‘Um final digno para os bichinhos’: Psicóloga cria cemitério pet em sítio, que também é transformado em área de preservação em MG


Inicialmente, o espaço foi criado como forma de auxiliar os amigos de Márcia Rodrigues, que não encontravam um local para enterrar os bichinhos de estimação em Juiz de Fora. Segundo ela, o enterro dos animais permite o encerramento do ciclo de convivência com os pets. Parque Morada dos Pequenos Animais já recebeu mais de 6.500 animais, segundo a proprietária
Parque Morada dos Pequenos Animais/Divulgação
Há 24 anos, a psicóloga Márcia Rodrigues transformava parte de seu sítio em um cantinho de afeto, acolhimento e memória ao criar um cemitério para cães, gatos e outros pets. Aos poucos, a depreciação pela iniciativa, considerada ‘frescura’, foi passando, e vários tutores começaram a escolher o bucólico local para sepultar seus bichinhos em Juiz de Fora.
“Quando eu adquiri o sítio, alguns amigos me pediram para enterrar seus cachorrinhos lá, já que morava em apartamento, e aí surgiu a ideia. O primeiro sepultamento foi de um gatinho, em julho de 2000. Me lembro como se fosse hoje, todo o carinho e cuidado com ele, e a gratidão da tutora por ter um lugar seguro para deixá-lo descansando”, relembrou ela, que sempre teve os bichinhos como parte do convívio familiar.
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Além de gatos e cachorros, os jazigos – que podem ser ornamentados com frases dedicadas aos animais enterrados nas lápides – já receberam furões, galinhas, coelhos, tartarugas, calopsitas, hamsters, periquito da índia e até mesmo um peixinho.
Cemitério criado por psicóloga de Juiz de Fora permite um final digno para pets
De todos os sepultamentos que acompanhou, Márcia se recorda de um em especial, no adeus entre uma criança e seu cãozinho:
“Me lembro de um garotinho de uns 6 anos que se despediu de seu amigo. Ele chorava muito. Ele guardava em sua mão um carrinho e, num momento mágico, sem que ninguém percebesse, enterrou o carrinho junto com seu amigo. Dois anos depois, quando fui fazer a remoção dos ossinhos [a retirada é feita a cada dois anos, para depósito em uma cova coletiva], ao retirar a lápide, encontrei o carrinho. Fiquei surpresa. Um gesto lindo do garotinho, foi um jeitinho que ele encontrou de suavizar sua dor e se sentir mais próximo do seu cãozinho”.
Durante a conversa, ela, que prefere não aparecer em fotos, fez questão de citar o auxílio do colaborador e amigo senhor Zito – hoje falecido – na iniciativa.
Dor que precisa ser respeitada
Márcia prefere tratar o cemitério não como um empreendimento, mas como um ponto de auxílio a outros tutores. Ela reflete no quanto o espaço pode contribuir para o luto daqueles que perderam o animalzinho:
“Eu pude compreender o quão importante era oferecer esse serviço, perceber com mais clareza o significado dos animais para os tutores e como era importante dar a oportunidade de as pessoas se fecharem o ciclo de convivência com seu pet, dando um final digno para eles. Era importante para os tutores e fundamental para os bichinhos, ter respeito com eles até o fim, afinal, são nossos companheiros e esbanjam afeto”.
Tal como no adeus entre humanos, a despedida entre os pets mortos e seus tutores varia de caso a caso:
“Todo o processo, do recolhimento ao sepultamento do pet, pode ser acompanhado pelos tutores, se esse for o desejo deles. Cada um elabora esse momento de maneira muito particular. Algumas pessoas preferem estar presentes, outras não. É sempre um momento de muita dor que precisa ser respeitada”, disse Márcia, que usa as redes sociais do cemitério para prestar homenagem aos bichinhos sepultados em emocionantes mensagens de despedida.
Lápides do cemitério pet têm mensagem de carinho aos animais enterrados
Parque Morada dos Pequenos Animais/Divulgação
Aos sábados, o espaço abre para visitação dos tutores. Conforme ela, alguns preferem ir até o local, outros não:
“Têm pessoas que vão sempre, outras vez ou outra, e aquelas que preferem não ir. Isso é a escolha de cada um. O importante é que todos tenham certeza que seus pets foram sepultados com dignidade. Esses bichinhos nos amam incondicionalmente e merecem todo o nosso carinho. Eles nos transportam para um lugar do mais puro afeto. Alguns tutores gostam de prestar uma homenagem aos pets através de plaquinhas, que podem ser coladas nas lápides. Ali, eles tentam expressar a grandeza dessa relação”.
Cuidados ambientais
Além do afeto com tutores e animaizinhos, há também o cuidado com o meio ambiente: “Tentamos fazer esse processo [sepultamentos] da maneira mais simples e ecologicamente correta no sentido de interferir o menos possível no processo de decomposição. Por isso não utilizamos caixões e nem um tipo de invólucro sintético, ou seja, o nosso propósito é oferecer o retorno à natureza”, explicou.
“O cemitério é organizado para que os sepultamentos sejam feitos em covas individuais e numeradas. Os pets permanecem nesse espaço individual por no mínimo dois anos. A partir desse período, as covinhas poderão ser retiradas com o sepultamento de outro animal. Normalmente, a remoção dos ossinhos é feita e são depositados em uma cova onde não mexemos mais. A terra, nossa grande mãe, se encarrega de incorporá-los”.
Vidas perpetuadas
Embora os enterros possam parecer o fim dos animaizinhos, a proprietária do Parque Morada dos Pequenos Animais reitera o ciclo construído no espaço, em que os mortos contribuem para a existência de outras vidas:
“Além de cuidar desses bichinhos que partiram, cuidamos também de muitos que estão vivos. Costumo comentar que a partida de uns favorece a vida de outros. Isso porque o Parque Morada está inserindo numa área particular de quase 100 hectares, que serve de moradia para muitas espécies de plantas e animais. São inúmeras espécies de pássaros e outras aves já catalogadas que habitam a reserva. A propriedade conta com uma grande parte de mata e, para as áreas degradadas, já existe em andamento um projeto de reflorestamento com mudas nativas e frutíferas”.
Cemitério foi criado para poder enterrar gatos, cachorros e outros animais de estimação em Juiz de Fora
Parque Morada dos Pequenos Animais/Divulgação
O próximo passo é a introdução de abelhas nativas da região:
“A intenção é favorecer a polinização das plantas. As abelhas são parceiras nesse processo de manutenção da mata, aumentam a produção de frutos, impactando positivamente na vida de todos os seres vivos. Portanto, quando o tutor nos elege para cuidar de seu pet, ele está colaborando indiretamente para a preservação de uma grande área verde que serve muitas vidas animais”.
O afeto com os pets mortos, associado ao cuidado ambiental, também ajuda a transformar o local em um ambiente de paz.
“Embora seja um cemitério pet, é um lugar da paz. Apesar das circunstâncias, as pessoas se sentem bem lá. ‘Aqui é o lugar da paz, deve ser porque os animais são almas puras’, é o que dizem”.

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