Crítica As Bestas | Filme escancara brilhantemente a brutalidade da intolerância

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Crítica As Bestas | Filme escancara brilhantemente a brutalidade da intolerânciaDiandra Guedes

Até onde a intolerância pode levar o ser humano? Essa é a pergunta que guia o filme espanhol As Bestas do diretor Rodrigo Sorogoyen, que ganhou destaque no Goya — o principal festival da Espanha. Com um argumento simples, mas roteiro e montagem impecáveis, o longa esmiúça na tela como a relação com o diferente pode ser brutal.

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Situado em uma cidade no interior da Galícia, o filme acompanha a vida de Antoine (Denis Menochet) e Olga (Marina Fois), dois franceses que vendem verduras para sobreviver. Calmos e quietos, eles tentam levar uma vida pacata, mas são constantemente perturbados pelos vizinhos, especialmente Xan (Luis Zahera), um homem rude que além de não dar paz para Antoine ainda o ridiculariza por ele não conseguir se expressar bem em espanhol.

Essa implicância, porém, tem um motivo: eles não se conformam que o Francês (como Antoine é chamado) vote contra a implantação de uma fazenda de energia eólica que trará muito dinheiro para a cidade e significará a chance deles saírem daquele buraco. De um lado, argumentam que o estrangeiro não tem direito de opinar sobre essa decisão, já que além de não ter nascido ali, vive há poucos meses no local. De outro, Antoine se recusa a assinar uma proposta que irá colocar o meio ambiente em risco.

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Esse impasse culmina em uma tensão latente que vai crescendo à medida que o filme avança, se tornando quase palpável. E esse é o grande acerto do longa.

Sem se curvar à narrativa óbvia e nem abusar de recursos comuns, como a violência gráfica — refletida em trocas de soco, xingamentos, e pancadaria — o longa consegue costurar um enredo sem falhas, criando no público a sensação de angústia necessária para que este não desgrude os olhos da tela.

A rivalidade entre os vizinhos vai crescendo cada vez mais, até se tornar insustentável, e quando isso acontece o filme decide, mais uma vez, inovar e muda o protagonismo da trama.

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Poucas palavras contam uma história potente

A partir desse ponto, não há mais volta. Os vizinhos já são inimigos, e o enredo joga luz a um outro ponto importante; a presença feminina na cidade. Olga ganha mais destaque, e sua transformação física reflete tudo aquilo que ela guarda internamente.

De calma e resignada, ela se transforma em uma força bruta que não abaixa a cabeça para os vizinhos ou quem quer que seja. Sua presença incomoda, justamente por ela ser uma mulher — algo que não é muito visto naquela região — que não acata as ordens de nenhum homem. Seus diálogos com sua filha, Marie (Marie Colomb) também são primorosos e reafirmam sua força.

Apesar disso, não dá para dizer que As Bestas é um filme de muitas palavras. E nem precisa ser. O longa tem pouco, mas bons diálogos e fala mais através do olhar dos seus personagens do que da boca deles.

As paisagens também ajudam a contar a história, e aqui entra o excelente trabalho da direção de fotografia e arte. Sem muito esforço, eles conseguem transformar as lindas vegetações em um lugar inóspito e perigoso de viver.

Outro acerto foi a escalação do elenco. Além de brilharem em cena, os atores se encaixam no tamanho de seus personagens. Olga é uma mulher mediana que nunca se curva, e quando provocada exala uma força bruta que faz até com que ela pareça maior. Antoine, por sua vez, é enorme e corpulento, mas tem o coração tão macio que se apequena diante da covardia que o cerca. Essa contradição faz bem ao filme que tanto luta (e consegue) fugir do clichê.

O equilíbrio por meio do olhar da miséria

Se a implicância parece tomar proporções descabidas, o filme atinge o equilíbrio quando mostra o que está do outro lado da moeda. Os vizinhos, vendidos como pessoas tão ignorantes e rudes, também têm uma dose de razão.

Miseráveis, eles vivem em um lugar que parece perdido no globo terrestre, e querem uma chance de mudar de vida. Quem não quer? Sem esposa, sem dinheiro e sem perspectiva de melhoras, eles enxergam na companhia eólica uma pequena chance de sair da miséria, mas precisam da assinatura de um francês que mora no local há pouco tempo e nunca enfrentou as desgraças da vida como eles.

Mudar esse ponto de vista da história, enriquece o longa que deixa de ser linear para ganhar uma bidimensionalidade que mexe com a cabeça do espectador. Afinal, quem está certo? Existe apenas um lado correto nessa história?

E é assim que As Bestas constrói um retrato brilhante da barbárie humana que é instigada pela miséria e pela intolerância ao diferente. O longa chegou aos cinemas brasileiros no dia 25 de janeiro, e certamente merece uma chance de ser assistido.

Leia a matéria no Canaltech.

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