Novo projeto para tentar disciplinar emendas parlamentares mantém escondido o padrinho das verbas; entenda

Texto apresentado nesta quinta obriga parlamentares a especificarem

Texto obriga parlamentares a indicarem objeto para ‘emendas pix’, mas recursos de comissão seguem reproduzindo ‘orçamento secreto’. O vice-líder do governo na Câmara, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), apresentou nesta quinta-feira (31) um projeto que cria novas regras e limites fiscais para as emendas parlamentares.
O texto é a aposta da cúpula do Congresso para destravar a execução dos recursos, bloqueados ao longo de agosto por decisões do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).
As emendas parlamentares representam uma parte — cada vez mais significativa — do Orçamento da União. São recursos que deputados e senadores destinam a seus redutos eleitorais para a realização de obras e projetos. Em 2024, o montante reservado para esses gastos é de cerca de R$ 52 bilhões.
Em suas decisões, Dino argumentou que os bloqueios eram necessários porque o atual regramento das emendas estava em desacordo com os princípios da Constituição, como a transparência, rastreabilidade e eficiência.
Ainda em agosto, representantes dos Três Poderes se reuniram, na sede da Corte, para estabelecer um acordo a fim de destravar os recursos. Foram definidos parâmetros, que deveriam ser colocados em prática pelo Legislativo e pelo Executivo — o que não ocorreu.
No início deste mês, representantes jurídicos do Congresso afirmaram que a solução para os pontos mencionados em uma nota conjunta dos Poderes seria solucionado em um projeto de lei complementar.
Flávio Dino já afirmou que o restabelecimento das emendas só será possível quando os Poderes Legislativo e Executivo conseguirem “cumprir às inteiras a ordem constitucional e as decisões do plenário do STF”.
Segundo Rubens Pereira Júnior, a sua proposta é fruto de um trabalho conjunto entre a Câmara e o Senado; a Advocacia-Geral da União (AGU); a Casa Civil; e o Supremo.
Entre outros pontos, a proposta:
limita o crescimento do montante das emendas no Orçamento;
obriga a identificar o local de aplicação dos recursos;
e autoriza o congelamento das indicações para cumprimento das regras de gastos.
O texto também coloca como prioridade o repasse de recursos para projetos estruturantes, como obras em rodovias ou de saneamento, por exemplo.
A expectativa é que o projeto seja votado já na próxima segunda-feira (4), pelo plenário da Câmara. Para ser aprovado pelos deputados, serão necessários, no mínimo, 257 votos. Na sequência, a proposta será enviada à análise do Senado, onde precisará reunir ao menos 41 votos favoráveis.
Emendas de bancada
Emendas de bancada são destinações de parte de recursos do Orçamento definidas pelo grupo de parlamentares que representa um estado no Congresso. Têm execução obrigatória.
Esse montante, segundo a Constituição, pode chegar a até 1% da receita corrente líquida (soma da arrecadação) do ano anterior. O projeto estabelece, porém, um teto de crescimento desse valor (veja mais abaixo).
Pela proposta, cada estado terá direito a um número máximo de emendas, calculado de acordo com o tamanho da sua população:
• para estados com até 5 milhões de habitantes: 8 emendas
• para estados com até 10 milhões de habitantes: 6 emendas
• para estados com mais de 10 milhões de habitantes: 4 emendas
Os números são inferiores aos limites permitidos atualmente, por uma resolução do Congresso Nacional. Segundo a regra vigente, podem ser apresentadas entre 15 e 20 emendas.
Segundo o texto, esse tipo de recurso somente poderá ser destinado a “projetos e ações estruturantes”. Entram nesta categoria, emendas destinadas a políticas públicas nas áreas de:
educação profissional técnica de nível médio;
universalização do ensino infantil;
educação em tempo integral;
saneamento;
habitação;
saúde;
adaptação às mudanças climáticas;
transporte;
infraestrutura hídrica;
infraestrutura para desenvolvimento regional;
infraestrutura e desenvolvimento urbano;
segurança pública; e
outras políticas públicas, a serem definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
As regras propostas no texto também preveem que a bancada não poderá enviar emendas para estados diferentes do seu. Haverá uma exceção: emendas que atendam a “projetos de amplitude nacional ou nos quais a matriz da empresa tenha sede em estado diverso do que será realizada a execução das obras ou serviços”.
As emendas de bancada também não poderão ser individualizadas ou ter o montante total de cada estado dividido entre os membros do grupo — ou seja, os recursos não poderão ter um só padrinho, e a indicação do dinheiro terá de ser consensuada entre todos.
A bancada deverá reunir e registrar, em ata, todo o processo de indicação das emendas — o texto não deixa claro se as atas deverão conter quem foi o autor do pedido e o objeto (política e local de aplicação) da emenda. O documento deverá ser encaminhado aos órgãos de execução das emendas.
Pela resolução atual do Congresso, as destinações de emendas de bancada precisam ser aprovadas por 3/4 dos deputados e 2/3 dos senadores que compõem o grupo. A regra não foi alterada pela proposta de Rubens Pereira Jr.
Emendas Pix
O projeto obriga o parlamentar que optar por enviar dinheiro ao seu reduto por meio de transferência especial, a chamada “emenda Pix”, indicar em qual ação o recurso será utilizado e o valor da transferência. Os recursos deverão atender preferencialmente obras inacabadas.
Atualmente, o dinheiro é repassado diretamente para os caixas dos entes federados sem celebração de convênios ou indicação de onde será empregado, o que tem gerado críticas sobre a transparência no uso das verbas.
Além disso, o projeto determina que o Tribunal Contas da União (TCU) fiscalize os repasses feitos por ”Emenda Pix” a estados e municípios.
