Francis Ford Coppola fala sobre ‘Megalópolis’, falta de riscos em Hollywood e futuro do cinema


‘Hollywood quer apenas fazer dinheiro para pagar dívidas’, diz diretor lendário de clássicos como ‘O poderoso chefão’ e ‘Apocalypse now’. Leia entrevista. Francis Ford Coppola explica por que pagou US$ 140 milhões para fazer ‘Megalópolis’
Demorou quase quatro décadas mas o lendário cineasta Francis Ford Coppola finalmente alcançou seu sonho de longa data ao lançar “Megalópolis”, épico futurista que mistura os Estados Unidos com o Império Romano que precisou autofinanciar — por estimados US$ 140 milhões.
Para divulgar o filme, que estreou nos cinemas brasileiros na quinta-feira (31), o diretor de clássicos como a trilogia “O poderoso chefão” e “Apocalypse now” (1979) esteve no país para divulgar o projeto.
“Um épico romano hoje tem que ser sobre os Estados Unidos, porque, depois da Segunda Guerra, todos os caminhos levam para os Estados Unidos”, afirmou o americano de 85 anos em entrevista ao g1. Assista ao vídeo acima.
“E, hoje, os Estados Unidos estão prestes a perder sua república e acabar com um rei, ou um ditador. Algo que parece que o mundo inteiro está fazendo.”
Na conversa, o cineasta falou sobre sua decisão de vender parte de suas vinícolas para bancar o filme, que começou a idealizar nos anos 1980, a aversão a riscos que fez com que nenhum estúdio aceitasse financiar a obra, conflitos durante gravações, a geração que “salvou” Hollywood e se a indústria ainda tem salvação.
“(Hoje) Hollywood é apenas (a mentalidade) de fazer dinheiro para pagar nossas dívidas. Mas algo melhor está chegando e o cinema de nossos netos será lindo e eu não consigo nem imaginar.”
g1 já viu: ‘Megalópolis’ é autoindulgente, teatral demais e uma experiência incrível
Por que Francis Ford Coppola gastou US$ 140 milhões do próprio bolso em ‘Megalópolis’?
Leia a íntegra da entrevista abaixo:
Francis Ford Coppola e Adam Driver durante as gravações de ‘Megalópolis’
Divulgação
G1 – Por que você decidiu que deveria financiar “Megalópolis”?
Francis Ford Coppola – Pela mesma razão de “Apocalypse Now”. Naqueles dias, eu tinha feito dois ‘O poderoso chefão’ e eles ganharam muito dinheiro. Eu ganhei muitos Oscars, mas, quando eu disse que queria fazer “Apocaypse Now”, eles disseram que não queriam.
Então, eu apenas fiz mesmo assim. Acabei devendo muito dinheiro. Os juros naquela época eram de 21%.
Eu era uma voz poderosa em Hollywood. Agora, eu sou um velho vovô e queria fazer ‘Megalópolis’ e ninguém queria.
Eles não acham que esse tipo de filme segue a fórmula. Sabe, especialmente com um grande orçamento, é preciso ter um super-herói que voe ou, basicamente, muitas colisões de carros e coisas que fazem parte da fórmula. Então, eu só disse que ia pegar emprestado e fazer eu mesmo.
G1 – Esse filme é uma fábula. Por que você acha que não fazem mais filmes desse jeito?
Francis Ford Coppola – Sabe, eu sempre pensei sobre isso. Quando eu comecei em Hollywood, os grandes sucessos eram “A noviça rebelde” (1965) e “Amor, sublime amor” (1961).
E, mesmo assim, depois, quando eu quis fazer um musical, eles disseram que não faziam mais musicais.
Daí eu quis fazer um velho oeste. Eu desenvolvi um velho oeste. E eles disseram: “Não fazemos (filmes de) velho oeste”.
Eles parecem ser muito mais preocupados com o que pensam que pode perder dinheiro, porque o trabalho principal deles, como chefes de estúdios, é garantir que podem pagar suas dívidas. E esse é um trabalho diferente de quem faz filmes.
Antigamente, (o fundador da 20th Century Fox) Darryl Zanuck e (o fundador da Warner Bros.) Jack Warner queriam fazer filmes que ganhariam Oscars. Ou seja, filmes maravilhosos.
E isso mudou. Acho que há uma ideia muito estreita, baseada provavelmente na ciência, algoritmos, do que um filme precisa ter para não perder dinheiro. O que significa não correr riscos.
Francis Ford Coppola, à esquerda, durante filmagens de ‘Apocalypse now’
Arquivo do Cinema da Academia
Para mim, riscos fazem parte da arte. Você não consegue mais fazer arte sem riscos. Assim como, eu já falei antes, não dá para fazer bebês sem sexo.
Risco é parte da arte. Pular no desconhecido prova que você é livre para fazer o que for necessário, o que precisamos fazer, como pessoas, nesse mundo.
G1 – Esse filme e “Apocalypse now” tiveram filmagens cheias de problemas. Alguém uma vez me disse que dificuldades geram ótima arte. Você concorda com essa ideia?
