Dado saltou de 20 para 43 nos primeiros seis meses. Um dos mortos neste ano foi Alan Ferreira de Lima, atingido durante operação policial; família diz que ele morreu por engano. Santa Catarina registrou aumento de 115% nas mortes provocadas por policiais no primeiro semestre de 2023
Ricardo Wollfenbüttel /SECOM
As mortes cometidas por policiais civis ou militares em Santa Catarina aumentaram 115% no 1º semestre de 2023 em comparação ao mesmo período do ano passado. Entre 1º de janeiro e 30 de junho, foram 43 óbitos, contra 20 nos seis primeiros meses de 2022. As ocorrências são classificadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) como Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP).
Os números são os primeiros da gestão Jorginho Mello (PL) e mostram que o crescimento aconteceu após dois anos seguidos de queda.
A SSP, responsável pelos dados, informou que todas as mortes são investigadas e ressaltou que tem intensificado ações contra grupos criminosos que tentam se instalar no estado. O Ministério Público manifestou preocupação com o aumento de óbitos por parte das polícias (leia as notas abaixo).
Entre os mortos neste ano está Alan Ferreira de Lima. Com 21 anos, ele foi atingido com dois tiros de fuzil e dois de pistola dentro de casa durante uma operação policial na manhã de 30 de março.
A ação tinha como objetivo encontrar suspeitos que atiraram em uma ambulância e feriram dois bombeiros no dia 18 daquele mês. Quando o atentado aconteceu, Alan morava em Pernambuco.
Segundo o boletim de ocorrências no qual o g1 teve acesso, os policiais que participaram da ação afirmaram que Alan estava armado e reagiu com tiros à abordagem. A família contesta, disse que ele não tinha arma e que foi executado por engano.
“Diante dos laudos de perícia, o corpo foi encontrado no quarto, a arma que supostamente ele portava na mão foi encontrada na cozinha, na pia. A posição do corpo, os tiros, tudo leva a crer que realmente teve um erro”, disse o advogado Sidnei Galvão, que representa a família.
Alan chegou a Santa Catarina cinco dias antes de morrer e, conforme o defensor, se mudou para o estado buscando uma vida melhor. No dia em que houve a ação, a mulher dele e a filha bebê do casal, de 1 mês, estavam dentro da casa e retiradas pelos policiais.
A PM afirmou que o suspeito reagiu a abordagem utilizando uma arma. Alan foi atendido, mas morreu no local. A corporação foi perguntada sobre o envolvimento do cortador de cana no atentado e afirmou não ter informações acerca do efetivo envolvimento.
Ao todo, foram cumpridos quatro mandados de prisão e sete mandados de busca e apreensão. Três homens e uma mulher foram presos. Crack também foi apreendido na ação.
Além de um inquérito na Polícia Civil, concluído e encaminhado ao Judiciário em 25 de maio, a morte do homem é apurada em um Inquérito Policial Militar (IPM).
O Ministério Público também acompanha o caso, e em 23 de junho requereu que a tramitação fosse tratada como prioridade, “por se tratar, em tese, de crime violento letal intencional”. Os desdobramentos estão em sigilo e o g1 não teve acesso.
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Agência Catarinense de Notícias/Divulgação
A Polícia Civil foi questionada se o inquérito do órgão que investigou a morte apontou suspeitos e teve pessoas indiciadas. A reportagem também perguntou sobre as câmeras usadas pelos policiais na ação, mas as dúvidas não foram respondidas.
Chamadas de bodycam, os aparelhos não funcionaram na ação que terminou com a morte de Alan, segundo o advogado que representa a família. Os militares que participaram da operação relataram o mau funcionamento do equipamento, inclusive em um vídeo, segundo o Comando da Polícia Militar.
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O uso de câmeras individuais pelos policiais durante as ações é defendido como uma das medidas eficientes para a redução, segundo o presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Catarina, Guilherme Stinghen Gottardi. Além de reduzir casos de violência, a tecnologia auxilia na investigação e pode contribuir na produção de protocolos.
“Ajuda a garantir os direitos individuais dos cidadãos durante as abordagens e ações policiais, assim como preserva a transparência das operações e contribui para a produção de provas judiciais”, resumiu o advogado.
Integrante do Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e Intolerância (Necrim), o promotor Simão Baran acompanha os números das mortes provocadas em confrontos e destacou que além dos aparelhos é preciso que as organizações policias tenham maior cuidado com a saúde mental dos policiais e criem cada vez mais processos que possibilitem uma condição de trabalho melhor aos agentes.
Em todas as guarnições em operação ao menos um dos policiais está equipado. Estudos feitos no estado mostraram que o uso do equipamento reduz os índices de violência, além das mortes e já ajudou a esclarecer investigações.
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Aumento das mortes após 2 anos
A elevação de 20 mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) para 43 no 1º semestre de 2023 acontece no estado após dois anos seguidos de queda, segundo o balanço da SSP.
Em 2021, foram 40 mortes. No primeiro semestre de 2020, o total chegou a 62 casos (veja o gráfico abaixo). Todos os mortos foram homens, e a idade média deles é de 26 anos em 2022, e 28 anos em 2023.
Capital e Litoral Norte de SC
Segundo o promotor que acompanha os dados de Segurança Pública Simão Baran, os óbitos na Capital e na região do Litoral Norte chamam atenção, já que 27 das 43 mortes nos primeiros meses do ano aconteceram nas duas áreas.
