Candidato negro que perdeu vaga em concurso do TCE para homem reprovado em heteroidentificação pede revisão de decisão judicial


Juíza vai analisar pedido do candidato preterido. Entenda o caso em discussão. Tribunal de Contas do Estado da Bahia
Reprodução/Google Street View
O candidato negro que perdeu a vaga no concurso para auditor fiscal do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BE) após uma liminar determinar a nomeação de outro participante, reprovado pela banca de heteroidentificação, ingressou com uma ação para que a decisão judicial seja revista. O pedido será analisado pela juíza Maria do Rosário Passos da Silva Calixto, conforme despacho assinado na terça-feira (29).
Como divulgado pelo g1, Bruno Gonçalves Cabral tomou posse no último dia 1º junto após obter uma decisão em caráter provisório, favorável à sua causa. Enquanto a comissão de heteroidentificação avaliou que o candidato “apresenta pele branca, nariz alongado, boca com traços afilados e cabelos naturalmente não crespos”, ele argumenta que é pardo e anexou um relatório médico que aponta características como “pele morena” e “se bronzeia com facilidade”.
Com base nesse e em outros argumentos, a juíza Maria do Rosário entendeu que “há indícios de que a exclusão do candidato lastreia-se em análise padronizada, desconsiderando as reais características do candidato”. Assim, em 8 de julho, ela determinou que ele fosse mantido como cotista no concurso.
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Do total de 20 vagas, seis estavam reservadas para cota racial e Cabral ocupou uma delas. Por consequência, um outro candidato aprovado pela comissão heteroidentificação da Fundação Getúlio Vargas, contratada pelo TCE para realizar o concurso, perdeu o posto. É ele quem reivindica a vaga formalmente.
Bruno Gonçalves Cabral tomou posse no dia 1° de outubro
Reprodução/TV Bahia
“O objetivo da gente ter entrado com esse processo é resguardar o direito do candidato que realmente é negro e possui aptidão da cor para poder ingressar no concurso através das cotas para negros”, disse Fábio Ximenes, advogado do homem.
O despacho assinado pela juíza na terça aponta que o candidato fez três solicitações:
ser habilitado como terceiro interessado no processo;
a reconsideração da decisão liminar que manteve Bruno Gonçalves Cabral como cotista;
a improcedência dos pedidos de Cabral, sob o argumento de que ele não se enquadra como pessoa parda.
A magistrada, então, confirma a “necessidade de analisar o pedido de reconsideração da liminar” e intima as partes — Cabral e o TCE — para que se manifestem no prazo de cinco dias. Em seguida, ela deve retomar a análise do caso.
Ao g1, o candidato interessado disse que recebeu a decisão com “muita apreensão, já que o despacho só aconteceu por conta da repercussão midiática”.
“Não foi determinada a realização de audiência para que eu seja ouvido. Acho que por enquanto isso não será feito. De todo modo, o que espero é que a liminar seja revogada o quanto antes, ainda que eu não venha a ocupar o cargo por agora”, disse o homem que prefere não se identificar.
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Procurado pelo g1, o TCE disse que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) recorre contra a decisão que determinou a nomeação de Cabral. O órgão argumenta que seguiu as regras do edital.
Já a defesa de Cabral argumentou, por meio de nota, que a banca examinadora tomou a decisão de reprová-lo sem fundamentação e de forma individualizada, desconsiderando traços específicos como a pele morena. “Violando, portanto, o direito constitucional, de ampla defesa e contraditório”, indica o texto.
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Critérios para análise de heteroidentificação
A doutora em educação Dyane Brito, que desde 2006 participa de bancas de heteroidentificação, explica critérios e preparo para fazer parte da comissão.
Ela explica que uma banca é sempre formada por pessoas com características diversas, incluindo gênero, raça, indivíduos que são ou não da área e ativistas. Além disso, ela destaca que todos os integrantes passam por uma formação.
“Tem atividades de formação para discutir raça no Brasil, a diversidade de pessoas que podem aparecer em uma banca, e, sobretudo, para que a gente possa entender como se dá o racismo no Brasil, que é de marca, como diz o sociólogo Oracy Nogueira, e não de origem”, ponderou Dyane.
Entenda a situação
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Reprodução/TV Bahia
Em outros dois concursos, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, e para a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), em 2022, Bruno Cabral optou pela ampla concorrência, mesmo tendo vagas do sistema de cotas.
Se tivesse mantido essa opção no concurso do TCE, ele não seria aprovado, pois ficaria em 45° lugar na ampla concorrência.
Já pelo sistema de cotas, Bruno Cabral ocupou a 8ª posição. A defesa dele afirma que o cliente é uma pessoa parda.
Para as bancas de heteroidentificação o entendimento de pardo é amplo e analisado criteriosamente, é o que explica Dyane Brito. Ela ressalta que os pardos são uma categoria “elástica”:
“Ela abrange uma diversidade muito grande cores. Então você pode ser um pardo que não vivencia a discriminação racial. Portanto, não seria sujeito de direito a essa política”.
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