‘Estou com toda a força’, ‘fui morador de rua’, ‘usava droga, morava num barraco sozinho’: os relatos de idosos em um abrigo de SP

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O Lar Mãe Mariana em Poá, na Grande São Paulo, tem mais de 40 internos com diferentes histórias de falta de apoio em algum momento da vida. Lar Mãe Mariana cuida de idosos há 50 anos na Grande São Paulo
Reprodução/Profissão Repórter
Desde o ano 2000, o percentual de pessoas com mais de 60 anos praticamente dobrou – subiu de 8% para 15%. E com esse crescimento, aumentaram as denúncias de maus tratos a idosos, seja com abandono ou agressões. Um abrigo filantrópico luta para dar dignidade a pessoas que, em maioria, foram deixados à própria sorte pelos familiares.
O Profissão Repórter passou uma semana acompanhando a rotina do Lar Mãe Mariana, que já tem 50 anos de existência.
Coordenadora de abrigo de idosos vê sociedade mudando no cuidado com os mais velhos
Localizado em Poá, na Grande São Paulo, o abrigo realiza um trabalho para tentar evitar, ou ao menos amenizar, a ausência da família, dos direitos e do poder financeiro dos internos. E mostrar que é necessário cuidar das pessoas mais velhas da família.
“Parte da sociedade não entendeu ainda que o processo virou. Que o envelhecimento chegou e a gente não tem condição de cuidar dos nossos idosos”, disse Deise Silva de Andrade, assistente social.
Deise ajuda a cuidar e visita os pacientes todas as semanas, mesmo os que não estão no abrigo ou internados em hospitais. São quase 50 internos, dentre pacientes e acompanhantes.
Mãe e filho no mesmo abrigo
A idosa Luiza Maria de Vasconcelos está lúcida, mas se internou no abrigo da Grande São Paulo. O motivo: ela decidiu acompanhar o filho mais velho, deficiente intelectual.
Idosa decidiu se internar em abrigo para acompanhar filho deficiente intelectual
“Quando eu estava esperando a ele, eu tive meningite e o cérebro dele não cresceu. Ele tem uma mentalidade de uma criança cinco anos”, explicou Luiza.
Atualmente com 86 anos, Luiza foi esquecida pelo pai porque a mãe morreu quando ela nasceu. Criada pelo irmão, ela se casou, mas ficou viúva aos 40 anos e criou os dois filhos sozinha. O mais novo se casou e teve dois filhos, e sempre vai ao abrigo visitar a mãe e o irmão mais velho, que está de cama.
“Era para ele vir sozinho. Mas eu falei para elas: ‘não, para levar ele, tem que levar eu também’. Nunca me separei dele, desde que ele nasceu”, diz Luiza, emocionada.
Apesar da história de dificuldade, Luiza continua otimista: “Estou com toda a força do mundo”.
Sobreviventes das ruas
O abrigo também recebe dois homens que tiveram problemas de sobrevivência e, ao contrário de Luiza, foram abandonados pelas suas famílias.
Ex-morador de rua vive separado da família em abrigo de idosos há dez anos
Pedro Cipriano, de 75 anos, foi morador de rua e veio da Paraíba para São Paulo na adolescência. Ele contou que vivia com usuários de drogas e que a sobrevivência sem um teto era difícil.
“Fui moradora de rua. (…) Não é muito bom não, sabe. Barulho de ônibus e moto. E um cara fumando crack do meu lado. Se a polícia viesse, me levava junto”, relembrou.
Pedro teve uma vida comum antes de morar no abrigo. Ele casou duas vezes e teve três filhos. No entanto, não tem mais contato com os familiares. Sem saída, se adaptou a ser sozinho.
“Eu já me senti muito solitário, mas agora não me sinto mais, não. Quando estou meio triste, me pego com Deus”, disse.
Ex-usuário de crack está sóbrio há um ano e quer voltar a viver fora de abrigo
Outro idoso que teve problemas com a rua é Eleon de Oliveira Rodrigues, de 63 anos. Ele se tornou viciado em crack depois de começar com álcool. Sóbrio há um ano, ele sonha em voltar à vida normal fora do abrigo.
“Usava droga, morava em um barraco sozinho. E na minha casa viviam 20 caras, todos usando droga”, relatou.
Eleon veio da Bahia e teve duas famílias em São Paulo. No entanto, o crack o afastou das mulheres que teve. Sentindo arrependimento pelo passado, ele planeja sair do abrigo assim que possível.
“Queria viver um pouco mais na rua, agora que eu estou um pouco mais legal. Alugar uns dois cômodos para mim, e começar uma nova vida”, revelou.
Dar dignidade às pessoas
Deise é a coordenadora do Lar Mãe Mariana. Ela cuida dos 46 internos do abrigo – apenas quatro deles são considerados intelectualmente lúcidos. Assim, ela diz desenvolver um trabalho que é mais do que apenas fornecer alimentação aos pacientes.
Assistente social luta para dar dignidade a idosos em abrigo: ‘É isso que não me adoece’
“Eu não só alimento, dou roupa, remédio. A gente tenta dar mais do que isso, dar dignidade. É isso que me alimenta todos os dias. Por mais duro que seja, eu sinto que eu consigo fazer alguma coisa. É isso que não me adoece”, explicou.
O Profissão Repórter desta terça-feira (17) falou sobre o abandono e os maus tratos a pessoas acima de 60 anos no país, e a luta de pessoas, organizações e da Justiça para dar dignidade aos idosos, bem como responsabilizar os agressores.
Veja a íntegra do Profissão Repórter desta terça (17):
Edição de 17/10/2023
Assista às reportagens do Profissão Repórter:

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