Cabo submarino inaugurou Florianópolis no mundo das comunicações; conheça a história

Num tempo de predomínio das comunicações via satélite, custa imaginar que transmitir uma mensagem, por mais sucinta e prosaica que fosse, já dependeu de um cabo físico estendido por embarcações no fundo do mar, conectando países e continentes. Quase um século e meio atrás, no ano de 1875, a cidade do Desterro, antigo nome de Florianópolis, foi contemplada com os serviços de um cabo submarino que ligava Buenos Aires e Rio de Janeiro.

Cabos terrestres de parte de ligação de meio de comunicação em Florianópolis – Foto: REPRODUÇÃO/ND

Com isso, o telegrama – também chamado de cabograma – passou a ser a melhor forma de transmissão de avisos e notícias, contatos entre pessoas, governos e até chefes militares em conflitos mundo a fora.

Cidade acanhada, que se comunicava com o exterior apenas pelo mar, Desterro teve o privilégio de ser a primeira do Sul do Brasil a contar com serviços de telegrafia. O prédio onde funcionava a escritório da concessionária Western Telegraph Company, na atual rua João Pinto, ainda está de pé e é ocupado por diversos estabelecimentos comerciais. Até 1923, a empresa inglesa operava na praça XV de Novembro, próximo a tudo o que os portugueses instalavam no centro histórico das cidades – igreja, casa de governo, câmara e cadeia.

Florianópolis foi contemplada com os serviços de um cabo submarino que ligava Buenos Aires e Rio de Janeiro – Foto: DIVULGAÇÃO/ND

Em Florianópolis, outra herança dos tempos do cabo submarino é o relógio inglês que funciona junto ao Mercado Público. Ele ficava na sede da Western Telegraph e muita gente costumava acertar as horas com base no aparelho – como foi habitual até recentemente, segundo depoimentos dos funcionários e lojistas mais antigos da casa.

“Até para o fechamento das apostas do jogo do bicho, que era feito no Rio de Janeiro, as pessoas se baseavam no relógio”, conta Aldonei de Brito, dono de um box no Mercado. Ele diz que apenas outros dois aparelhos similares continuam funcionando – um em Buenos Aires e outro em Londres.

Quando um navio inglês foi deitando o cabo no fundo do mar, percorreu a rota entre o Brasil e a Argentina, agregando ao sistema as cidades de Santos, Desterro, Rio Grande (RS) e Montevidéu. Por aqui, foi a partir da sede original da Western Company, na praça central da cidade, que ocorreu a primeira ligação internacional em tempo real na região Sul do país.

Em entrevista do portal FloripaCentro, em 2021, o engenheiro Carlos Eduardo Porto, que chefiou a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) no início da década de 1970, recorda que “na medida em que o cabo ia sendo instalado, o telégrafo já ficava disponível, possibilitando o envio de telegramas para o exterior”. Quando foi criada, a Embratel assumiu as operações de comunicação à distância no país, utilizando o sistema de micro-ondas (satélite).

À espera de respostas, via telegrama, na frente da agência

Em 1874, inaugurada por Dom Pedro 2º, uma longa extensão de cabo submarino uniu o Brasil à Europa. Samuel Morse (1791-1872), criador de um código que “podia ser lido à velocidade de 40 palavras por minuto e se tornou de uso universal para transmissão telegráfica”, ficou conhecido como o inventor do telégrafo. A transmissão pioneira aconteceu em 24 de maio de 1844. Em termos tecnológicos, historiadores e pesquisadores comparam o surgimento da telegrafia ao advento da internet, na segunda metade do século 20.

Em Florianópolis, outra herança dos tempos do cabo submarino é o relógio inglês que funciona junto ao Mercado Público – Foto: LEO MUNHOZ/ND

Os jornais impressos foram grandes beneficiários do telégrafo, porque já não precisavam esperar vários dias para publicar notícias sobre guerras, acordos comerciais e a vida de celebridades, por exemplo. Até então, as informações e novidades viajavam na velocidade dos navios que as transportavam. Com o telégrafo, surgiram as agências de notícias, como a New York Associated Press (1848) e a Reuters (1859), encurtando a distância temporal entre os fatos e a sua divulgação em diferentes países e continentes.

