Cascas grossas e órgãos subterrâneos: entenda como as plantas do Cerrado aliam métodos para resistir ao fogo

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Estudo da Unesp revela que, além das cascas grossas e resistentes, flora do bioma contém uma variedade de órgãos subterrâneos que propiciam a rebrota. Frente de fogo durante queima experimental na Serra do Tombador (GO).
Marco Antonio Chiminazzo
Com 52% da vegetação da nativa, o Cerrado desponta como bioma mais ameaçado do Brasil na atualidade, segundo levantamento do Mapbiomas. Impactado por taxas de desmatamentos recordes, ainda assim, a flora do ecossistema resiste ao criar estratégias evolutivas para sobreviver.
É o que revela um trabalho publicado em setembro na revista internacional Flora, no qual pesquisadores da Unesp detalham algumas adaptações desenvolvidas por plantas do bioma para se defender do fogo e rebrotar, de forma rápida, após incêndios.
Após as buscas em campo e análises em laboratório, foi possível perceber que as espécies do Cerrado são capazes de produzir altas quantidades de casca – de até 0,9 milímetro por unidade de crescimento – e, ao mesmo tempo, apresentar órgãos subterrâneos especializados para a rebrota.
“As plantas do bioma têm a capacidade de desenvolver cascas espessas, capazes de proteger os tecidos internos, e também conseguem gerar uma grande diversidade de órgãos subterrâneos, capazes de assegurar a rebrota a partir de estruturas protegidas abaixo do solo” comenta o biólogo e doutorando em Biologia Vegetal, Marco Antonio Chiminazzo.
Em outras palavras, foi descoberto que as plantas do Cerrado podem tanto se proteger do fogo acima do solo, quanto esconder grande parte de sua biomassa abaixo dele. Segundo Marco, é esperado que a espécie “invista” em estratégias acima ou abaixo do solo, e não nas duas ao mesmo tempo.
Como método, foram selecionadas as duas vegetações savânicas mais abundantes do Cerrado, sendo conhecidas como “cerrado sentido restrito” e “campo sujo”. As duas compartilham espécies de plantas características e que possuem adaptações aos incêndios. Porém, como essas vegetações apresentam estrutura diferente, o regime de fogo também difere entre elas.
Espécies lenhosas rebrotando de órgãos subterrâneos, pós-queima na Estação Ecológica de Santa Bárbara.
Marco Antonio Chiminazzo
“O potencial de “investir” em ambas as estratégias indica uma grande adaptação ao fogo por parte de plantas lenhosas do Cerrado. Por apresentarem estratégias de regeneração e persistência tanto aéreas quanto subterrâneas, essas espécies podem sobreviver a eventos de queimada de diferentes intensidades”, afirma uma das coorientadoras da pesquisa, Aline Bombo.
Ele explica que órgãos subterrâneos e raízes não são a mesma coisa, embora ambos estejam localizados abaixo do solo. O ponto é que eles desenvolvem funções diferentes nas plantas.
“Enquanto as raízes estão associadas à obtenção de recursos e à fixação da planta no solo, os órgãos subterrâneos auxiliam na organização espacial das raízes e na reserva dos recursos e de estruturas que permitem o brotamento quando necessário [como após eventos de fogo, por exemplo]”, diz ele.
As pesquisas no Cerrado começaram em 2018, quando Marco ingressou na pós-graduação da Unesp de Rio Claro (SP), analisando diferentes características de plantas de savanas e de florestas, e como elas respondiam ao fogo.
“Fiz excursões na Estação Ecológica de Santa Bárbara, localizada em Águas de Santa Bárbara (SP), área de um dos poucos remanescentes do Cerrado paulista e que abriga diferentes vegetações típicas do bioma”, relata Chiminazzo.
Um dos próximos passos do estudo vai ser analisar se os resultados deste trabalho também se estendem a outros tipos de vegetação que são expostas a eventos de fogo.
Planta Bulbostylis paradoxa pós-queima experimental na Serra do Tombador (GO).
Marco Antonio Chiminazzo
Bioma ameaçado
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), durante os cinco primeiros meses de 2023, o desmatamento cresceu 35% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Esse acréscimo corresponde a 3.532 quilômetros quadrados de destruição.
Dados como esse preocupam os cientistas por uma série de razões. Além de ser a savana mais biodiversa do mundo – detentora de 33% de toda a biodiversidade brasileira -, o Cerrado abriga as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: a Amazônica, a do Prata e a de São Francisco.
Vegetação pós-fogo em queima experimental na Serra do Tombador (GO).
Marco Antonio Chiminazzo
“Nos últimos anos, o Cerrado tem sido amplamente desmatado e transformado em pastagens e plantações. Há um consenso de que o desmatamento de áreas savânicas e campestres para o advento da agropecuária é a principal ameaça para o bioma”.
“Contudo, outros fatores agravam este cenário: apesar de ser adaptado às queimadas, as mudanças no clima têm afetado o regime de fogo, fazendo com que as vegetações sejam expostas a eventos mais severos e difíceis de superar”, opina Chiminazzo.
Além disso, eventos extremos de seca também desfavorecem a recuperação das vegetações que foram queimadas, aumentando a probabilidade das plantas morrerem após a passagem do fogo.
“A vegetação do Cerrado tem sofrido com a rápida expansão de gramíneas africanas utilizadas em pastagens. Essas espécies são extremamente invasoras e adaptadas às condições características do Cerrado, fazendo com que poucas espécies nativas consigam se manter em sua presença”, pontua.
Apesar da grande importância, o Cerrado tem apenas uma pequena parcela de seu território protegida em parques, áreas indígenas e de comunidades tradicionais, fator que dificulta a fiscalização e o combate ao desmatamento ilegal.
“As queimadas, portanto, não são o fator principal de tanta destruição, pelo contrário: estudos mostram que a ausência de queimadas por longos períodos é prejudicial à vegetação, levando à perda de espécies e ambientes característicos do Cerrado”.
“Sabemos que o fogo ocorre no Cerrado há pelo menos 4 milhões de anos, e que as espécies vegetais dele são extremamente adaptadas às queimadas. Também há estudos que sugerem que diferentes espécies da fauna de savanas são capazes de lidar com as queimadas”, ressalta ele.
Visão geral pós-fogo na Estação Ecológica de Santa Bárbara.
Marco Antonio Chiminazzo
“O principal problema ocorre quando estes eventos de fogo atingem vegetações sensíveis, como florestas e áreas úmidas – não só no Cerrado, mas também em outros biomas, como vimos ocorrer recentemente no Pantanal em 2020 e como ocorre constantemente em áreas próximas a desmatamentos na Amazônia”, conclui o pesquisador.
O fogo é um distúrbio natural presente em praticamente todas as partes da superfície terrestre, afirma Marco. O potencial de recuperação do bioma, contudo, tem limites.
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