Realidade simulada? Especialistas explicam que ‘teoria’ não tem base científica e Universo não é Matrix


Entusiasta diz que realidade é simulada e conseguiu angariar R$ 1 milhão em financiamento coletivo para experimento que, segundo físicos, não têm base científica. Dizer que realidade é simulada como Matrix não tem base científica
Matrix Shooting/ Giphy
Já pensou se nada do que você está vivendo é real? Se a vida fosse como um jogo e estivéssemos em uma simulação completa, como no filme Matrix? Um entusiasta norte-americano está tentando provar que somos apenas avatares e, para isso, já arrecadou quase R$ 1 milhão. No entanto, físicos e cientistas com quem o g1 conversou explicam que não há qualquer evidência de que isso seja real.
A teoria de Thomas Campbell é de que vivemos em um Universo que funciona como um jogo de videogame, em que a realidade é simulada e, além disso, que nossa consciência tem poder na construção dessa realidade.
Recentemente, as ideias de Campbell foram apresentadas no texto “Teoria de que a realidade é uma simulação ganha fôlego na física quântica”, produzido por Felipe Espinosa Wang, da agência alemã de notícias Deutsche Welle, e publicado no g1.
O g1 conversou com especialistas e físicos de renome e especialistas que explicaram que há inconsistências científicas, que Campbell mistura conceitos que não poderiam ser combinados e que suas ideais ainda misturam ciência e espiritualidade. (Leia mais abaixo)
Pensar que o Universo renderiza a realidade e que só mostra aquilo que nós, humanos, estamos vendo é ignorar a própria ciência. Isso é desconsiderar toda a história do Universo que já conhecemos e provamos que existiu. É ignorar até as bactérias e as doenças que elas provocam porque elas são microscópicas e não as vemos.
“Teoria” da realidade simulada x o que diz a ciência
A ideia de que a realidade que vivemos é uma simulação não é nova. Nos anos 70 o movimento hippie já tinha grupos que acreditavam nessa suposição. Atualmente, Elon Musk é um dos adeptos da ideia de que a realidade é uma simulação semelhante a um jogo de computador. Apesar disso, em mais de 50 anos nada se evoluiu sobre isso com base em ciência.
➡️A proposta de Campbell é apresentar uma teoria de que a realidade é simulada e que isso pode ser provado com um experimento usando princípios da mecânica quântica – que é um conceito físico. No entanto, antes de discutir o experimento é preciso esclarecer uma confusão com dois princípios na ciência: hipótese e teoria, que são coisas bem diferentes.
❓ Hipótese é a suposição inicial que dá início a uma investigação científica. Ou seja, não é algo provado, mas algo que pode ser investigado.
🔎 Teoria é um conjunto de hipóteses que foram sendo testadas e verificadas por experimentos e eles conseguiram trazer evidências que sustentem a teoria.
Cientistas detectam ondas gravitacionais e ouvem universo
➡️ O que o entusiasta tem é uma hipótese e que ainda não foi colocada em teste.
Dito isso, o próximo passo é entender como ele pretende testar essa hipótese:
Sua proposta é usar a mecânica quântica para explicá-la. Essa é uma teoria física bastante complexa, mas, basicamente, descreve o comportamento das coisas em escalas microscópicas, como átomos, elétrons, prótons e nêutrons, onde as leis clássicas da física não se aplicam.
➡️Por exemplo, quando um carro está em movimento, é possível determinar sua velocidade e posição. No mundo das partículas, porém, não é possível obter essas duas informações simultaneamente.
No mundo quântico, as partículas se comportam como ondas, e, ao descrever um elétron, antes da medição, ele pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, já que se comporta como uma onda.
O experimento
A partir desse conceito, ele vai aplicar um experimento para provar que sem a consciência humana, uma coisa pode deixar de existir. Para isso, ele vai usar a luz para mostrar que quando é observada pela consciência ela se comporta como matéria, sendo identificada em partículas. E quando não é observada, ela permanece como onda, o que seria deixar de existir na nossa realidade.
➡️ Na prática, ele vai observar a luz em laboratório passando por duas fendas, acompanhadas por um computador. O que capturar os dados do caminho da luz vai ser destruído e a ideia é que, ao ser quebrado, a luz que antes passava como partícula, vai passar a ser registrada como onda de novo. (Entenda abaixo)
O problema que o doutor em Física Marcelo Lapola aponta é que o experimento só comprova o que já se sabe: que a luz pode se comportar como onda e como partícula.
“Essa resposta que ele cita, na verdade, é algo que já se sabe. É, justamente, um dos pilares fundamentais da física quântica, que é a dualidade onda-partícula, na qual sabemos que a luz pode se comportar das duas formas. Afirmar que, ao quebrar o computador, a falta de consciência humana é o que mudou isso é charlatanismo”, explica Lapola.
O físico Roberto Baginski Batista, membro da Sociedade Brasileira de Física (SBF), questiona também o modelo do experimento e explica que não faz sentido a proposta porque mistura vários conceitos para tentar ter uma resposta.
Quando esses conceitos são tratados da maneira como os entendemos atualmente, os resultados esperados dos experimentos propostos por eles não são os que eles descrevem. Com isso, os testes propostos não poderiam servir como evidência de que vivemos em uma simulação. Não faz sentido.
A ideia de que vivemos como em Matrix, o filme campeão de bilheteria, pode ser tentadora, mas não passa de uma noção que circula há décadas, desde religiões até universidades, mais como uma conversa filosófica do que como um assunto científico.
O pesquisador envolvido no estudo que rendeu um Nobel reforça que a “teoria” em si é uma negação à ciência e que é preciso ter cuidado com esse tipo de conteúdo.
Na página onde Campbell explica sua “teoria”, por exemplo, ele afirma que o experimento poderia trazer respostas para questões religiosas e paranormais, transformando coisas como experiências extracorpóreas em algo normal, e não mais algo incomum.
“Falar que a consciência é esse elemento essencial e não como resultado. ele está sugerindo que a nossa consciência gera a realidade, isso é esoterismo, não é realidade”, pontua Marcelo Lapola.
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