No Desterro, os serviços de telegrafia foram concedidos por um período de 100 anos, também pelo imperador Dom Pedro 2º, à Companhia Western do Brasil – medida cumprida à risca, porque em 1974 a empresa inglesa encerrou suas atividades na cidade. Da área central até a praia do Campeche, onde havia uma subestação, os cabos eram subterrâneos.

Relógio inglês ficava na sede da Western Telegraph e muita gente costumava acertar as horas com base no aparelho – Foto: LEO MUNHOZ/ND

Durante mais de sete décadas, Cabo Submarino era o nome que as pessoas davam à agência de telégrafos da Ilha, e era habitual os usuários ficarem esperando em frente ao prédio as respostas telegramas que haviam mandado. O relógio que está hoje no Mercado Público ficava na parede externa do edifício da Western Telegraph, na João Pinto, então uma das mais movimentadas vias comerciais do centro histórico da cidade.

Uma raridade que atrai as atenções no Mercado Público

Pela inscrição visível no relógio do Mercado Público é possível saber que a fabricante do aparelho foi a inglesa Gillett & Jhonston Groydon, em 1911. Quando o cabo submarino foi desativado, em 1975, o aparelho ficou por alguns anos na outra ponta do Mercado. O lojista Aldonei Machado guarda em seu celular uma foto da antiga posição do relógio, anterior a uma das mais importantes reformas do prédio que acabou por provocar a mudança do aparelho para a posição atual, na entrada da ala norte.

Olhando de fora, o modelo do relógio inglês aparenta ser simples, mas seu mecanismo, totalmente mecânico, impressiona pelo tamanho das peças e pelas engrenagens, dentes e acessórios – Foto: LEO MUNHOZ/ND

Olhando de fora, o modelo aparenta ser simples, mas seu mecanismo, totalmente mecânico, impressiona pelo tamanho das peças e pelas engrenagens, dentes e acessórios – equivale a um relógio de pulso em grandes proporções. A parte que os transeuntes não veem fica numa sala da administração do Mercado onde está o maquinário, incluindo o pêndulo preso a um cabo de aço com um peso que vai movimentar a máquina do relógio. A corda é dada uma vez por semana, com o uso de uma grande manivela. Ele também tem um mecanismo que permite que o relógio fique iluminado à noite.

Relógio inglês no Mercado Público de Florianópolis – Foto: LEO MUNHOZ/ND

O site do Mercado Público conta que o relógio estava desativado quando, em 1989, um casal da Austrália se interessou pelo aparelho e se comprometeu a procurar na Europa uma solução para que ele voltasse a funcionar. Foi dessa maneira, a partir de um prontuário enviado pelos australianos, que a administração do Mercado soube da trajetória do relógio, da fábrica na Inglaterra até o Sul do Brasil.

A confiabilidade do aparelho (muitas pessoas se baseavam nele para acertar os próprios relógios) deve-se, segundo alguns lojistas, ao fato de marcar as horas conforme o Meridiano de Greenwich.

Dos cafés à internet, diferentes maneiras de propagar a informação

Primeiro foram os cafés, alguns temáticos, vistos como locais de distribuição de panfletos, propaganda e intercâmbio de informações, reunindo gente do povo, mas também escritores, políticos, negociantes e cientistas em pontos estratégicos de Londres e Paris. A telegrafia surgiu na primeira metade do século 19 como um passo adiante no contato entre pessoas, sem a necessidade da presença física ou da correspondência tradicional, via cartas, uma grande ferramenta que a literatura soube usar para gerar obras primas ao longo dos séculos.

“A criação do telégrafo e os primeiros anos de adoção desta nova tecnologia são comparados por muitos autores com o surgimento da internet”, escreveu o jornalista Rogério Mosimann na dissertação de mestrado “Implicações da internet nos jornais e a presença da RBS na web”, de 2007. Depois vieram o telefone, o rádio – este, já sem a necessidade de fios –, o cinema e a televisão, virando o mundo de cabeça para baixo.

No Brasil, a primeira ligação telegráfica data de 1852, entre a Quinta Imperial e o Quartel do Campo, no Rio de Janeiro. A Guerra do Paraguai (1865-1870) motivou a expansão do serviço, pela necessidade de conectar a capital do império com as cidades do Sul do país. A transmissão pioneira para a Europa foi em junho de 1874, em conversa entre Dom Pedro 2º, a rainha Vitória da Inglaterra e o rei Dom Luís, de Portugal.

 

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