Eles existem: conheça as aves da família do chupa-cabras

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Bacuraus fazem parte da família “Caprimulgidae”, que traduzindo do latim significa “chupa-cabras”. Entenda por que o grupo recebeu esse nome e qual sua relação com a lenda. Ilustração do século 17 que faz referência a lenda dos bacuraus mamarem nas tetas das cabras
Alcibiade Lucarini
Com certeza você já ouviu sobre a lenda do chupa-cabras ou, ao menos, ouviu a expressão em algum lugar. Uma das versões diz respeito a uma ave que há muito tempo aguça a curiosidade humana, se insere no imaginário popular e tem até um filme com seu nome. Se você pensou no Bacurau, acertou em cheio! Descubra mais sobre ela no texto do biólogo do Terra da Gente, Luciano Lima.
As noites quentes da primavera e do verão são a melhor época do ano para ficar atento a um dos grupos de aves mais interessantes que existem, os bacuraus. Aves exclusivamente noturnas, os bacuraus surgem assim que o sol se põe no horizonte e “desaparecem” pouco antes do raiar do dia.
Em todo mundo são conhecidas cerca de 100 espécies de bacuraus, das quais 27 podem ser encontradas no Brasil, um dos países do mundo com a maior riqueza de espécies do grupo.
Seus hábitos noturnos, sua aparência curiosa e suas vozes chamativas que ecoam na escuridão da noite são responsáveis por envolve-los no folclore de muitos povos mundo a fora.
Algumas das lendas relacionadas aos bacuraus são conhecidas desde a antiguidade, incluindo uma que está perpetuada no nome da própria família dessas aves. Todos os bacuraus fazem parte da família Caprimulgidae, que traduzindo do latim significa literalmente “chupa-cabras”.
O filósofo grego Aristóteles, no nono volume do seu livro “História dos Animais” – que data do século 4 antes de Cristo – , argumenta que as aves conhecidas como chupa-cabras “voam até as cabras e sugam seu seu leite, hábito do qual deriva seu nome; é dito que após [a ave] ter sugado a teta da cabra a teta seca e a cabra fica cega.” Também escreve que a ave “enxerga mal durante o dia, mas bem durante a noite”.
Aristóteles se referia ao bacurau-europeu (Caprimulgus europaeus), espécie que serviu como referência para o nomear a família Caprimulgidae. Especula-se que a origem dessa lenda esquisita deve-se ao fato de antigamente o bacurau-europeu ser observado com frequência próximo aos estábulos, onde por algum motivo deviam se concentrar insetos dos quais se alimentam.
Embora, no Brasil, os bacuraus sejam conhecidos por muitos nomes populares, a lenda parece não ter cruzado o Atlântico junto com os europeus e “chupa-cabras” não é um nome utilizado para se referir a nenhuma espécie da família Caprimulgidae no país.
O nome da maioria das espécies brasileiras é composto a partir da palavra “bacurau”, nome de origem onomatopeica com base em uma das vocalizações da espécie Nyctidromus albicollis, o caprimulgídeo mais comum do Brasil. Clique aqui para ouvir o canto.
Nyctidromus albicollis também é conhecido por outro nome, curiango, que também tem origem onomatopeica, mas baseado em uma outra vocalização da espécie. Clique aqui e ouça.
Essa mesma vocalização originou outro nome popular, conhecido no Nordeste como “amanhã-eu-vou”. Nome que foi imortalizado na canção “Amanhã eu vou” composta pelo cantor e compositor Luiz Gonzaga em parceria com Beduíno.
Bacurau (Nyctidromus albicollis) registrado na Costa Rica
Grigory Heaton/iNaturalist
Outras espécies da família tem nome populares baseados em seu canto, como por exemplo o joão-corta-pau (Antrostomus rufus), o tabaco-bom (Nyctiprogne leucopyga), o tuju (Lurocalis semitorquatus) e o corucão (Podager nacunca).
Outros nomes populares dos bacuraus tem origem em comportamentos do grupo. O fato de serem aves noturnas e serem encontrados durante o dia geralmente em repouso, faz com que sejam conhecidos como “dorminhoco” e “preguiça”.
“Mede leguas” é outro nome popular curioso dado aos bacuraus, especialmente para Nyctidromus albicollis. Os bacuraus com frequência ficam na beira das estradas de chão que cortam áreas rurais, por ser um “espaço aéreo” limpo onde é fácil capturar insetos em voo.
Com a proximidade de um veículo, ou de algum viajante a cavalo, a ave voa pousando um pouco mais a frente, podendo repetir o mesmo comportamento várias vezes até decidir sair da estrada. Assim, no entender do povo, a ave vai “medindo” a estrada.
O grande naturalista e divulgador científico Eurico Santos, em seu clássico livro “Da Ema ao Beija-flor”, explica em mais detalhes a origem desse nome.
“É o companheiro infalível de todos os que sulcam as estradas pelo interior do país durante a noite. O seu hábito é curioso. Pousa no solo limpo do caminho, por onde segue o viajante, e ali se planta, até quase ser tocado pelas patas do cavalo e então levanta de novo o voo, para de novo pousar a 20 metros mais adiante, onde novamente, ao ser quase atingido, repete a mesma manobra”, escreve.
“Na estrada Rio-São Paulo [a atual rodovia Presidente Dutra], temo-lo visto no seu singular fadário, pousando a frente dos automóveis rápidos, com os quais já se familiarizou e sob os quais de vez em quando perde vida”, complementa Eurico no parágrafo seguinte.
Hoje, é difícil acreditar que uma das mais movimentados rodovias do Brasil já foi uma estrada de chão com bacuraus pelo caminho. Eram outros tempos.
Com a chegada de dias mais quentes, aumenta a quantidade de insetos voadores noturnos, principal alimento dos bacuraus. Isso estimula a reprodução dessas aves, que ficam bem mais vocais e fáceis de serem registradas. Aproveite essa época do ano para vagar pela noite e “bacurauzar” por aí e você poderá ter a felicidade de encontrar com um verdadeiro “chupa-cabra”.
*Texto sob supervisão de Giovanna Adelle
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