Caso Serrambi completa 20 anos sem solução e com processo marcado por controvérsias e reviravoltas

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No dia 3 de maio de 2003, foram assassinadas as adolescentes Tarsila Gusmão e Maria Eduarda Dourado. Caso aconteceu em Ipojuca, no Grande Recife. Maria Eduarda Dourado (à esquerda) e Tarsila Gusmão (à direita), vítimas do Caso Serrambi
Arquivo/TV Globo
Há 20 anos, no dia 3 de maio de 2003, as adolescentes Tarsila Gusmão e Maria Eduarda Dourado foram assassinadas em Ipojuca, no Grande Recife. Conhecido como Caso Serrambi, o crime se tornou um dos mais emblemáticos de Pernambuco, com reviravoltas judiciais e dúvidas em relação ao processo.
Duas décadas depois, o caso segue sem solução. Dois irmãos kombeiros – como eram chamados os trabalhadores de transporte alternativo – Marcelo e Valfrido Lira, chegaram a ser presos, denunciados e julgados pelo crime, mas foram absolvidos.
A TV Globo teve acesso às mais de 2 mil páginas do processo, que tem 47 volumes, bem como a gravações de testemunhas, interceptações telefônicas e depoimentos. Tudo está guardado no Fórum de Ipojuca, que com autorização da juíza Andréa Calado, responsável pelo caso, abriu as portas para a reportagem (veja o vídeo completo ao final deste texto).
O caso
Últimos momentos
Primeiros indícios
Óculos escuros
Processo
Julgamento
Defesa
O caso
Casa onde ficaram hospedadas Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão
Acervo/TV Globo
Maria Eduarda Dourado Lacerda e Tarsila Gusmão Vieira de Melo passavam o fim de semana na casa de um amigo, na Praia de Serrambi, com uma turma. Elas foram encontradas mortas num canavial no distrito de Camela, também em Ipojuca.
Depois de um passeio de lancha até o Pontal de Maracaípe, elas se separaram dos outros jovens e foram andar sozinhas pela praia. Ao retornar ao local onde a lancha estava atracada, constataram que o grupo já havia retornado para Serrambi.
As jovens decidiram voltar sozinhas à praia e conseguiram uma carona até as imediações do trevo de Porto de Galinhas, onde pegariam uma condução. De acordo com testemunhas, as adolescentes foram vistas por volta das 18h30 junto a uma padaria, onde permaneceram até entrarem em uma Kombi.
Após entrarem no veículo, Tarsila e Maria Eduarda desapareceram e seus corpos só foram encontrados dez dias depois, pelo pai de Tarsila.
Acusados pelo crime, os kombeiros Marcelo e Valfrido Lira foram presos em 2008, mas absolvidos em júri realizado em 2010.
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Últimos momentos
Tarsila e Maria Eduarda estavam hospedadas na casa de Thiago Carneiro, em Serrambi. O grupo foi de lancha para a praia de Porto de Galinhas. Os jovens combinaram que, às 16h, todos do grupo voltariam para o Pontal de Maracaípe para voltar para Serrambi. Na hora marcada, as garotas não apareceram.
As adolescentes foram fotografadas por um surfista. A imagem, última foto em que as meninas aparecem vivas, ficou famosa e virou uma marca do Caso Serrambi (veja imagem no início da reportagem).
Na foto, Tarsila está de vestido laranja e óculos de sol. Maria Eduarda veste camisa branca e short estampado. Depois, elas foram vistas num estabelecimento à beira-mar, o Bar do Marcão.
Para marcar o ponto exato de retorno da lancha, as meninas deixaram, de manhã cedo, quando chegaram ao Pontal de Maracaípe, as sandálias em cima de um banco de areia. Elas andaram até Porto de Galinhas e encontraram um professor de música, que deu uma carona até a entrada da vila de Porto de Galinhas.
No fim da tarde, as meninas voltam a ser vistas numa padaria, no início da estrada de acesso a Serrambi.
As investigações apontam que as meninas embarcaram numa Kombi de transporte alternativo e desapareceram.