Francis Ford Coppola – Acho que não. O que acontece é que as pessoas, quer elas percebam ou não, foram ensinadas como um filme deve acontecer.
Mesmo agora, em filmes de super-heróis com orçamentos gigantescos, que custam centenas de milhões de dólares, ainda mais do que “Megalópolis”, há um procedimento. Você não vai a um dos diretores de arte sem falar antes com o designer da produção.
Ou seja, há uma hierarquia. Sempre foi assim. Quando você faz filmes, o que todos esperam — a equipe, os atores — o método.
Se você tenta um método um pouco diferente disso, eles acham que há algo errado. Às vezes eles não fazem. Outras, fazem deliberadamente de outra forma. Por isso, você acaba tendo problemas.
Mas a maioria dos problemas em qualquer atividade humana é a diferença entre a expectativa de todos pelo método e qual é o método que você quer.
Muitas vezes, em “Megalópolis”, eu falava: “Eu sou o único que sabe o que o diretor quer. Você não sabe”. Eles sabem o que os diretores de filmes de super-herói quer, mas não é o que eu quero.
Tive muitas discussões sobre os efeitos (visuais) nesse filme, porque eu queria que fossem igual aos de “Dracula (de Bram Stoker)”. Queria que fossem feito de forma prática. E eles diziam: “Mas conseguimos fazê-los melhor com tela verde”. E eu respondia: “Mas eu não quero melhor. Quero que o filme pareça feito à mão”.
Então, você tem conflitos quando os métodos que você usa são diferentes dos que todo mundo está acostumado.
G1 – Você queria fazer esse filme há tanto tempo. Você acha que ele ficaria muito diferente se tivesse conseguido fazer nos anos 1980, quando começou a escrever o roteiro?
Francis Ford Coppola – Eu comecei a fazer anotações sobre vários filmes para entender qual era o meu estilo, mas isso não era “Megalópolis”. Ele começou mesmo quando eu decidi que queria fazer um épico romano.
Mas um épico romano hoje tem que ser sobre os Estados Unidos, porque, depois da Segunda Guerra, todos os caminhos levam para os Estados Unidos. E, hoje, os Estados Unidos estão prestes a perder sua república e acabar com um rei, ou um ditador. Algo que parece que o mundo inteiro está fazendo.
O mundo parece que não aprende sobre sua história, porque só olhamos para a história recente. Somos mais velhos que 10 mil anos, que é o tempo da existência da História.
Havia muito acontecendo com humanos 50 mil anos atrás. Havia até matriarcados. E elas não eram parecidas com os patriarcados. As mulheres não davam ordens, mas colaboravam melhor com os homens.
Mulheres, por serem aquelas que geram vida, são muito boas líderes. Elas sabem as coisas importantes de verdade, como água, proteção contra animais selvagens. Elas são muito sensíveis na maneira como organizam a sociedade.
Íamos muito bem dessa forma até que alguém apareceu, em um cavalo, e disse: “eu sou rei e vocês são meus escravos”. Entramos, então, em 10 mil anos de “eu sou rei e você é meu escravo”, que é onde estamos agora.
“Megalópolis” volta para antes na natureza humana. Somos gênios. Somos todos uma só família. E não há nada que não sejamos capazes de resolver.
Francis Ford Coppola conversa com Marlon Brando durante filmagens de ‘O poderoso chefão’
Arquivo de Cinema da Academia
G1 – Você fez parte de uma geração de cineastas, com Steven Spielberg e Martin Scorsese, que são considerados como os salvadores de Hollywood na época. A indústria claramente mudou muito e passa por um momento delicado. O que você acha que pode salvar o cinema dessa vez?
Francis Ford Coppola – Não sei se salvamos Hollywood. Acho que fomos a primeira geração que conseguiu não só ver a grandeza de Hollywood — os grandes diretores como George Stevens, Lewis Milestone, William Wyler, John Huston, Orson Welles e John Frankenheimer.
Ao mesmo tempo, vimos os grandes japoneses, Kurosawa (Akira) e Ozu (Yasujiro), os italianos, (Federico) Fellini e 50 grandes outros, os franceses, Jean-Luc Godard e todo o pessoal do new age francês, os suecos e os dinamarqueses.
Tínhamos uma visão maior do cinema por causa da época. Víamos o cinema internacional e o de Hollywood. E nós aplicávamos o que aprendíamos em uma época em que Hollywood não sabia o que fazer em seguida. Era o fim de “A noviça rebelde”. Nós viemos e falamos: “Nós sabemos o que fazer”.
Acho que duas instituições hoje estão morrendo. O jornalismo e o sistema de estúdios. A boa notícia é que algo tão importante quanto o jornalismo, ou algum tipo de sistema de estúdios de cinema, vão renascer de alguma forma nova amanhã.
Não sei quando, ou como, mas tenho certeza que o jornalismo vai voltar de alguma forma inteligente. Porque hoje em dia são só fontes desconhecidas e clickbait.
E Hollywood é apenas (a mentalidade) de fazer dinheiro para pagar nossas dívidas. Mas algo melhor está chegando e o cinema de nossos netos será lindo e eu não consigo nem imaginar. Vai ser muito diferente.
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