que se identifica com o gênero atribuído ao nascimento, tem orientação pansexual. Para ela, o gênero dos outros não é um critério na hora de se relacionar. Assim como aconteceu com Irá, são desdobramentos que começaram na adolescência. Até então, se definia como bissexual.
“Comecei a me envolver com pessoas não-binárias, comecei a desenvolver afeto com pessoas não-binárias. Afeto romântico, sexual e sentir atração também. A partir desse momento, comecei a me identificar como uma pessoa pansexual porque eu sinto atração não pelo gênero, mas pela pessoa apesar do gênero”, comenta.
Reforça, inclusive, que a diferença em relação à bissexualidade é exatamente essa. Para quem está na letra ‘B’, as performances de feminilidade ou masculinidade podem ser importante no hora se envolver com alguém. O que não significa que esses grupos queiram se relacionar com qualquer um, como dizem por aí. Pelo contrário.
“Vem vários estereótipos, como de que as pessoas pans ficam com todo mundo. Na verdade, a gente fica com quem a gente quiser, quem a gente sente atração de verdade. Também é usado isso pra justificar comportamentos ruins, porque ela vai contra a lógica monogâmica, principalmente”.
“Você sente atração por pessoas e elas não estão em caixinhas. É reconhecer a pluralidade de belezas, de desejos e possibilidades dentro do campo afetivo”, pontua. “A pansexualidade é importante estar na sopa de letrinhas, porque ela reconhece que a atração vai para além, ela é independente”.
Sobram desafios
Pessoa não-binária, Fah é presidente da União Nacional LGBT no estado de São Paulo
Arquivo pessoal
Presidente da União Nacional LGBT no Estado de São Paulo, Fah Moraes, que é uma pessoa não-binária, acompanha o dia a dia de quem vive essas descobertas. Defende que as novas letras da sigla sejam abraçadas com urgência, pela própria comunidade e também por toda a sociedade.
“O ‘mais’ é justamente para dizer que as manifestações afetivas, identidade de gênero, as performances de diversidade da nossa comunidade são fluidas elas podem estar em constante transformação. É importante também dizer que uma pessoa não-binarie, nós estamos falando de existência”, destaca.
Bandeira do movimento LGBTQIAPN+
Pixabay
E haja desafio para existir. Para Irá, o peso está na percepção de como a sociedade vive e o que determinados preconceitos podem causar. “Dá dor de cabeça ter consciência, dá dor de cabeça você conseguir enxergar de fora e perceber tanto sofrimento das pessoas. O sofrimento das pessoas que não olham para isso e estão vendadas para as coisas do mundo”.
Já Luisa acredita que é preciso desmistificar. “A pansexualidade foi muito deturpada por muito tempo, porque falava que sentia atração por tudo, por planta, por robôs e outras mais sombrias, até zoofilia e pedofilia. Só que não. A pansexualidade é a atração por pessoas. Não é justo deturpar essa ideia e esse termo”.
Apesar disso, se enxergar nas siglas traz um alívio. É o que mantém a luta firme, para quem está e para aqueles que ainda chegarão. “Por mais que essa consciência, toda essa noção do modo como vivemos, doa, é também o que alivia. Saber que ok, posso estar passando por certas coisas, sentido certas coisas do mundo, mas eu estou vivendo como eu quero, como acredito”, conclui Irá.
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