Na cidade de São Paulo, os protestos foram marcados pela repressão policial. Na época, o Movimento Passe Livre (MPL) convocou uma série de manifestações contra o aumento da passagem de R$ 3 para R$ 3,20. Junho de 2013 ficou marcado por uma série de manifestações no Brasil, inicialmente organizadas contra o aumento da tarifa no transporte público. Em algumas cidades, como São Paulo, houve repressão policial. Para alguns brasileiros, as jornadas de junho marcaram o momento em que eles começaram a discutir e a falar sobre política no âmbito pessoal.
“Eu nem sabia a diferença entre direita e esquerda. Morava em Osasco, na verdade nunca me mudei. Naquela época eu estava com 20 anos e tinha acabado de começar um curso de audiovisual no Bom Retiro, no Centro da capital. Foi nesse curso que, pela primeira vez, vi pessoas falando sobre política”, afirma a analista de marketing Patrícia Santos, que hoje tem 31 anos.
Patrícia conta que acompanhou as primeiras manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) pela televisão. “Na época eu estava dividida entre duas situações: em casa meus pais falavam que era coisa de vagabundos que estavam atrapalhando o trânsito e, no curso, a história era completamente diferente. As pessoas falavam da importância de ir, que estavam se juntando para mudar a história do Brasil.”
“Fui chamada para um [ato] na Faria Lima e foi o primeiro protesto a que fui na vida. Senti um clima de união entre as pessoas, então fazia muito sentido estar no meio daquilo, eu realmente me senti como se estivesse fazendo parte da história.”
E emenda: “Essas manifestações surgiram em um momento em que eu tinha começado a ter consciência sobre questões sociais, onde eu me encaixaria, porque eu sou uma mulher preta, periférica e filha de nordestinos. Quando você toma consciência de tudo isso e começa a entender a realidade, você sente uma revolta”.
“No meu caso, foi uma revolta que me motivou a querer mudar as coisas. Quando bate essa revolta, você vai igual um trator, quer mudar tudo, problematiza tudo. Com o tempo, vai tomando consciência de que não é bem assim e enxerguei nos protestos essa possibilidade de mudar algo”, continuou.
Patricia até mentiu para a mãe e saiu de Osasco, na Grande São Paulo, para uma manifestação na Faria Lima, na Zona Oeste, organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL).
O MPL surgiu em meados de 2005 e, em 2012 já estava articulado para ir às ruas contra um aumento da passagem na cidade de São Paulo previsto para 2013.
Em uma realidade completamente diferente, a Maria Regina Castelo Branco, que hoje tem 44 anos, tinha acabado de se mudar para a cidade de São Paulo para trabalhar como funcionária pública.
“Eu tinha muita vontade de exercer minha cidadania, de querer mudar e de participar de algo interessante. Na época, São Paulo vivia uma efervescência de manifestações. Então foi o começo de desenvolver um conhecimento maior sobre política e de me interessar mais sobre esses assuntos. Meus novos colegas do trabalho estavam comentando sobre a manifestação, não lembro exatamente a data, mas praticamente me ofereci para participar, para se enturmar e porque estava com vontade de ir mesmo”, afirmou.
“Eu nem andava de ônibus, mas queria ir para a rua por estar pensando nas pessoas que andavam de ônibus. No final, foi interessante participar, lembro que eu meus amigos andamos por umas 5 horas, no final me senti empolgada, feliz, mas com o transcorrer do tempo acabei percebendo que essas manifestações foram desvirtuadas do que era no começo”, continuou.
Desde novembro de 2012 o movimento já convocava protestos contra o aumento da tarifa no transporte público, na região do Centro e em diversos bairros da Grande São Paulo. O primeiro grande protesto foi marcado para o dia 6 de junho, no Centro da capital.
O ato reuniu centenas de manifestantes e foi marcado pela repressão policial e pela depredação de estações de Metrô.
Em maio de 2013, no dia 12, o movimento anunciou o “Grande ato contra o aumento da Tarifa” para o dia 6 de junho, às 17h no Theatro Municipal. Mas ao longo do mês de maio, realizou uma série de manifestações menores, em diversos bairros da capital e da região Metropolitana, sempre acompanhado de estudantes do ensino médio de escolas públicas.
O ato do dia 6 de junho reuniu centenas de manifestantes e, nas redes sociais o movimento reclamou da forte repressão policial. As estações Brigadeiro e Trianon-Masp, da Linha 2, a estação Vergueiro, da Linha 1, e a estação Anhangabaú, da Linha 3, foram alvo de vandalismo. Na Vergueiro, um segurança do Metrô ficou ferido.
O grupo convocou um novo ato para o dia seguinte no Largo da Batata, em Pinheiros. Os manifestantes seguiram até a Avenida Paulista e mais uma vez reclamaram da repressão policial pelas redes sociais.
