André Bonomini: Bola no barbante, jornadas esportivas e o “escrete 820”

“Blumenau é Brasil. E Brasil, aos domingos, é futebol”.

Quem cravou esta máxima, diante de um Deba movimentado e cheirando a decisão foi um ainda jovem repórter Claudio Holzer, quando o Blumenau Esporte Clube (BEC) se preparava para decidir uma vaga no quadrangular final da primeira fase do Catarinense de 1997, diante do Tubarão.

Sim, essa cena tem 26 anos, segundo a contagem exata do tempo. O BEC ainda era o BEC que contava a história e os tentos desde 1919, o decantado Aderbal Ramos da Silva era um modesto, acanhado e, as vezes, hostil palco gramado que recebia os visitantes com a bufa dos torcedores na nuca dos adversários. Eram tempos que Blumenau, de fato, era Brasil, o Brasil aos domingos.

Em um tempo onde o futebol é o patinho feio dos esportes citadinos, calcanhar de Aquiles de um município acostumado aos tentos do JASC, lembrar dessa agitação chega a dar estranhamento. Tocar no assunto é, ou um tema superado ou motivo para os reclamantes de todo dia dizerem que “devemos investir mais em saúde e educação”. Mas a história não nega o esporte bretão que há por aqui, dentro e fora das quatro linhas.

Fora delas, um dos olhos do torcedor estava naquelas apertadas e polivalentes cabines de transmissão, onde a fina flor das equipes esportivas de Blumenau e região traduzia em bordões e análises ferinas as jogadas no campo. Frustração da derrota, apoteose da vitória, cantadas em gol por vozes inesquecíveis, sobretudo do nosso rádio, outrora tradicional no metier esportivo desde a longínqua “Marcha do Esporte“.

Até lamento esse nariz-de-cera gigante, mas é preciso contextualizar o que foi esse período e como encontrar verdadeiras pérolas do nosso rádio no terreno da comunicação, especialmente no esporte, é uma satisfação inenarrável nesta era sombria do nosso futebol. Dá orgulho, sensação de partilha e educação, Adalberto Day estaria sorrindo com uma dessas, como cá estou.

Para quem nunca viu, como era por dentro, em dia calmo, o saudoso estádio Aderbal Ramos da Silva (BEC)

O que trago aqui é um pedaço desse tempo de efervescência futebolística narrada por “galos” que arrepiam as mentes mais saudosas. Certa feita, meu caro David Batista – amigão das esquinas do rádio – me compartilhou um arquivo pelo WhatsApp com aquela célebre frase: “eu acho que vais gostar! Você e a turma da União”. Ele tava certo: trata-se de um áudio comercial datado de 1982, apresentando a equipe esportiva da então Rádio União AM (820 kHz).

Antes de mais nada, é bom que se explique: União AM? Não seria FM 96.5? Vamos por partes. A frequência 820 AM era a da antiga Rádio Alvorada, que em 1978, dentro das ambições grandiosas da Fundação ISAEC de Comunicação (pertencente a Igreja Luterana), foi adquirida pela entidade para integrar a Rede União de rádios que formava-se.

O 820 permaneceu em posse da igreja luterana até 1989, quando passou para a administração de Carlos Alberto Ross, operando como Rádio Unisul, dentro da Rede Fronteira de Comunicação (RFC). Na RFC, a frequência que chegou a ser a filial da CBN e da Rádio Globo foi desativada em dezembro do ano passado, dando lugar a Antena 1 Vale do Itajaí (88.1 FM).

O chefe da equipe: Rodolfo Sestrem, o “galo” foi responsável por alguns momentos memoráveis do esporte blumenauense trazidos pela 820 AM

Mas continuando, mesmo com o surgimento do canal no FM, em 1982, ainda era o 820 AM o principal cartaz da rede na cidade, sobretudo no ponto de orgulho da casa: a equipe esportiva, o escrete que, de longe, era um dos mais conceituados no estado. A frente, o galo-maior Rodolfo Sestrem e a emoção intrincada no característico grito de gol e no relato. Além dele, as vozes de Aldo Pires de Godoy, Pedro Lopes, o comentário do saudoso Nilson Fabeni, Carlos Cruz e muitos outros.

O arquivo é um deleite para quem recorda destas jornadas esportivas cheias de contos saborosos de tempos áureos, artesanais do nosso rádio. Alguns detalhes, no entanto, merecem algumas linhas, como o obscuro Torneio de Independência da Malásia (Pestabola Merdeka, não rir do nome!), até hoje tradicional naquele país.

À época, o Brasil foi representado pela seleção da Federação Catarinense de Futebol, e saiu de lá como campeão numa grande campanha, vencendo a seleção de Gana na final por um inapelável 3 a 0. O gol narrado por Rodolfo foi o último daquele jogo final, anotado por Gersinho, craque do Figueirense.

A seleção catarinense na Malásia, para o Torneio de Independência (Pestabola Merdeka), em 1982. Abaixo, o então presidente da FCF, José Elias Giuliari, levanta o troféu de campeão, conquistado de forma invícta (JB Tellles/ND)

E mais: aos saudosos do grande BEC (como eu), tem gol de pênalti de Pastoril, tem gol do saudoso Albeneir, nos bons tempos do furacão do Estreito, a palavra de Nardela, grande ídolo do Joinville incontavelmente campeão nos anos 1980; gols da Copa de 1982 e o charme inigualável da antiga locução esportiva: velocidade, emoção em crescente, avaliações incisivas, a confusão do campo entre repórteres e jogadores, informação em cima do lance. Felizes éramos, não sabíamos.

Saudade? É, não viveremos mais os tempos de escretes esportivos do rádio como estes. Há quem tente, quase que artesanalmente, manter viva a chama das jornadas esportivas direto “da latinha”. No entanto, até eles olham ao passado com o semblante emocionado, tanto pelo saudosismo de tempos dourados quanto pela falta do motivador: um futebol forte de verdade na capital da cerveja.

Assim, ouvir um arquivo como este é uma volta no tempo misturada entre a dor do que não há mais e a saudade do que vivido foi. Tempos de rádio feito no braço, vozes inesquecíveis contando de nossas vitórias, tempos de que Blumenau era Brasil, o Brasil que, aos domingos, era futebol.

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