Leia íntegra da sentença de Juiza que condenou Lessa e Queiroz

juíza destacou, na sentença, a longa jornada de sofrimento enfrentada pelas famílias das vítimasTribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro/ Reprodução

Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, após decisão dos jurados no 4º Tribunal do Júri do Rio.

A sentença foi lida, nesta quinta-feira (31), pela juíza Lúcia Glioche, que destacou a longa jornada de sofrimento enfrentada pelas famílias das vítimas e afirmou que, embora a Justiça tenha sido feita, o veredicto não encerra a dor que perdura desde o dia do crime. (Leia a sentença na íntegra abaixo).

“Talvez Justiça fosse que o hoje o dia jamais tivesse ocorrido, talvez Justiça fosse Anderson e Marielle vivos”, afirmou a juíza, ressaltando que a decisão representa apenas parte da justiça que os familiares buscam. Durante o processo, ela mencionou que os réus, inicialmente, negaram envolvimento, apesar das evidências coletadas ao longo das investigações, mas reforçou que a sentença finalmente chegou.

O veredicto foi emitido seis anos, sete meses e 17 dias após a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, que aconteceu em 14 de março de 2018. O crime até hoje comove o país e gera repercussão global. 

Ronnie Lessa, ex-policial militar e autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson, foi sentenciado a 78 anos e 9 meses de prisão. Já Élcio Queiroz, também ex-PM, condenado por ter dirigido o veículo usado no ataque, recebeu uma pena de 59 anos e 8 meses de reclusão.

Leia a sentença na íntegra

“Quero agradecer a todos os jurados que representaram toda a população da cidade do Rio de Janeiro, democracia essa que Marielle defendia. 

Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como jurados nada recebem, prestam serviço voluntário gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida de outra pessoa.   Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro. A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

Então, dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são: 

Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.

Homicídio é um crime traumatizante, finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.

A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo, que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?   Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.

Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.

Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados. Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem: A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:

a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;   a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.

Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.

Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa-noite”.

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