Um novo ato foi convocado para o dia 11 de junho, na Praça do Ciclista e mais uma vez o grupo reclamou da repressão policial e convocou uma nova manifestação. O movimento estimou que mais de 12 mil pessoas participaram do ato.
O movimento convocou mais um ato para o dia 13 de junho. O 4º dia de protesto foi marcado por gritos dos manifestantes de “não violência”, mas os manifestantes foram cercados pela polícia militar. “O 4º grande ato contra o aumento da tarifa seguia pacificamente, com mais de 10 mil pessoas, quando perto da Praça Roosevelt se iniciou uma brutal repressão policial. Manifestantes tentam se reorganizar, e a tropa de choque e a cavalaria seguem reprimindo com bombas de efeito moral, armas com bala de borracha e bombas de gás lacrimogêneo”, afirmou o MPL em uma nota no dia do ato.
O 4º dia de ato foi marcado pela repressão policial: manifestantes, moradores e jornalistas foram feridos por balas de borracha.
Um novo ato foi convocado para o dia 17 de junho novamente no Largo da Batata. No dia não houve confronto policial e um novo protesto foi marcado para 18 de junho na Praça da Sé, no Centro, mais uma vez não houve confronto.
Em 19 de junho o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciaram a revogação do aumento da tarifa na cidade de São Paulo.
Após a revogação, membros do MPL foram convidados para uma reunião com Dilma Rousseff, que na época era presidente do Brasil.
Eles aceitaram participar da reunião, o que gerou uma série de críticas nas redes sociais, onde internautas passaram a afirmar que o movimento estava ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Além das críticas, o movimento também recebeu reclamações por não estar mais convocando protestos.
As duas entrevistadas pelo g1 pararam de participar das manifestações por motivos diferentes. A Patrícia ficou com medo da escalada de violência e a repressão policial, já a Maria estranhava a junção de milhares de pessoas com objetivos diferentes nas ruas.
“Começou a rolar uma violência entre manifestantes. Tinham muitas pessoas com demandas diferentes, então elas estavam mais ríspidas, então deixou de fazer sentido estar ali, já não existia aquela união que eu tinha sentido inicialmente”, diz Patrícia.
Para a Maria, as manifestações foram algo que não existia no Brasil, e o seu objetivo para participar era pela revogação do aumento das passagens.
“Eu queria lutar para baixar o valor das passagens de ônibus, mas também tinha aquela temática de que não era só pelos 20 centavos. Depois disso aconteceram várias coisas que tornaram o que tornou tudo pior, o conservadorismo saiu do buraco” .
“Essa falta de pauta, de direcionamento foi o que atrapalhou. Muita gente em 2013 saiu gritando na rua sem saber exatamente por que estava ali. Era a manifestação com várias bandeiras, várias ideologias, era tudo junto, misturado”, continuou.
Tanto para Patrícia, quanto para Maria Regina, as jornadas de junho geraram uma separação política em suas vidas pessoais.
Ambas se definem como pessoas de esquerdas.
Elas desenvolveram uma dificuldade de conviver com pessoas de posição diferente.
Tanto para ter um relacionamento amoroso, quanto para amizade.
“Antes de 2013 era mais uma coisa, pelo menos em São Paulo, entre PT e PSDB, não tinha uma conversa entre direita e esquerda e convivia com uma galera que votava no PSDB. Depois de 2013, eu realmente comecei a entrar em briga por política, mas não era uma coisa que me separada das pessoas, mas o bolsonarismo me separou”, afirma Patrícia.
“Tem um exemplo, eu tinha um ‘crush’ em um menino. Depois de um tempo descobri que ele era de extrema direita e isso funcionou como um verdadeiro anticoncepcional. Eu não consigo me relacionar com pessoas que ainda defendem o Bolsonaro, por exemplo porque são visões de mundo diferentes. Eu sou uma mulher preta, não consigo ter qualquer relacionamento com uma pessoa que defende um cara que já disse que um filho dele nunca vai namoraria uma preta porque eles foram bem-educados”, continuou.
A analista diz ainda que os protestos eram vistos pela família como algo que só atrapalhava a volta para casa, mas com o passar dos anos, o assunto política também virou conversa na mesa de jantar.
A Maria acabou se desfazendo de amizades.
“Acho que ter participado daquele momento foi um divisor de águas para saber quem sou e o que quero para esse mundo, quais pautas quero defender. Então enxergo que fiquei mais seletiva em tudo, nas manifestações que quero ir, nas amizades. Então foi bom todo mundo ter saído do buraco depois de 2013 para falar de política, porque é um assunto que faz parte do nosso dia”, afirma.
Junho de 2013, 10 dez anos depois: ‘Eu queria baixar o valor das passagens de ônibus, e o conservadorismo saiu do buraco’
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