O texto também impõe obrigações para quem recebe o dinheiro na modalidade pix. O beneficiário deverá, por exemplo, indicar nos sistemas de transparência do governo a agência bancária e conta corrente específica em que serão depositados os recursos, para que seja realizado o depósito e permitida a movimentação do conjunto dos recursos.
Os governos estaduais ou prefeituras deverão informar as assembleias legislativas ou as câmaras de vereadores e o TCU em até 30 dias o valor do recurso recebido, o respectivo plano de trabalho e cronograma de execução.
Se houver indícios de irregularidades nos repasses ou inconsistências no plano de trabalho, os órgãos de fiscalização e controle poderão determinar os ajustes necessários.
Emendas de comissão
As emendas de comissão são recursos indicados por colegiados temáticos no Congresso — tanto da Câmara quanto do Senado. Não são impositivas — ou seja, não têm execução obrigatória.
Esse tipo de emenda não tem um valor previamente definido, nem um mecanismo de distribuição dos valores entre os colegiados. O montante destinado a essa categoria é definido anualmente, conforme as negociações para a aprovação do Orçamento.
Segundo uma resolução do Congresso, cada comissão tem direito a até oito emendas — o projeto não alterou esta regra e também não definiu como será a distribuição dos recursos entre as comissões. Para especialistas, na prática, continuaria a valer a divisão política dos recursos, contrariando o princípio da igualdade.
As emendas de comissão sofreram um aumento nos últimos anos. Foram infladas depois de o STF derrubar as emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto”. A categoria não herdou somente os valores, também manteve a opacidade do tipo considerado inconstitucional pelo Supremo:
• não é possível identificar o nome do parlamentar que indicou a emenda
• é possível verificar somente a comissão autora das emendas, o ministério responsável pela execução e ação na qual será aplicado o recurso
O projeto apresentado nesta quinta segue os principais pontos do acordo firmado pelos Poderes em uma reunião na sede do STF: a identificação de onde será aplicada; e a delimitação de políticas públicas que podem receber os recursos.
Segundo o texto, as comissões somente poderão indicar emendas para projetos de interesse nacional ou regional, que estejam de acordo com suas temáticas.
Todas as indicações deverão conter, “de forma precisa”, o seu objeto (política e local de aplicação). A proposta não deixa expresso, porém, a obrigação de indicar o padrinho das emendas — um dos pontos de opacidade.
As emendas de comissão terão de ser destinadas a políticas públicas nas seguintes áreas:
educação profissional técnica de nível médio;
universalização do ensino infantil;
educação em tempo integral;
saneamento;
habitação;
saúde;
adaptação às mudanças climáticas;
transporte;
infraestrutura hídrica;
infraestrutura para desenvolvimento regional;
infraestrutura e desenvolvimento urbano;
segurança pública; e
outras políticas públicas, a serem definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
Pelo projeto, no mínimo, 50% das indicações da bancada deverão atender a ações e serviços públicos de saúde.
As indicações das comissões serão feitas por líderes partidários. Membros da comissão analisarão os pedidos e aprovarão as destinações. O processo todo deverá ser registrado em ata e enviado aos órgãos de execução das emendas.
O projeto não estende as regras às emendas já aprovadas para o Orçamento de 2024. Pelo contrário, deixa claro que os mecanismos de identificação não se aplicarão a elas.
Teto para emendas
O projeto também define um teto para o aumento do tamanho das emendas no Orçamento da União. Essa era uma das medidas previstas na reunião dos Poderes em agosto.
Em 2025, o valor total das emendas:
• de bancada não poderá ultrapassar 1% da receita corrente líquida do ano anterior
• individuais não poderá superar 2% da receita corrente líquida do ano anterior
• não impositivas (comissão) poderá somar até R$ 11,5 bilhões
A partir de 2026, as emendas impositivas (bancada e individual) serão aumentadas com base nas regras do arcabouço fiscal.
O texto estabelece que essas categorias terão os valores totais atualizados, anualmente, na proporção do limite de crescimento de despesas. Pelo arcabouço, o crescimento real da despesa está limitado entre 0,6% e 2,5%, seguindo a variação da receita apurada nos últimos 12 meses.
As emendas não impositivas terão uma outra fórmula de correção. Segundo a proposta, serão atualizadas com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — considerada a inflação oficial do país.
• O período que valerá para avaliação do índice compreenderá os 12 meses até junho do ano anterior ao Orçamento discutido pelo Congresso.
O texto também autoriza o governo a contingenciar ou bloquear a execução de emendas para o cumprimento da regra de gastos. O congelamento poderá ocorrer na mesma proporção aplicada a outras despesas discricionárias — aquelas que o governo executa de acordo com sua própria avaliação, como as emendas.
O espaço orçamentário aberto por um eventual bloqueio não poderá, de acordo com o texto, ser utilizado para aumentar ou criar novas despesas.
Impedimentos
O projeto cria hipóteses nas quais emendas parlamentares não poderão ser executadas. Na lista, estão presentes, por exemplo:
• incompatibilidade do objeto da despesa com finalidade;
• omissão ou erro na indicação do beneficiário da emenda; e
• ausência de indicação do objeto, no caso das emendas ‘Pix’.
A avaliação desses requisitos deverá ser feita pela área técnica de cada órgão. Se for identificado um problema, o órgão deverá adotar “diligências” para regularizar as emendas. Eventuais omissões dos órgãos responsáveis pela execução dos recursos poderá ser punida.

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