Museu da Bolsa retrata transformação do mercado de capitais em São Paulo

O ambiente de tranquilidade no saguão da B3, na rua XV de Novembro, no Centro Histórico paulistano, contrasta com a imagem que muita gente guardou daquele local. Eram até 1,2 mil pessoas se acotovelando e gritando ordens de compra e venda com seus rádios. O pregão de viva-voz, que vinha em desuso desde 2005, silenciou definitivamente às 17h14 de 30 de junho de 2009, dando lugar aos negócios digitais. Nem por isso menos frenético. São 2.825 empresas listadas, leilões e outras atividades realizadas nesse ambiente. A evolução do mercado de capitais em mais de um século e meio pode ser conferida no MUB3, o Museu da Bolsa do Brasil, instalado há pouco mais de dois anos no mesmo prédio que abriga as operações do pregão e leilões de concessão. E lembranças de cenas guardadas no imaginário e associadas a sons de campainha e batidas de martelo. O MUB3 não é só um local de exposição de fatos do incipiente ao moderno mercado financeiro e de capitais. Carrega a história do desenvolvimento econômico e urbanístico de São Paulo, além da transformação do Brasil de país agrário para uma economia industrial e financeira.

A história por aqui começa em 1890, na transição do Império para a República, quando é criada a Bolsa Livre de São Paulo, que fecharia no ano seguinte. Antes disso, as transações eram na rua mesmo, com dinheiro vivo – transportado em bolsas, daí a origem do nome. Quem visitar o MUB3 (também é possível fazer um tour virtual) perceberá essa ambientação. Logo no início, entrará no “escritório” e irá encontrar o livro-caixa de Abelardo Vergueiro César, corretor oficial da Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo, que havia sido criada em 1895, com participação da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) – a entidade havia organizada a Câmara Sindical dos Corretores Oficiais de Fundos Públicos, embrião da Bolsa. Na continuação da visita, uma maquete dá ideia do pregão na Bolsa de Mercadorias de São Paulo, instalada no Clube do Comércio, na rua Líbero Badaró. Ali, um oficial anotava os resultados em uma lousa de pedra (ardósia) – de onde vem a expressão “escrever na pedra”.

Espaço do Museu da Bolsa acompanha transformação dos ambientes (Foto: Vitor Nuzzi/Agência DC News)

“Todo o Centro Histórico se relaciona com a história econômica de São Paulo”, disse o educador Daniel Castro, que acompanha os visitantes. Além dos bancos que se concentravam na região – hoje espalhados por outras áreas da cidade –, muitos escritórios de corretores ficavam no entorno. Sem contar os nomes de logradouros, como Largo do Café, um dos produtos que eram comercializados na Bolsa. Depois da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, o produto foi pouco a pouco substituído pelo algodão.

Estão ali muitos documentos e objetos, como balança manual, calculadora eletromecânica e um aparelho denominado Ticker, adquirido pela então Bolsa de Mercadorias em 1952. As cotações eram transmitidas telegraficamente e gravadas em fitas de papel, com informações como o código abreviado das empresas, identificação mantida até hoje. O aparelho, que ganhou o nome devido ao ruído que fazia, foi desenvolvido ainda no século 19 por Thomas Edison, o mesmo inventor da lâmpada elétrica. Ao lado, em uma parede, são reconstituídos a lousa de pedra e os painéis digitais. E várias imagens clássicas dos corretores nos pregões. Interativo, o museu oferece informações sobre conceitos do mercado financeiro, breves biografias e depoimentos de personagens. Empresários, corretores, investidores. Como a fala emocionada de Pedro Paulo Piragibe, diretor de Pregão da Bovespa, encarregado de anunciar o fim do viva-voz.

Ambientação: réplica de escritório mercantil do começo do século 20 (Foto: Centro de Referência do MUB3)

A equipe do museu também organiza ações educativas e atividades externas, como a do próximo dia 26, um sábado, às 14h: o roteiro MUB3 – Museu da Bolsa do Brasil | Memória e Patrimônio: um passeio pelos edifícios da Bolsa no Centro de São Paulo (byinti.com). Pesquisadores do Centro de Referência do MUB3 vão ciceronear visitantes pela região, durante 45 minutos, chamando a atenção para estilos arquitetônicos e transformações urbanas. As inscrições são gratuitas.

Em outro prédio (o Edifício JB, na rua João Brícola), a dois minutos da sede do museu, uma exposição temporária mostra detalhes sobre os 30 anos do Plano Real. A mostra foi prorrogada até 14 de dezembro. Mais longe, no campus Monte Alegre da PUC, na Zona Oeste da capital, está (e vai até 4 de novembro) a exposição Muitas Eufrásias: a Presença das Mulheres na Bolsa. Nascida em 1850 em Vassouras (RJ), Eufrásia Teixeira Leite é considerada a primeira investidora brasileira, algo bastante incomum naquele período. Basta lembrar que a atividade de corretor era restrita a homens acima de 25 anos. Eram vedados militares, mulheres e “falidos”.

Eufrásia, que viveu romance com o diplomata e abolicionista Joaquim Nabuco (se conheceram em uma viagem de navio para Paris), morreu em 1930, aos 80, sem se casar. Isso porque, nesse caso, seus bens passariam a ser administrados pelo marido. Ela certamente gostaria de saber que hoje existem 1,2 milhão de mulheres investidoras em renda variável e 904 mil no Tesouro Direto. Por outro lado, segundo levantamento da B3, de cada 100 empresas com ações negociadas, 56 não têm mulheres na diretoria estatutária e 37, no conselho de administração.

Em 1895, homenagem ao corretor Henry White (sentado, centro), com fundadores da Bolsa de Fundos Públicos (Foto: Centro de Referência do MUB3)

Segundo afirmou a pesquisadora Lídia Camargo, do Centro de Referência do MUB3, as bolsas paulistanas “testemunharam as transformações do território, que se consolidou como importante centro econômico”, sediando os principais comércios e instituições financeiras do país, do final do século 19 até meados da década de 1990, quando bancos e corretoras, por exemplo, migraram para a região da Avenida Paulista. “A permanência da Bolsa nesse território nos permite refletir não apenas como o desenvolvimento econômico influenciou o crescimento da cidade, mas também sobre a importância desse espaço como um lugar de memória e a necessidade de preservar o patrimônio cultural edificado.”

Os nomes foram mudando ao longo dos anos, como demonstra a linha do tempo da instituição. Em 2000, as nove Bolsas regionais que ainda operavam foram integradas à Bovespa. Em 2002, a Bolsa do Rio de Janeiro – anterior à de São Paulo e que durante muito tempo foi a principal do país – é incorporada à Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Em 2008, BM&F e Bovespa formam a BM&FBovespa, depois que deixaram de ser associações civis para se tornar companhias de capital aberto. A denominação atual surgiu da integração, em 2017, entre BM&FBovespa e a Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos Privados (Cetip). Surgia a B3 (Brasil, Bolsa e Balcão). Aberto desde 12 de agosto de 2022, o MUB3 recebeu 50,1 mil visitantes no ano passado. Neste ano, já são 46,2 mil.

(Reportagem: Vitor Nuzzi/ Agência DC NEWS)

MUB3 – MUSEU DA BOLSA

Onde: Rua XV de Novembro, 275, mezanino
Funcionamento: de segunda a sábado, das 9h às 17h (entrada até as 16h)
Quanto: entrada gratuita
Agendamento online: MUB3 – Museu da Bolsa do Brasil | Ingresso exposição (byinti.com)
Visitas guiadas: MUB3 – Museu da Bolsa do Brasil | Visita mediada no ponto de encontro (byinti.com)

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