SP 471: Perto dos 100 anos, A Fidalga preserva loja como foi inaugurada e sapatos feitos à mão

“Aqui, o senhor está entrando na história”, disse Maria Christina Hernandez Pessoa de Queiroz logo na entrada de A Fidalga. É uma quase centenária loja de calçados instalada na rua Quintino Bocaiúva, esquina com a Benjamin Constant, no Centro Histórico de São Paulo, bem perto da Casa de Francisca e ao lado da praça da Sé.

De fato, a decoração remete a fevereiro de 1928, quando foi inaugurada. A decoração e o mobiliário são rigorosamente os mesmos, incluindo os provadores privativos, de mogno e vidro. A explicação da atual proprietária para essa área do salão é simples: “As mulheres não podiam mostrar as pernas”.

À frente do negócio há 23 anos, Christina acostumou-se a frequentar a loja desde criança. Com carinhos paternos e muitas memórias: “Em cada coluna tinha uma foto minha. (…) Aqui na esquina tinha a Doceira Paulista. Minha mãe vinha comprar tecidos para fazer vestidos. Naquela época ninguém comprava roupa (pronta)”. São sapatos de couro, feitos à mão, sofás de veludo, carpetes.

O visual é atração à parte. Uma galeria interna, logo na entrada, antes do salão, dá uma ideia do estoque, que chega a 6 mil pares. Além dos sapatos femininos e masculinos (à vista no mezanino), o cliente vai encontrar botas, bolsas, palmilhas, sandálias, tamancos, galochas, mocassins, chinelos, luvas. E tênis, claro. “A gente não parou no tempo e no espaço. Estamos sempre renovando”, disse Maria Christina.

Galeria na entrada: visual inspirado em loja de Milão, na Itália / foto: Vitor Nuzzi

Não há contradição em relação ao ambiente do final dos anos 1920. Predominam os modelos clássicos, mas a loja também abriu espaço para os calçados contemporâneos, que muitas vezes exclui sapatos.
Quem abriu A Fidalga foi José Hernandez Neto, filho de imigrantes espanhóis. Seu pai, Augustin Hernandez, chegou ao Brasil no final de 1890, aos 20 anos, com mais dois irmãos, todos de Salamanca, no oeste daquele país. Um virou fazendeiro, outro foi para a Argentina. José foi o segundo de cinco filhos. Inspirou-se em uma loja de sapatos de Milão, cidade italiana que ainda hoje é templo da moda.

Ele comandou o negócio até 1967, quando morreu. Foi substituído pelo filho mais velho, Ruy, que faleceu em 2002. Foi a vez, então, de Maria Christina assumir o empreendimento, com ajuda de Maria Tereza, sua filha – as duas são sócias-proprietárias. Com cinco funcionários atualmente – o vendedor Raí está na loja há 26 anos e James, há 19 –, A Fidalga vende em média 200 pares de calçados por mês. A proprietária conta que uma filial chegou a funcionar na rua Augusta, região dos Jardins, nos anos 1970, mas o local pegou fogo após um assalto. “Meu irmão ficou tão desacorçoado que não quis mais filial nenhuma”, disse Christina.

Casa da Arcadas: prédio clássico abriga A Fidalga desde o começo / foto: Vitor Nuzzi

A loja de calçados fica no salão térreo da Casa das Arcadas, edifício de oito pavimentos que pertenceu ao empresário Armando Álvares Penteado – hoje, integra o patrimônio da Faap. Em 2009, com base na Lei Cidade Limpa (Lei 14.223/2006), que trata de retirada de propagandas em estabelecimentos comerciais, a fachada – que ficava ‘escondida’ atrás de cartazes – passou por restauração. O projeto foi desenvolvido pela própria fundação. O edifício foi tombado por resolução publicada em 2017 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).

O estabelecimento já foi homenageado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em 2010. Além disso, em 2014 o Conselho da Mulher da ACSP/Distrital Centro premiou Maria Cristina como Destaque Mulheres Empreendedoras. Ela se orgulha da história e dos produtos que a loja oferece. Guarda recortes com textos, anúncios. E não deixa de lembrar da citação ao estabelecimento feita no conto Sapato Novo, do escritor José Altino Machado, sobre certa ‘disputa’ entre calçados da moda e clássicos, representados pela Fidalga.

Além dos habituais clientes de escritórios de advocacia, tribunais, fóruns e da vizinha Faculdade de Direito do Largo São Francisco, alguns vêm de outras cidades. Christina não consegue ver A Fidalga em outro lugar a não ser no Centro, que considera mais seguro – só lamenta as pichações.

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