
Mesmo com sinais de desaceleração na economia, o Banco Central deixou claro na ata do Copom divulgada nesta semana que o ciclo de alta de juros ainda não chegou ao fim. Em um documento mais denso e revelador que o comunicado anterior, o Comitê de Política Monetária indicou que o combate à inflação exigirá não apenas mais aperto, mas também mais tempo de juros elevados.
O tom mais duro do Banco Central surpreendeu parte do mercado, que aguardava por sinais mais definitivos de encerramento do ciclo. Ao contrário, o Banco Central foi enfático: o cenário inflacionário continua adverso, com expectativas desancoradas, inflação corrente elevada e um mercado de trabalho ainda aquecido — fatores que, na visão do Comitê, exigem cautela redobrada.
No parágrafo 19, o Copom afirma que “o ciclo não está se encerrando”, mas antecipa que a próxima alta — prevista para maio — deverá ter menor intensidade do que os 100 pontos-base decididos em março. No entanto, não há qualquer garantia de que será a última.
A incerteza como protagonista para o Banco Central
O que se lê na ata é um BC navegando em um mar de incertezas. A autoridade reconhece uma atividade econômica que começa a perder fôlego, mas ainda mostra força em alguns setores. O PIB do último trimestre de 2024, por exemplo, cresceu apenas 0,2%, mas o consumo das famílias só recentemente começou a mostrar sinais de arrefecimento — após 13 trimestres seguidos de alta.
Além disso, a inflação de serviços permanece pressionada, o câmbio segue volátil e os repasses para os preços internos ainda não cessaram. Para piorar, as expectativas para 2025 e 2026 já estão acima das metas — o que, segundo o BC, eleva o custo do ajuste.
Sanchez: “Alta de 50 bps em maio está no radar”
Na visão de Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, a sinalização de continuidade no ciclo e o tom mais rígido da ata anulam qualquer esperança de que maio seja o fim da linha.
“O BC descartou uma alta de apenas 25 pontos-base e deixou claro que o ciclo segue. Um aumento de 75bps parece excessivo, então a aposta mais provável é uma alta de 50bps”, avaliou.
Para ele, a autoridade monetária ainda vê uma economia resistente demais para aliviar a mão. “Mesmo com sinais de moderação, o mercado de trabalho continua aquecido e o consumo ainda pressiona. Isso justifica uma Selic elevada por mais tempo.”
Costa: “O Banco Central segue dependente dos dados”
Já o economista Leonardo Costa, do ASA, destaca o caráter prudente do Copom. Para ele, o BC não se comprometeu com nenhum cenário definitivo, justamente porque os dados ainda contam histórias diferentes.
“A ata é longa, mas não entrega convicção. O BC não celebrou qualquer efeito positivo da desaceleração. A leitura é: o momento exige vigilância, e os próximos passos dependerão do comportamento da inflação, da atividade e da percepção de risco fiscal”, disse.
Costa também acredita em uma última alta de 0,50 ponto percentual em maio, com estabilização da Selic depois disso.
Vale: Inflação no teto parece “aceitável” para o Banco Central
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, a ata expõe uma tolerância maior com uma inflação acima do centro da meta. “O Banco Central nunca vai dizer isso explicitamente, mas a sensação é que 4,5% em 2026 virou um número com o qual tanto o governo quanto o BC estão confortáveis”, avaliou.
Segundo ele, essa mudança de comportamento pode sinalizar um novo regime informal de metas, em que a inflação não precisa mais atingir com rigor o centro do objetivo. “Se isso se confirmar, o aperto agora tem mais o papel de evitar o descontrole do que de trazer a inflação para 3%.”
Alexandre Espírito Santo: “Como esfriar consumo com estímulo parafiscal?”
Outro ponto de atenção aparece nas entrelinhas do documento e foi ressaltado por Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos: a política monetária está apertando, mas a política fiscal e parafiscal segue estimulando a economia.
“Como fazer a inflação convergir com estímulos como FGTS, consignado e subsídios correndo soltos? Isso joga contra a ação do BC. Gostei do trecho que reforça a importância de políticas críveis e coordenadas, mas isso ainda está longe de ser realidade no Brasil”, alertou.
Para ele, o Copom adotou um tom adequado, sem exageros, mas deixa claro que o ambiente externo e interno está longe de dar trégua ao combate à inflação.
Selic deve ir além de 14,75% — e ficar lá por um tempo
Com a ata mais clara sobre a continuidade do aperto, o mercado já precifica uma Selic em 14,75% em maio, e uma manutenção prolongada ao longo do segundo semestre.
O BC indicou que qualquer mudança de trajetória dependerá de uma combinação de fatores: desaceleração firme da atividade, recuo da inflação de serviços, melhora nas expectativas e uma política fiscal mais alinhada com o esforço desinflacionário.
Enquanto isso não acontece, a taxa de juros segue no freio — e o mercado, em alerta.
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O post Ciclo de juros não está se encerrando, segundo Banco Central: o que dizem os economistas? apareceu primeiro em BM&C NEWS.