Valorização do salário mínimo pode pressionar arcabouço fiscal no futuro, dizem economistas

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Plataforma de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a política de valorização do salário mínimo pode pressionar a sustentabilidade do arcabouço fiscal desenhado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) nos próximos anos.

É possível que o salário mínimo avance num ritmo mais célere do que a regra geral das despesas, o que tem sido apontado por economistas como uma incongruência entre políticas.

A medida deve custar R$ 82,4 bilhões entre 2024 e 2026, segundo estimativa do governo. Só no ano que vem, o cálculo indica um gasto extra de R$ 18,1 bilhões, ainda não contemplado na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Nos anos seguintes, o impacto será ainda maior: R$ 25,2 bilhões em 2025 e R$ 39,1 bilhões em 2026.

A proposta de Lula resgata a fórmula já usada em gestões petistas: reajuste pela inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.

Já a regra fiscal diz que o limite de despesas cresce o equivalente a 70% da alta real das receitas (que está diretamente ligada ao ritmo da atividade econômica), respeitando um teto de alta real de 2,5% ao ano.

Em um cenário de aceleração do PIB, como é almejado por Lula, o descompasso entre a correção do piso nacional e a regra fiscal ficaria ainda mais evidente, dado que o crescimento dos salários e benefícios ultrapassaria cada vez mais a correção do limite de gastos.
O Ministério da Fazenda foi procurado para comentar as avaliações, mas não respondeu até a publicação deste texto.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, destaca que dois terços dos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) equivalem a um salário mínimo. Além disso, há outras rubricas que são influenciadas como abono salarial e seguro-desemprego.

“Mais de 50% de toda a despesa do Orçamento é indexada ao salário mínimo”, afirma. “E o problema é que, pela regra, a alta real vai ser bastante grande em 2023.”

O projeto de lei enviado pelo governo ainda precisa ser votado pelo Congresso, mas, se prevalecer o mecanismo proposto, o ganho real do piso no ano que vem tende a ficar em 2,9% –tamanho da variação do PIB no ano passado. O percentual supera o teto de 2,5% de correção do limite de despesas acima da inflação.

Quando uma despesa cresce de forma mais acelerada do que a ampliação do teto em si, outros gastos precisam compensar esse movimento –ou seja, eles ficam com um espaço proporcionalmente menor no Orçamento.

O dilema é semelhante ao que foi visto sob o teto de gastos, regra fiscal aprovada no governo Michel Temer (MDB) e duramente criticada pelos petistas. O teto também limitava o crescimento das despesas, mas era mais rígido ao impedir qualquer tipo de correção acima da inflação. Com isso e também com as pressões políticas por alta de gastos, a regra se mostrou insustentável em poucos anos.

A diferença agora é que o arcabouço proposto por Haddad garante uma margem de manobra maior no Orçamento ao se apropriar do espaço adicional criado pela PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na transição de governo e também permitir algum avanço acima da inflação.

No envio da proposta de LDO 2024, o governo indicou um espaço de R$ 196,4 bilhões para despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos públicos. Nos anos seguintes, a previsão é semelhante, sempre superior a R$ 190 bilhões.

Para Bittencourt, no entanto, a folga pode ficar bem mais estreita já nos próximos anos por causa não só da dinâmica de correção do salário mínimo, mas também da instituição de um mínimo para investimentos e da mudança nos pisos de saúde e educação. “É possível que o governo sinta desconforto [com o nível de discricionárias] ainda neste mandato”, afirma.

Nas contas do ex-secretário, a nova regra fiscal pode garantir um espaço extra de R$ 125 bilhões a R$ 165 bilhões no ano que vem, considerando o piso (0,6%) e o teto máximo (2,5%) de crescimento do limite de despesas.

A nova margem não poderá ser consumida livremente pelo governo, uma vez que ela também deve acomodar o aumento nos gastos obrigatórios.

Desse valor, R$ 71,3 bilhões serão consumidos apenas pela correção dos benefícios previdenciários e assistenciais pelo INPC. O ganho real do salário mínimo demandará outros R$ 18,1 bilhões.

O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, minimiza as preocupações com o tema. “A regra [do salário mínimo] é similar à do primeiro governo Lula, e foi exitosa. Com certeza será uma política de distribuição de renda, que trará melhoria no ambiente econômico, com aumento de consumo”, disse.

A discussão em torno da regra do salário mínimo é politicamente delicada, por se tratar de uma das promessas de campanha de Lula. O Congresso, porém, tem buscado maneiras de minimizar as pressões sobre o limite de despesas e discute colocar a suspensão da alta real do salário mínimo como um dos gatilhos de ajuste, caso a meta fiscal seja descumprida por dois anos seguidos, como revelou a Folha de S.Paulo.

Há ainda o impacto da mudança nos mínimos constitucionais de saúde e educação. Até 2016, eles correspondiam a uma proporção da arrecadação (15% da receita corrente líquida para a saúde e 18% da receita de impostos para a educação).

A partir de 2017, sob o teto de gastos, os pisos passaram a ser corrigidos apenas pela inflação –o que contribuiu para desacelerar seu ritmo de crescimento. Com o novo arcabouço, eles voltarão à regra anterior, atrelada às receitas.

A nova regra ainda não foi incorporada às estimativas da proposta de LDO. Por isso, os mínimos em saúde e educação devem crescer R$ 35 bilhões em relação a 2023, segundo Bittencourt. Isso também consumirá parte do espaço extra, achatando as despesas discricionárias.

O efeito da correção dos mínimos constitucionais também foi alvo de alerta do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. Ele calcula que o aumento será de R$ 33,4 bilhões, segundo R$ 28,8 na saúde e R$ 4,54 bilhões no mínimo da educação.

A questão já está no radar do governo. Haddad já disse que o governo deve rediscutir as normas que ditam o avanço de despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias (gastos atrelados a um piso ou a um percentual das receitas).

O governo também pode sofrer pressões pelo lado das receitas. O arcabouço exige o cumprimento de metas de resultado primário, obtidas a partir da diferença entre arrecadação e despesas. O objetivo da equipe de Haddad é sair de um déficit de 0,5% do PIB este ano para um superávit de 1% do PIB em 2026. O mercado tem dúvidas sobre a capacidade de o governo entregar essas metas.

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