Os corpos em decomposição foram encontrados dez dias depois, num canavial, no Engenho Jenipapo, no distrito de Camela.
Canavial onde foram achados os corpos de Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão
Acervo/TV Globo
O corpo de Tarsila tinha três perfurações de tiros, sendo duas na cabeça e uma na mão. Maria Eduarda foi morta com tiros na testa e no maxilar.
Foi o pai de Tarsila que conseguiu localizar os corpos. Ele era motociclista e, com ajuda de um amigo, passou o dia em estradas de barro entre Porto de Galinhas e Serrambi.
O inquérito mostra que o biquíni e o vestido de Tarsila foram arrancados do corpo. Maria Eduarda teve o short puxado até a altura das pernas.
A polícia fez perícias na casa de Tiago Carneiro e escutou todos que estavam naquele fim de semana em Serrambi.
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Primeiros indícios
O delegado José Silvestre, do Grupo de Operações Especiais (GOE), foi responsável pelo inquérito. A equipe dele encontrou uma mulher que vendia tapioca e que disse que viu as meninas embarcarem numa Kombi.
Na época, a testemunha disse que:
Duas pessoas entraram na Kombi, que era branca e tinha um para-choque verde;
As vítimas praticamente “se jogaram” na frente dessa Kombi;
O cobrador estava no banco da frente, e Tarsila perguntou se o veículo ia para Serrambi;
O cobrador se afastou, sem descer da Kombi, e as duas vítimas entraram e sentaram no banco da frente;
A Kombi seguiu em direção a Serrambi.
Vinte anos depois do crime, o delegado José Silvestre continua a afirmar que o veículo era dos irmãos Marcelo e Valfrido Lira.
“Elas [as kombis] se diferenciavam por adesivos, por algumas pinturas, e essa, especificamente, pela cor do para-choque, destoava totalmente das outras. Todos os indícios, evidências, testemunhas, fatos, nos levavam a uma cronologia, uma dinâmica em que eles [os kombeiros] estavam incluídos”, disse.
Uma perícia na Kombi foi feita em Cachoeirinha, no Agreste do estado. Os peritos encontraram embalagens de bombons, lâminas de barbear, pedaços de nylon e fios de cabelo. A polícia afirmou que esses objetos também estavam no local onde os corpos foram encontrados.
Barbeadores apontados por investigações do Caso Serrambi
Reprodução/TV Globo
O processo aponta que os cabelos se assemelha, “em todas as características”, aos que foram encontrados na escova de Maria Eduarda.
“São indícios. Alguns até tentaram dizer que teriam sido plantados pela polícia, que não teriam sido vistos na primeira perícia, o que não é verdade. As fotos indicam claramente o que havia lá”, disse o delegado José Silvestre.
O procurador Ricardo Lapenda, do Ministério Público de Pernambuco, disse que as provas eram contundentes.
“O pessoal da padaria confirma que elas entraram, saíram, compraram cigarros. Tem o professor que deu a carona. […] A prova é muito amarrada, é muito convincente, de que essas meninas entraram naquela Kombi e não chegaram em Serrambi nem em casa. Foram assassinadas”.
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Óculos escuros
Os depoimentos do caso foram gravados em 2006, na Delegacia de Homicídios no Recife. Na época do crime, de acordo com o processo, Valfrido Lira era casado e tinha uma amante: Edna Maria da Silva, conhecida como Pepê.
Uma das evidências levantadas pela polícia para culpar os kombeiros era um par de óculos de sol pertencente a Tarsila. A amante do kombeiro disse à polícia que, depois do crime, usou óculos parecidos com aqueles.
Ela também diz que Tiana, namorada de Marcelo, o outro kombeiro, foi quem entregou os óculos para ela. A esposa de Valfrido, Lenilda Maria da Silva, também prestou depoimento, e disse que o marido entregou os óculos para a amante.
Em uma interceptação de ligação telefônica entre Valfrido Lira e o advogado de defesa dele, o defensor mostra preocupação com o depoimento de Pepê.
