Jovem com Síndrome de Down supera preconceito para virar chef de cozinha e sonha em abrir confeitaria: ‘Provei que estava preparada’

Laura dos Reis Sant’Ana foi a primeira aluna com Síndrome de Down a se formar em gastronomia na Hotec, em São Paulo, há nove anos. Dia Nacional do Chef de Cozinha é celebrado neste sábado (13). Laura dos Reis Sant’Ana, de 32 anos, trabalha em padaria de Sorocaba
Arquivo pessoal
Quando preparou a sua primeira receita, um brigadeiro com casca de banana, aos 14 anos, a sorocabana Laura dos Reis Sant’Ana sequer imaginava que, em 2014, se tornaria a primeira aluna com Síndrome de Down a se formar em gastronomia na Faculdade de Tecnologia em Hotelaria, Gastronomia e Turismo de São Paulo (Hotec) ou que um dia dividiria a cozinha com ídolos como Olivier Anquier, Claude Troisgros e Henrique Fogaça.
Hoje, com 32 anos, Laura mora com a mãe em Sorocaba (SP), e pensa em se casar e ter filhos no futuro. Mas, por enquanto, o foco está no emprego em uma padaria da cidade, onde atua no preparo de doces, no livro que pretende escrever para contar a sua história de superação e dar dicas de receitas, e no desejo de abrir uma confeitaria própria, que já tem até nome: Delícias da Laura.
O caminho que a levou a realizar o sonho de se tornar chef de cozinha, no entanto, começou há 12 anos e foi cheio de obstáculos. Embora Laura tenha feito terapia somente na infância, foi preciso lidar com algumas dificuldades impostas pela Síndrome da Down na escola e na faculdade, além do preconceito dos colegas por conta da condição.
“Infelizmente, o bullying ainda faz parte da minha vida. Algumas vezes, sofri bastante, mas isso nunca me fez desistir dos meus sonhos. E a única limitação que sinto hoje pela síndrome é em relação à legislação do Brasil que não permite pessoas trissômicas tirarem CNH, e isso é meu sonho”, explica.
Do primeiro contato à independência na cozinha
O primeiro contato de Laura com a cozinha foi na escola onde estudava na infância e adolescência, durante as aulas de vida prática. Estimulada pelo projeto, a então estudante fez um minicurso de culinária no Sesi Mangal, o que foi determinante para que ela decidisse iniciar a faculdade de gastronomia anos depois.
Foi nesta época de escola, inclusive, que Laura conheceu a sua melhor amiga, que também tem Síndrome de Down. “Tenho amizade com ela até hoje, nos falamos com frequência e nossos irmãos são namorados. Somos as fadas madrinhas deles, foi graças à nossa amizade que eles se conheceram.”
Quando concluiu o ensino médio, aos 20 anos, a sorocabana passou a frequentar a ONG Chefs Especiais, que oferece cursos de capacitação gratuitos para pessoas com Síndrome de Down, ajudando a inseri-las no mercado de trabalho na área da gastronomia.
“Como preparávamos receitas com chefs famosos, tive a oportunidade de conhecer o Henrique Fogaça e também o Olivier Anquier, entre outros. Lá fiz bons amigos, inclusive o querido Guilherme Campos, que, inspirado na minha história, também fez faculdade de gastronomia depois”, relata.
Foram três anos no projeto, período em que Laura também aproveitou para ler alguns livros de gastronomia e se aprofundar no tema, além de desenvolver suas habilidades com o fogão e ganhar mais independência na cozinha e na vida pessoal.
Laura com Olivier Anquier, Claude Troisgros e Henrique Fogaça
Arquivo pessoal
Vida de universitária
Em 2010, Laura prestou o vestibular da Hotec regularmente e foi aprovada para o curso, que durou dois anos. Após a conclusão, ela fez algumas especializações em panificação e confeitaria, permanecendo por quatro anos como aluna da faculdade, até 2014.
Durante o curso, Laura começou a estagiar em um restaurante árabe, onde cortava cebola, tomate e salsinha. Em seguida, passou a fazer “gravatinhas” recheadas na fábrica de macarrão de um restaurante italiano – até então, o seu primeiro emprego havia sido como menor aprendiz, aos 16 anos, em uma lanchonete de fast-food.
Laura cursou gastronomia na Hotec em São Paulo
Arquivo pessoal
Na época, a rotina da universitária era pesada: estágio de manhã, faculdade à tarde e trabalhos do curso à noite ou, até mesmo, de madrugada.
“Enfrentei vários desafios, mas a cada dia me sentia mais confiante e capaz de chegar até o final. Meu TCC foi sobre feijoada e adorei fazer e apresentar à bancada . Deu nervosismo, mas consegui provar que estava preparada”, lembra.
Na formatura, a primeira aluna com Síndrome de Down a se graduar regularmente na Hotec foi convidada para ser a oradora da turma, o que a encheu de orgulho: “eu realmente me senti muito querida e especial. Todos vibraram junto comigo nessa conquista”.
Na formatura, Laura foi convidada para ser a oradora da turma
Arquivo pessoal
Planos para o futuro
Uma vez formada, Laura passou a atuar em uma padaria de Sorocaba, onde ajuda a produzir doces – sua especialidade e preferência. O amor pelo café também a levou a fazer um curso de barista no Senac.
Enquanto trabalha na autobiografia e no lançamento da confeitaria Delícias da Laura e faz doces por encomenda, vez ou outra a chef é convidada a dar aulas no projeto Chefs Especiais e em outras instituições que também atendem pessoas com Síndrome de Down.
“Sempre que sou convidada, busco receitas fáceis e práticas para que todos os presentes consigam fazer e degustar. Adoro fazer tortas doces”, continua.
Para Laura, a Síndrome de Down nunca foi um impedimento. Seguindo o coração e lutando pelo que acreditava, ela conseguiu realizar o sonho de se tornar uma chef de cozinha, profissão cujo dia nacional é celebrado neste sábado (13).
“Se você sente dificuldade de se colocar no mercado de trabalho, busque empresas grandes, que pratiquem a inclusão e que realmente te vejam como alguém que tem direito a se realizar. Mostre seu lado produtivo e seja confiante. Você é capaz e certamente, assim como eu, conseguirá”, finaliza.
Além de trabalhar na padaria, a chef faz doces por encomenda
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