Queda de edifício no interior de SP inspirado no Copan nos anos 60 gerou trauma coletivo e pode ter ‘freado’ novas construções


Edifício Comurba, de 14 andares, caiu em 1964 e deixou cerca de 50 mortos em Piracicaba (SP). Exposição inaugurada nesta quarta-feira (6) no ponto onde ocorreu acidente resgata registros da tragédia. Prédio do Comurba, em Piracicaba (SP) remetia às tradicionais linhas do Edifício Copan na capital Paulista.
Reprodução/Instituto Histórico Geográfico de Piracicaba
Há 60 anos, Piracicaba (SP) vivenciava uma das maiores catástrofes de sua história no início da tarde do dia 6 de novembro de 1964. Foram cinco minutos para que parte do Edifício Luiz de Queiroz, o Comurba, se transformasse em pó na praça central José Bonifácio. A construção, concebida com inspirações arquitetônicas das curvas do tradicional edifício Copan, na capital paulista, era para ser o marco do desenvolvimento da cidade.
A queda, que ocorreu entre às 13h35 e 13h40 daquela data, deixou 50 mortos e memórias tristes para quem nunca pode ser esquecer da tragédia. 🏦Nesta quarta-feira (6), uma exposição é inaugurada no mesmo local para lembrar os 60 anos do ocorrido. Veja detalhes, abaixo.
Trauma coletivo
O historiador do Museu Prudente de Moraes, Maurício Beraldo, diz que o episódio provocou um trauma coletivo na cidade, que pode, inclusive, ter freado a construção de novos prédios no decorrer das décadas. Ele lamenta, no entanto, que parte dessa memória caminhe para o seu apagamento.
“Por isso, é extremamente importante reforçar essa memória que a gente tem da cidade, pois a história não é feita só de momentos alegres e felizes”, comenta.
Edifício Comurba após parte da estrutura ter caído em Piracicaba, em 1964
Acervo Câmara de Piracicaba
O apelido do edifício Luiz de Queiroz surgiu em referência à empresa responsável pela obra, a Companhia de Melhoramentos Urbanos (Comurba). O imóvel ocupava uma ampla área entre as ruas São José e Prudente de Moraes, onde hoje fica o Poupatempo e a Caixa Econômica Federal.
Programação cultural no local do acidente
Um mostra coletiva, inaugurada nesta quarta-feira (6) pretende contribuir para que o caso não seja esquecido e também homenagear aqueles que foram afetados pela tragédia.
Exposição e roda de conversa relembram queda do Edifício Comburba em Piracicaba.
Samuca Miazaki/Reprodução/Prefeitura de Piracicaba
A exposição Comurba – 60 anos da queda leva fotos originais do edifício e da tragédia ao Poupatempo. As visitas podem ser feitas até 6 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados das 8h às 12h.
“Essa exposição é uma contribuição de várias entidades e tentamos compilar todas essas visões. De uma forma geral, todos nós nos importamos em trazer para a exposição a memória daqueles que foram impactados pela queda do Comurba. Então, há vozes, muitas vozes, que foram silenciadas e que procuramos resgatar”, explica Ana Torrejais, diretora do Museu Prudente de Moraes.
Exposição relembra 60 anos da tragédia do Comurba em Piracicaba.
Instituto Histórico Geográfico de Piracicaba
Roda de conversa
O Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, também nesta quarta (6), às 14h, realiza a roda de conversa 60 anos da queda do Comurba: história e relatos pessoais, uma parceria com a Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba. A entrada é gratuita.
Durante a roda de conversa serão abordados os aspectos históricos do trágico desabamento do do Comurba; relatos de pessoas que, de uma forma ou de outra, vivenciaram o desastre e suas consequências; bem como o Projeto de Lei nº 180/2024, que busca instituir um memorial às vítimas do Edifício Luiz de Queiroz – Comurba, na Praça José Bonifácio.
A atividade terá participação da professora e artista plástica Aurea Amélia Pitta Rocha, o coordenador do programa educacional Conheça o Legislativo, Bruno Didoné De Oliveira, o jornalista, diretor da Academia Piracicabana de Letras e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), Edson Rontani, o engenheiro agrônomo Epaminondas Sansígolo de Barros Ferraz, funcionário público aposentado Rubens Vitti e o cirurgião dentista e membro do IHGP, Waldemar Romano.