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Processo
Em maio de 2003, os irmãos kombeiros foram presos. Em julho, fim do prazo da prisão temporária, eles foram soltos. No ano seguinte, a Secretaria de Defesa Social (SDS) pede para a Polícia Federal investigar o caso.
Durante as investigações, a PF descobre, em 2005, que Marcelo Lira já tinha sido preso, três anos antes do Caso Serrambi, num crime semelhante ao que aconteceu com as adolescentes Maria Eduarda e Tarsila Gusmão.
Marcelo também teria sido visto com uma mulher dentro de uma kombi que seguiu de Camela para a cidade de Ribeirão, na Zona da Mata Sul. Iraquitânia Maria da Silva foi esquartejada e o corpo encontrado numa área rural.
Ela era namorada de Roberto Lira da Silva, irmão dos kombeiros, que é parecido com Marcelo, mas que assumiu que matou sozinho Iraquitânia.
Marcelo Lira passou 40 dias preso por esse crime, e foi solto após provar nas investigações que, no dia em que Iraquitânia foi assassinada, não estava em Ribeirão, mas em Cachoeirinha.
O inquérito da Polícia Federal foi concluído em 2005. O promotor de Justiça Miguel Sales não se convence do resultado que aponta de novo os irmãos kombeiros como assassinos e devolve o inquérito para a Polícia Federal. A PF apresenta o segundo resultado, que conclui o mesmo que o primeiro.
Em 2006, três anos depois do duplo homicídio, dois inquéritos tinham sido concluídos, um pela Polícia Civil e outro pela Polícia Federal. Dezenas de testemunhas foram ouvidas e os corpos das adolescentes foram exumados para novas perícias.
Entretanto, o representante do Ministério Público no caso, o promotor Miguel Sales, sempre discordava dos resultados. Ele escolheu o delegado Paulo Jean para investigar novamente o Caso Serrambi.
“A gente entendeu que teve que começar do zero e fazer tudo aquilo que o Ministério Público solicitava. Então, tudo aquilo foi investigado a fundo, e, ao final, a gente concluiu que os kombeiros realmente eram os únicos autores daquele crime”, disse Paulo Jean.
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Julgamento
Em agosto de 2008, os kombeiros foram julgados. O júri popular durou cinco dias. No fórum, a principal testemunha mudou o depoimento que tinha prestado a polícia. Ela disse que não viu quem eram os kombeiros que transportaram Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão.
Segundo o procurador Ricardo Lapenda, o promotor Miguel Sales teria pressionado essa testemunha a mudar o depoimento.
“Ele tinha todo um interesse político naquela região, tanto que depois ele se candidatou a dois cargos eletivos. Ele, na época, já fazia política usando o prestígio dele como membro do Ministério Público. […] O promotor chegou na casa dela, isso está no processo, depois de ter feito ingestão de bebida alcóolica, de camiseta regata, bermuda, e foi pressioná-la, dizer que ela podia ser processada por falso testemunho, etc.”, afirmou.
Três jurados votaram pela condenação dos irmãos Valfrido e Marcelo Lira. Quatro jurados votaram pela absolvição. Com isso, os kombeiros estavam livres. Houve comoção em frente ao fórum e celebração dos amigos e parentes dos acusados.
O Ministério Público tentou a anulação do júri e alegou a conduta imparcial de alguns jurados, mas o Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a decisão de que os kombeiros não foram os culpados.
Em 2018, após diversas apelações, foi a vez do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar o caso. A instância superior manteve a absolvição dos kombeiros. Com isso, não existe mais a possibilidade de recursos judiciais. O caso está encerrado, embora não solucionado.
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Defesa
Procurado pela reportagem, o advogado Jorge Matos, que atuou na defesa dos kombeiros no plenário do júri, reforçou que Marcelo e Valfrido Lira ganharam em todas as instâncias.
O promotor Miguel Sales, citado na reportagem, morreu em 2014, aos 67 anos, depois de um transplante de coração.
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