Em um levantamento feito pelo promotor, entre janeiro até junho deste ano, por exemplo, é possível verificar que foram oito homicídios em Florianópolis. O número de mortes decorrentes de intervenção policial chegou a 11 na cidade.
“Esse dado traz preocupação. Você teve uma queda nos números de homicídios e as mortes por policiais só aumentaram, não acompanham a queda”, explicou o promotor.
Por conta dos números na Capital, o Necrim planeja iniciar um estudo para aprofundar os dados das MDIPs na Capital. O objetivo, segundo o promotor, é identificar o perfil das ações e quais guarnições responsáveis pelas atuações, por exemplo. Por fim, a iniciativa pretende criar uma articulação para aprimorar os protocolos e diminuir os índices.
Policiais civis e mortes fora do serviço
Os policiais mataram mais fora do serviço neste ano, e também houve aumento das mortes provocadas por policiais civis. No primeiro semestre de 2022 todas as 20 ocorrências foram provocadas por militares, sendo uma quando o agente estava fora do serviço.
Neste ano, quatro mortes foram provocadas por policiais civis, onde uma ocorreu quando o profissional não estava trabalhando. As outras 39 mortes neste primeiro semestre de 2023 aconteceram por policiais militares – sendo três fora do serviço.
O que dizem as entidades sobre o aumento
Procurada pelo g1, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) destacou que as polícias do estado são “reconhecidas pela alta capacitação técnica e doutrinadas para o uso moderado e progressivo da força”. O órgão também citou que vem mantendo operações contínuas de combate a grupos criminosos com inteligência e intervenções armadas.
A PM foi procurada pela reportagem para falar sobre o aumento, mas sugeriu que o tema fosse tratado junto à SSP. A Polícia Civil encaminhou a mesma nota enviada pela secretaria (leia a íntegra no fim do texto).
Em nota, a promotora Luciana Uller Marin, coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal do MPSC, garantiu que todos os casos são apurados “buscando a responsabilização dos agentes em eventuais casos de abuso” (leia a íntegra da nota no fim do texto).
Notas
“Sobre o aumento das mortes em confronto policial em Santa Catarina, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Santa Catarina (SSP-SC) informa que todas as mortes são apuradas em inquérito policial, peça investigatória que segue seu curso perante o Ministério Público e na sequência segue o regular trâmite Judicial. A SSP ressalta que as Polícias de Santa Catarina são reconhecidas pela alta capacitação técnica e doutrinadas para o uso moderado e progressivo da força.
Um outro aspecto é que as forças de Segurança Pública do Estado têm intensificado ações de prevenção e repressão aos grupos criminosos que lutam para se instalar em Santa Catarina e aumentado o número de cumprimento de mandados de prisão, assim como o monitoramento dos grupos criminosos em trabalhos de inteligência, haja vista a ocorrência de mortes violentas registradas entre disputas de facções do crime organizado, principalmente no Norte do Estado, nos primeiros meses deste ano.
Em que pese os confrontos no âmbito do crime organizado, toda a estrutura de Segurança Pública do Estado vem mantendo operações contínuas de combate à estes grupos criminosos através de ações na área da inteligência e mesmo intervenções armadas, que resultam em muitas prisões e apreensões de armas e entorpecentes.
Apenas a Polícia Civil, por exemplo, registrou nos seis primeiros meses de 2023 recorde no número de apreensões de drogas (+322% de apreensão de cocaína e +308% da apreensão de maconha) e recorde em operações policiais (+48,57% no número de mandados de busca e apreensão e +44,47% no número de mandados de prisões). A Polícia Civil prendeu, nos primeiros sete meses deste ano, 2.969 pessoas.
A SSP-SC informa ainda que a grande parte dos indicadores de criminalidade em Santa Catarina, que sempre preocuparam a sociedade, se mantêm em queda. Tais como, o número de latrocínios, o qual diminuiu 70% no Estado no primeiro semestre de 2023 em comparação com mesmo período do ano passado. Também o número de roubos, que diminuiu 18,4% no primeiro semestre de 2023 em comparação com o mesmo período do ano passado.
Salientamos que, nos primeiros meses de 2023, o governo de Santa Catarina já investiu mais de R$ 80 milhões em equipamentos para a segurança pública catarinense e autorizou abertura de concurso público para reforçar os efetivos das Polícias Militar e Civil.
Uma outra medida fundamental na área da segurança pública foi a recriação da Secretaria da Segurança Pública, ponto de destaque na reforma administrativa implementada pelo governador Jorginho Mello. A Secretaria tem atuado no sentido de planejar ações, diretrizes e prioridades no âmbito estratégico da área a fim de alcançar avanços consistentes, aglutinando forças na área da segurança pública de todo o Estado”.
O que disse o MPSC
“A Coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal do MPSC, Promotora de Justiça Luciana Uller Marin, informa que o Ministério Público atua regularmente no controle externo da atividade policial, missão que lhe incumbiu a Constituição Federal, buscando a responsabilização dos agentes em eventuais casos de abuso e incentivando práticas e iniciativas voltadas à realização de uma política criminal de Estado compromissada com os direitos humanos. Acrescenta que o aumento significativo do número de mortes decorrentes da ação policial nesse primeiro semestre vem sendo acompanhado com preocupação pelo Ministério Público, assim como o aumento da criminalidade, também significativo no mesmo período. Todos os 43 casos registrados estão sendo acompanhados pelo Ministério Público por seus Promotores de Justiça nos processos ou procedimentos investigatórios correspondentes”
*Colaborou: Leonardo Thomé e Morgana Fernandes
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