Primeiros dias de Trump no poder mostram EUA mais próximos do ‘imperialismo’ que do ‘isolacionismo’


Presidente foi o primeiro em mais de cem anos a defender expansão territorial, mas declarações podem ser apenas tática de negociação. A retórica de Trump faz dele o primeiro presidente dos EUA em mais de cem anos a defender a expansão territorial do país.
Leah Millis/Reuters
Nos primeiros dias desde que voltou à Casa Branca, o presidente americano, Donald Trump, tem sinalizado uma política externa mais imperialista do que isolacionista, pelo menos na retórica, na avaliação de especialistas consultados pela BBC News Brasil.
Diversas ações e declarações recentes do republicano remetem ao imperialismo americano do século 19, quando os Estados Unidos não apenas se expandiram para o Oeste, mas também ocuparam territórios distantes.
Em coletiva de imprensa no início do mês, antes mesmo de iniciar seu segundo mandato, Trump cogitou comprar a Groenlândia (território autônomo da Dinamarca, país aliado dos Estados Unidos) e o Canal do Panamá, e não descartou o uso de força militar ou pressão econômica para atingir o objetivo.
Disse ainda que o Canadá deveria ser um Estado americano e sugeriu “se livrar da linha traçada artificialmente” na fronteira entre os dois países.
Na segunda-feira (20/1), durante o discurso de posse no Capitólio, Trump elogiou o presidente William McKinley (1897-1901), que é lembrado pela vitória na Guerra Hispano-Americana (1898) e pelo expansionismo durante seu governo, quando os Estados Unidos assumiram o controle de Guam, Havaí, Porto Rico, Cuba e Filipinas.
Durante a fala, Trump voltou a mencionar o Canal do Panamá e citou o “destino manifesto” dos Estados Unidos, uma referência à ideologia da época, segundo a qual os norte-americanos tinham a missão divina de expandir seu território até a costa do Pacífico.
O presidente chegou a dizer que o país vai perseguir seu destino manifesto “nas estrelas”, lançando astronautas para plantar a bandeira americana em Marte.
Pouco após a cerimônia, já no Salão Oval, Trump assinou uma série de ordens executivas, entre elas uma que instrui o governo federal a mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da América”.
É possível que as declarações de Trump sejam apenas táticas de negociação, semelhantes às empregadas em várias situações durante seu primeiro mandato (2017-2021).
Independentemente de suas reais intenções, essa retórica faz dele o primeiro presidente dos Estados Unidos em mais de cem anos a defender a expansão territorial do país.
“Ele até usou o termo destino manifesto, que é um tipo de declaração imperialista e expansionista”, diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University, em Washington.
“Parte disso pode ser jingoísmo, ser uma linguagem de ‘os Estados Unidos em primeiro lugar’ (referência ao slogan de campanha de Trump, “America First”), que pode ser usada para intimidar as pessoas para a mesa de negociações, para que ele possa obter concessões”, observa.
Belt não descarta, porém, que realmente haja um “sentimento intervencionista” por parte do novo governo e de alguns dos nomes que ocuparão posição de destaque no gabinete.
Hemisfério Ocidental
O slogan “America First” foi adotado por Trump desde sua primeira campanha, em 2016. Ao concorrer desta vez, o republicano voltou a falar em “rejeitar o globalismo” e acabar com guerras e em um recuo em intervenções no exterior, gerando expectativa de uma política externa mais isolacionista.
“Mas, na história dos Estados Unidos, o isolacionismo nunca significou necessariamente que o país não iria intervir e se intrometer nos assuntos internos do Hemisfério Ocidental (que corresponde ao continente americano)”, diz à BBC News Brasil o cientista político Ken Kollman, professor da Universidade de Michigan.
A partir de 1823, com a chamada Doutrina Monroe, os Estados Unidos passaram a considerar a América Latina como sua esfera de influência.
No discurso de posse, Trump elogiou o presidente William McKinley (1897-1901), lembrado pelo expansionismo durante seu governo.
Biblioteca do Congresso dos EUA
Ao longo do século 19, o país expandiu seu território ao comprar a Louisiana (da França), a Flórida (da Espanha), o Alasca (da Rússia) e partes do México, além das conquistas após a Guerra Hispano-Americana. Também tentou, sem sucesso, adquirir a Groenlândia e a Islândia da Dinamarca.
Essa era expansionista se estendeu até o início do século 20. A partir de meados dos anos 1940, após a Segunda Guerra Mundial, a projeção de poder por meio da expansão territorial passou a ser substituída pela busca de influência global de outras maneiras, com acordos de comércio e segurança.
