‘Nossos corpos e territórios têm sido invadidos e violados todos os dias’, denunciam mulheres quilombolas

2º Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas terminou neste sábado (17), em Brasília. Carta endereçada ao governo federal alerta para precarização nos quilombos e necessidade de regularização de terras Participantes do 2º Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas, em Brasília, em imagem de arquivo
Divulgação/Sheyden/Race and Equality
“Nós, 320 mulheres quilombolas de todo Brasil, delegadas por 24 estados […] queremos denunciar que nossos corpos e territórios têm sido invadidos e violados todos os dias.”
Este é um dos trechos da carta, endereçada ao governo federal, resultado do 2º Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas, em Brasília. O evento terminou neste sábado (17) e reuniu, desde quarta-feira (14), lideranças femininas de todas as regiões do país pela proteção de seus povos e territórios.
A iniciativa é da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). No documento, as principais denúncias incluem:
Urgência pela regularização de territórios quilombolas: “Não só nos falta paz, como nos falta alimentos em nossas mesas”
Falta de investimentos em educação: “Nossas escolas são as mais precarizadas”
Precariedade de serviços sociais: “Não há políticas especificas de créditos, de saúde e de moradia voltadas para mulheres quilombolas”
Violência e invisibilização: “A violência doméstica, política, religiosa, cultural nos mata todos os dias”
Para Givânia Maria da Silva, doutora em sociologia e uma das coordenadoras da CONAQ, não há como pensar território quilombola sem pensar na participação das mulheres. “Quando a gente conhece mais de perto um quilombo, a gente vê que as mulheres têm um protagonismo que muitas vezes não é visualizado, mas é permanente”, defende.
“Nesses três dias, fomos capazes de debater grandes temas e sair com uma proposta concreta de encaminhamento, tanto para o fortalecimento do movimento, como também para inserir nos governos estaduais, federal, e nos municípios”, disse Givânia, ao g1.
Givânia Maria da Silva, doutora em sociologia, em imagem de arquivo
Divulgação/ Fundo Malala
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‘Só seremos livres quando todos os territórios estiverem titulados’
Sandra Maria de Andrade, coordenadora executiva da CONAQ, em imagem de arquivo
Divulgação/Claudio Kbene
Segundo a CONAQ, a regularização fundiária dos quilombos alcança menos de 5% dos quase 6 mil quilombos espalhados pelo país. “Hoje, menos de 200 dos 5.972 territórios quilombolas do Brasil detêm a posse da terra, embora seja um direito garantido pela Constituição de 1988”, diz a instituição.
Ainda de acordo com a CONAQ:
Pouco mais de 400 terras quilombolas são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares
Mais de 1.700 pedidos de regularização aguardam análise no Incra
50 quilombos esperam a conclusão do processo de titulação
“Estamos nós, novamente, à frente dessa luta para que nossos direitos sejam reconhecidos e implementados”, diz Sandra Maria de Andrade, coordenadora executiva da CONAQ. Segundo ela, os últimos seis anos foram um período de “turbulência” para os quilombos.
“Queremos estar à frente, ocupando os espaços de decisão e ditando diretrizes, pois quem vive nos quilombos somos nós. Só seremos livres quando todos os territórios das comunidades quilombolas estiverem titulados”, ressalta.
Luta
Selma Dealdina, em imagem de arquivo
Antonio Cruz/Agência Brasil
Para Selma Dealdina, secretária-executiva da CONAQ e coordenadora do coletivo de mulheres, as quilombolas atuam como guardiãs “das tradições da cultura afro-brasileira, do sagrado, do cuidado, da roça, das sementes, da preservação de recursos naturais fundamentais”.
Originária do Território Quilombola Sapê do Norte, no Espírito Santo, ela já viajou o mundo para defender os quilombos e articular medidas para proteger e valorizar essas populações.
Na carta feita pelas mulheres quilombolas, alguns pedidos também foram feitos aos ministros do presidente Lula (PT):
Linhas de créditos específicas para mulheres quilombolas;
Criação de uma a Secretaria Nacional de Saúde Quilombola
Proteção e garantia da regularização de territórios quilombolas;
Apuração dos assassinatos de lideranças quilombolas;
Elaboração de políticas voltadas para as mulheres quilombolas;
Mudanças na educação;
Linhas de créditos para a juventude quilombola;
Fortalecimento do Ministério da Igualdade Racial.
“O abandono histórico vivido por nosso povo, fez com que muitos nascessem e morressem sem saber o que era ser cidadão e cidadã de um país que ajudamos construir”, ressalta o documento.
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