Exposição no Poupa Tempo relembra história do Edifício Comurba em Piracicaba.
IHGP de Piracicaba/Reprodução
Acervo
Pouco mais de meio século após o a tragédia, a equipe do acervo histórico da Câmara de Vereadores encontrou inúmeras notas de pesar e de protestos enviados por prefeituras, instituições e até times de futebol comovidos pela tragédia. Histórias de moradores também não faltam sobre esta data lembrada há 60 anos na cidade.
Símbolo dos tempos modernos
O prédio foi construído para ser um símbolo de tempos modernos. Os contornos que serpenteavam a estrutura lembravam as curvas do Edifício Copan, na capital paulista, um marco da arquitetura modernista.
Com o nome de Luiz de Queiroz, ele foi construído entre as ruas São José e Prudente de Moraes, mas sempre foi lembrado pelo nome da empresa que fez a obra, a Companhia de Melhoramentos Urbanos – ou Comurba.
Queda do Edifício Comurba em Piracicaba completa 55 anos
A comoção foi geral quando os moradores de Piracicaba viram despencar o sonho de novos tempos. Uma reportagem, publicada no g1 quando a queda completou 55 anos, em 2019, registrou as memórias de quem presenciou o acidente. 📝Leia, abaixo.
Pouco depois das 13h, quando 14 dos 15 andares da obra estavam prontos, parte da estrutura caiu e levou pouco mais de 50 vidas – o número exato de mortos se confunde nas publicações sobre o acidente.
“Naquela época não tinham muitos prédios em volta, então ele era visível de vários pontos da cidade”, conta o advogado Antônio Messias Galdino, que à época era ainda um estudante de 25 anos. No momento da queda, ele estava na Faculdade de Direito no Centro da cidade.
Fotografia mostra Edifício Comurba visto de longe em Piracicaba, pouco antes de sua queda, em 1964
Acervo Câmara de Piracicaba
Barulho
A primeira memória que vem na cabeça dele daquele momento foi o barulho alto do prédio despencando, que chamou a atenção de todos que estavam na região. Logo depois, ele seguiu para a praça onde tudo aconteceu.
“Quando eu cheguei lá pra ver, era um amontoado de pedras, tijolo, terra, não tinha mais nada, era uma montanha de entulho. Veio tudo abaixo”, conta.
O quarteirão foi todo isolado e as equipes de segurança estavam no local, além dos parentes das vítimas, que choravam em volta. “A população aglomerou em torno dos escombros. Foi uma comoção geral na cidade.”
A tragédia só não foi maior porque, à época, somente o cinema, que ficava no andar térreo, estava funcionando. Entre as vítimas que ficaram soterradas estavam os funcionários do Cine Plaza, operários da obra e pessoas que passavam pela praça no momento do acidente.
Antonio Messias Galdino, que na época tinha 25 anos e presenciou a queda do Comurba em Piracicaba
Ronaldo Oliveira/EPTV
Galdino conta ainda da lembrança de que o cinema naquele dia ia iniciar a sessão da tarde às 14h, e o prédio caiu às 13h, 13h15. “Então a tragédia teria sido muito maior se tivesse na hora do cinema. Por questão de meia hora não foi muito pior”, comenta.
“Então eu sou testemunha desse fato aí que trouxe um transtorno muito grande pra cidade.”
‘No dia que caiu o prédio, nasci à noite’
Dona Roseli de Fátima da Silva não se lembra do dia da tragédia, mas a vida dela está para sempre ligada à queda do Comurba. Do seu nascimento, ouviu a história contada pelos parentes. Segunda ela, a mãe grávida, que passava pela praça quando o prédio caiu, ficou tão abalada que, de nervoso, entrou em trabalho de parto naquele dia mesmo, 6 de novembro, e assim ela nasceu de uma gestação de oito meses.
“No dia que caiu o prédio, eu nasci à noite. Dentro de uma perua em cima de uma ponte em Piracicaba”, conta.