Os Estados Unidos têm hoje centenas de bases militares espalhadas pelo mundo.
Mesmo que presidentes nas últimas décadas não tenham declarado a intenção de ampliar o território, há o argumento de que a ideologia do destino manifesto se mantém na ambição americana de controlar partes do mundo onde têm interesses, tanto por meio da política externa quanto da economia.
Geopolítica
Pelo menos em relação ao Canadá, as declarações de Trump foram encaradas mais como uma maneira de provocar o então primeiro-ministro do país, Justin Trudeau, do que uma proposta séria.
No caso de mudar o nome do Golfo do México, ainda antes da posse de Trump, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, respondeu à proposta dizendo que os Estados Unidos deveriam ser chamados de “América Mexicana”.
O foco no Canal do Panamá e na Groenlândia, porém, pode ser mais sério. Tanto o governo panamenho quanto o dinamarquês já rejeitaram a ideia de venda.
“Demos (o canal) ao Panamá e estamos tomando de volta”, declarou Trump no discurso de posse, reclamando que os termos do tratado foram violados e afirmando que a China está controlando o canal (o que foi desmentido por autoridades panamenhas e chinesas).
Financiado e construído pelos Estados Unidos, o canal foi transferido para o Panamá em 1999, após um acordo assinado pelos líderes dos dois países em 1977.
Edição da revista Puck de 1904 mostra a águia americana com as asas sobre o Panamá e Porto Rico, de um lado, e as Filipinas, de outro.
Biblioteca do Congresso dos EUA
Em relação à Groenlândia, Trump diz que a ilha é essencial para a “segurança nacional”. Ele já havia manifestado a intenção de comprar o território autônomo da Dinamarca durante seu primeiro mandato.
A ilha é a maior do mundo, rica em recursos minerais e com localização estratégica pela proximidade com o Ártico, onde o derretimento das calotas polares pode levar a novas rotas de navegação e já vem chamando a atenção da China e da Rússia.
A Groenlândia também abriga a Base espacial de Pituffik, operada pelos militares dos Estados Unidos e usada na observação de mísseis balísticos.
“Há preocupações de que outras potências globais estejam acessando partes do Ártico à medida que o globo esquenta”, ressalta Kollman.
“Então não sei o quanto (das declarações de Trump) é imperialismo e o quanto é geopolítica sobre o Ártico.”
Estratégia de negociação
É comum em Washington que a política externa ganhe mais atenção de presidentes em segundo mandato, quando além de estarem livres da pressão de buscar a reeleição, muitas vezes enfrentam dificuldades para implementar sua agenda doméstica.
Trump, porém, não é um político tradicional, e seu segundo mandato ocorre com um intervalo de quatro anos após o final do primeiro.
“Não sei se o passado é muito indicativo nesse caso. Eu vejo Trump com objetivos tanto na política externa quanto na interna”, salienta Kollman.
O presidente americano é um homem de negócios e costuma se orgulhar do talento para negociação, e é possível que suas ações recentes reflitam uma estratégia nesse sentido.
“É assim que ele opera: propor e divulgar algo um tanto chocante, de modo que (quando aceitar) algo que simplesmente serve aos seus interesses, isso vai ser (recebido com) alívio”, destaca Kollman. “Ele agia dessa forma nos negócios, e tenta fazer o mesmo na política.”
Em seu primeiro mandato, muitos analistas afirmaram que Trump seguia a chamada “Madman Theory” (“teoria do louco”), comumente associada ao presidente Richard Nixon (1969-1974) e segundo a qual, em política externa, pode ser vantajoso parecer imprevisível diante dos adversários.
Os Estados Unidos financiaram e construíram o Canal do Panamá, concluído em 1914. A foto, de 1915, mostra um navio passando pelas Eclusas de Gatun.
Biblioteca do Congresso dos EUA
Mas há riscos na retórica imperialista e na sugestão de que os Estados Unidos poderiam até usar a força. Alguns analistas na imprensa americana afirmam que pode ser contraproducente, especialmente em um momento em que a Rússia avança sobre a Ucrânia e a China ameaça Taiwan.
“Não acho que isso necessariamente encoraje os inimigos dos Estados Unidos, mas pode afastar os aliados”, diz Belt.
Belt ressalta que, ao mencionar a aquisição de territórios, Trump tem feito argumentos econômicos, tanto no caso dos recursos naturais da Groenlândia quanto no sentimento de que os Estados Unidos estão sendo tratados de forma desvantajosa no Canal do Panamá.
“Trump sempre pensa em termos de negócios”, observa Belt. “Acho que está olhando para isso de uma perspectiva econômica, não imperialista.”
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