Opinião: “O futuro do suitability e a era da hiperpersonalização dos produtos financeiros”

Por Carlos Castro

No mundo dos investimentos, é fundamental que os produtos financeiros oferecidos estejam alinhados ao perfil do investidor. Essa adequação, conhecida como suitability, é um dos pilares para garantir que cada pessoa faça escolhas financeiras de maneira consciente. Embora, muitas vezes tratados como conceitos únicos, o perfil de investidor (conservador, moderado, arrojado, agressivo) e o suitability têm diferenças mas que são aplicadas de forma totalmente complementar.

O perfil de investidor é uma descrição das características e preferências de cada indivíduo, abrangendo sua tolerância ao risco, horizonte de investimento, situação financeira e objetivos. Já o suitability é a adequação entre o perfil de investidor e os produtos financeiros disponíveis, assegurando que as opções recomendadas sejam adequadas ao investidor. A regulação, estabelecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) através da Instrução CVM 539, exige que as instituições financeiras realizem essa análise antes de oferecer produtos de investimento, protegendo o investidor de decisões inadequadas.

Atualmente, a regulação estabelece que o suitability deve ser baseado em dados objetivos fornecidos pelo investidor, incluindo idade, renda, objetivos financeiros, tolerância ao risco, experiência e conhecimento sobre produtos financeiros. Essa abordagem visa garantir que o investidor compreenda os riscos associados a cada produto e que as instituições financeiras não ofereçam produtos incompatíveis com o perfil de seus clientes. A importância dessa regulação é assegurar um mercado mais transparente e seguro, no qual o investidor possa tomar decisões alinhadas a seus interesses de longo prazo.

À medida que a tecnologia avança, o processo de suitability poderá evoluir. Com o uso de inteligência artificial (IA) e a análise de dados, as instituições financeiras poderão capturar uma quantidade ainda maior de informações sobre os clientes, indo além dos dados tradicionais exigidos pela regulação. A IA permitirá incluir dados comportamentais como padrões de consumo, histórico de investimentos e até mesmo interações em redes sociais, oferecendo uma visão mais completa e dinâmica do perfil do investidor.

Essa evolução, conhecida como hiperpersonalização, possibilitará que as instituições financeiras ofereçam recomendações de produtos mais personalizadas e ajustadas às necessidades específicas de cada investidor e de forma contínua. A IA poderá, por exemplo, detectar mudanças sutis nas preferências ou no comportamento financeiro de um cliente e adaptar automaticamente as recomendações de produtos para melhor refletir essas mudanças. Se um cliente ganha mais experiência e conhecimento em investimentos ao longo do tempo, o sistema pode sugerir produtos mais sofisticados, que antes não seriam oferecidos.

Entretanto, é essencial alertar para o risco de se deixar guiar unicamente pelas recomendações dinâmicas da IA. Embora a tecnologia possa identificar oportunidades em tempo real, é importante manter uma estratégia de portfólio orientada a objetivos para evitar o risco de “girar a carteira” desnecessariamente, uma prática que pode aumentar os custos de transação e reduzir a rentabilidade a longo prazo. Nesse contexto, o papel do profissional de planejamento financeiro torna-se muito relevante.

Um planejador financeiro experiente pode avaliar, de maneira estratégica, quando é apropriado trocar produtos na carteira e quando é melhor manter a posição atual, sempre com foco nos objetivos do investidor. Ele pode ajudar a entender quais mudanças são realmente necessárias e quais são apenas reações a movimentos de mercado de curto prazo, que não deveriam impactar a estratégia de longo prazo. A hiperpersonalização dos dados, quando combinada com a orientação de um planejador financeiro, pode resultar em um portfólio mais eficiente e alinhado aos objetivos do cliente.

Além disso, a hiperpersonalização abre espaço para a criação de novos produtos financeiros, adaptados a nichos específicos ou a necessidades muito particulares dos investidores. No futuro, será possível vermos produtos desenvolvidos com características inéditas, moldados para perfis específicos detectados pela IA como, por exemplo, fundos que combinam múltiplas estratégias de investimento com base em eventos de vida, preferências comportamentais ou mesmo padrões de consumo.

O futuro do suitability, portanto, vai muito além da conformidade regulatória. A combinação de inteligência artificial com um profundo conhecimento do cliente poderá transformar o suitability de uma exigência regulatória em uma ferramenta estratégica, capaz de agregar valor real ao oferecer uma experiência de investimento mais segura e personalizada. Ao mesmo tempo, a regulação continuará a desempenhar um papel vital na proteção dos investidores, garantindo que o processo de personalização se mantenha ético, transparente e orientado ao interesse do cliente.

No final, o caminho para um mercado financeiro mais justo e alinhado às necessidades dos investidores passa pela integração harmoniosa de tecnologia avançada, regulação e orientação profissional. O resultado é um cenário em que cada investidor é visto como único, com produtos e estratégias moldadas sob medida para atender seus objetivos pessoais e financeiros.

Esse artigo foi escrito por Carlos Castro é planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico. [email protected]

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