Ouviu da mãe que ela entrou em “desespero de nervoso” com a tragédia, o que acelerou um pouco o nascimento de dona Roseli, de parto normal prematuro. “Ela contava pra mim”, lembra da mãe.
Escombros do Edifício Comurba, em Piracicaba, após parte da estrutura ceder em 1964
Acervo Câmara de Piracicaba
História nunca será esquecida
Na memória de dona Vera Martinha Graciano Trevizor, essa história nunca será esquecida. Trabalhava em uma padaria e costumava sempre ir ao edifício nos intervalos do serviço para ver as amigas dela – que ficavam no imóvel.
No dia 6 de novembro, ela tinha acabado de deixar o prédio quando ouviu atrás dela um estrondo.
“Quando eu olhei pra trás, só estava aquela poeira, foi uma coisa estrondosa, muito barulhenta. Parecia que o céu tinha caído. E aquela poeira, que a gente não conseguia ver nada”, conta.
Em seguida, ela se lembra do barulho que se fez das pessoas em volta gritando em pânico. Até hoje, passar pela praça lembra dona Vera da tragédia, principalmente pela dor de ter perdido pessoas que gostava tanto.
Dona Vera Martinha Graciano Trevizor se lembra da queda do Comurba e das amigas que perdeu na tragédia em Piracicaba
Ronaldo Oliveira/EPTV
“Eu lembro de cada momento, porque do lado tinha um médico e eu vivia naquele médico. E lembro das amigas que eu perdi… Uma delas era minha melhor amiga, Clarice Carraro, que estava no cinema”, lamenta.
Comoção de uma região
O peso da tragédia se reflete nos 71 votos de pesar e protestos de Câmaras paulistas e mineiras recebidas em Piracicaba logo após o acidente. O material foi encontrado durante os trabalhos de catalogação e digitalização dos documentos da Câmara de Vereadores de Piracicaba.
A lista inclui manifestações de cidades próximas, como Campinas (SP), Cordeirópolis (SP) e Rio Claro (SP), e até de Minas Gerais, estado vizinho, que enviou homenagens de Três Corações (MG) e Uberlândia (MG), por exemplo. Três times paulistas, Palmeiras, São Paulo e Corinthians, além de instituições como o Banco Moreira Sales e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo também se manifestaram. (Veja a lista completa, abaixo)
Um dos documentos também aponta que o Corinthians ofereceu uma partida beneficente como forma de ajudar financeiramente as famílias que perderam parentes no desastre.
Documento enviado pelo então presidente da Câmara de Santos sobre tragédia do Comurba em Piracicaba
Sidney Júnior/Câmara de Piracicaba
Grande parte da revolta se dava principalmente pela falta de legislação na época que pudesse prevenir tragédias como essa. Em um dos documentos localizados no arquivo da Câmara, enviado pelo presidente do legislativo de Santos (SP) à época, o vereador afirma que o acidente iniciou uma campanha por melhorias nas leis sobre edificações no país.
Uma das hipóteses para a causa do acidente, que ele cita à época, é de que a estrutura de 14 andares suportaria apenas 10 e, por isso, teria despencado. Outra teoria citada por historiadores afirma que, ao encher uma caixa d’água, para receber os moradores do prédio no dia seguinte, a estrutura não aguentou o peso e desabou.
A Câmara de Piracicaba apurou que a lei federal 4.591, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, foi publicada pela presidência da República no dia 16 de dezembro do ano da tragédia, mas no texto não há qualquer referência sobre a proibição quanto ao número de andares em edificações verticais.
Equipe do Centro de Documentação da Câmara reúne documentos sobre a tragédia do Comurba, em Piracicaba
Sidney Júnior/Câmara de Piracicaba
Em novembro de 1964 também foi aprovado pelo legislativo de Piracicaba uma comissão municipal, com três membros, para atender necessidades urgentes em relação às famílias das vítimas do acidente, mas não há maiores detalhes de como foi o trabalho desta comissão.
O requerimento do vereador José Alcarde Corrêa cita em sua justificativa que “a catástrofe de proporção calamitosa enlutou o povo da cidade e que a maior parte dos infelizes que tombaram no momento, cumpriam o seu dever de trabalhador honrado, os quais pertencem a famílias menos favorecidas pela sorte.”
Segundo a Câmara, os processos sobre o Edifício Luiz Queiroz permanecem sob a guarda do Departamento de Documentação e Transparência do legislativo. O acesso ao conteúdo pode ser feito por pesquisadores e demais interessados por agendamento, no telefone (19) 3403-7130, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
As páginas já foram digitalizadas e, assim que disponíveis no Siave, o que deve ocorrer em breve, de acordo com a Câmara, basta digitar no campo “assunto” a palavra Comurba para localizar os documentos.
A dor que fica
Cinquenta e cinco anos após a queda do Edifício Comurba, a causa do acidente nunca foi esclarecida e também ninguém foi responsabilizado pela tragédia. Depois do acidente, os escombros do prédio permaneceram no Praça José Bonifácio por mais de 10 anos, como um fantasma assombrando a memória dos moradores.
Edifício Comurba, em Piracicaba, era inspirado em formas do Copan em São Paulo
Acervo Câmara de Piracicaba
Galdino lembra também que, traumatizados com a tragédia e com a hipótese de que muitos andares teriam sido a causa do acidente, a cidade ficou muito anos sem construir prédios altos – o que atrasou, de alguma forma, o desenvolvimento do município. “Foi um desastre histórico em Piracicaba”, define o advogado, que hoje é assessor parlamentar na Câmara.
Os restos da construção foram removidos somente depois de 1977. Parte do material foi usado no aterro onde foi instalado a Área de Lazer do Parque da Rua do Porto, segundo a Câmara, e atualmente, a área onde ficava o edifício deu lugar ao prédio do Poupatempo e a Caixa Econômica Federal.
Para Galdino, a maior lição que uma tragédia pode trazer é que nenhuma ambição justifica o descuido. “Naquela época se dizia que o edifício estava além da capacidade prevista, teve alguns andares adicionais que não poderiam ser suportados pela estrutura”, explica.
“Às vezes, a ambição das pessoas leva a atos inconsequentes”, resume.
Área em que Comurba foi construído fica hoje o Poupatempo em Piracicaba
Davi Negri/Divulgação
Câmaras paulistas que enviaram votos de pesar:
Araraquara
Araras
Barra Bonita
Barretos
Botucatu
Bragança Paulista
Brotas
Campinas
Caraguatatuba
Cesário Lange
Colômbia
Conchal
Cordeirópolis
Cravinhos
Cubatão
Diadema
Ferraz dos Vasconcelos
Franca
Garça
Guareí
Iacri
Ibaté
Ibitinga
Iracemápolis
Irapuru
Itapetininga
Itapeva
Itatiba
Itatinga
Ituverava
Jaboticabal
Jaú
Jundiaí
Laranjal Paulista
Limeira
Mandaguari
Marília
Mauá
Mogi Mirim
Mongaguá
Monte Mor
Patrocínio Paulista
Pedreira
Pirajuí
Presidente Alves
Presidente Prudente
Registro
Ribeirão Preto
Rio Claro
Santa Bárbara d´Oeste
Santa Gertrudes
Santo André
Santos
São Bernardo do Campo
São Caetano do Sul
São Carlos
São João da Boa Vista
São José do Rio Pardo
São José do Rio Preto
São Manoel
São Pedro
Socorro
Suzano
Taubaté
Tietê
Valinhos
Câmaras de Minas Gerais que enviaram votos de pesar:
Bela Vista do Paraíso
Paraisópolis
Três Corações
Uberaba
Uberlândia
Entidades que se manifestaram por ofício ou radiotelegrafia:
Aspas (Grupo Parlamentar dos Municípios Paulistas)
Associação Brasileira de Química – Secção Campinas
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro
Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo
Diretoria do Banco Moreira Sales
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Justiça do Trabalho
Rádio Aparecida
São Paulo Futebol Clube
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Artefatos de Papel, Papelão e Cortiça de São Paulo
Sociedade Esportiva Palmeiras
Sociedade Veteranos de 32, de Bauru
Sport Club Corinthians Paulista
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