Lixo na Grande Belém: propostas e possíveis soluções para os resíduos

Estudos de impactos ambiental foram feitos para instalação de novo aterro em Bujaru, contrariando comunidade. Especialistas defendem que cidades invistam em educação ambiental e coleta seletiva. Descarte irregular de lixo é comum em diferentes vias de Belém
Valéria Martins/g1
Em menos de 1 mês, as prefeituras de Belém, Ananindeua e Marituba , na região metropolitana da capital, terão que decidir o que fazer com o lixo de 1,9 milhão de paraenses. Com o fim das atividades do aterro sanitário de Marituba previsto para 31 de agosto, cada setor envolvido com os resíduos sólidos na Grande Belém tem agido de uma forma e ainda não há decisões sobre o futuro. O consenso é entre especialistas e autoridades para que haja investimentos em coleta seletiva e educação ambiental.
Estudos de impactos ambiental foram feitos para que o novo aterro da região metropolitana de Belém seja instalado em Bujaru, município de 24, 3 mil habitantes e distante quase 90 quilômetros de Belém, cerca de 50 em linha reta. A possibilidade preocupa moradores de Bujaru incluindo comunidades quilombolas: “Os impactos ambientais seriam nocivos à nossa vida e à nossa pesca”, afirma uma liderança.
Para a Guamá Tratamento de Resíduos, que administra o aterro de Marituba, essa é solução em andamento: “Outra empresa do grupo empresarial, da qual a Guamá faz parte” enviou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semas) pedido de licença ambiental e aguarda análise. Procurada pelo g1, a Semas não informou o andamento da proposta e se há previsão.
Em paralelo, a prefeitura de Belém, cidade que produz a maior quantidade de resíduos enviados ao aterro sanitário, lançou licitação para concessão pública voltada à limpeza urbana da capital e também um novo aterro. Três consórcios de empresas chegaram a apresentar propostas, mas a licitação foi suspensa por uma liminar judicial essa semana. Para a gestão municipal de Belém, que está recorrendo da suspensão, a licitação pode “resolver o problema do sistema de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos na capital”.
No entanto, é consenso entre especialistas que não basta ter um local adequado para descarte de rejeitos: é necessário reciclar ao máximo e enviar o mínimo de resíduos ao aterro sanitário e isso é possível com educação ambiental da população. O mesmo defende o Ministério Público do Pará, autor de ações contra a empresa que administra o aterro de Marituba e os municípios da região, por falhas no funcionamento do local e de metas estabelecidas.
“Quem quer solução real para a questão dos resíduos sólidos tem que implementar a coleta seletiva”, defende a promotora Eliane Moreira, responsável pela 5ª Promotoria de Justiça de Marituba.
Esta é a terceira reportagem de uma série do g1 sobre a destinação dos resíduos sólidos na Grande Belém, as denúncias envolvendo o aterro de Marituba, a rotina difícil de moradores do entorno, as possíveis soluções envolvendo o lixo da região e como os cidadãos podem contribuir para destinação mais adequada de resíduos e com o meio ambiente.
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Tratativas para novo aterro em Bujaru
Segundo a Guamá, a iniciativa de procurar locais para viabilizar estudos de possíveis novos locais de aterros legalizados em Belém partiu da própria empresa diante do prazo estabelecido pela Justiça para que o aterro de Marituba deixe de receber resíduos: fim de agosto de 2023. A estimativa é que o aterro de Bujaru custe R$ 50 milhões, com vida útil de aproximadamente 30 anos, podendo processar 18 milhões de toneladas de resíduos.
“Ao ver que as prefeituras a curto prazo não têm solução para destinação dos seus resíduos e que esse prazo está se esgotando, a própria Guamá, como oportunidade de negócio e uma decisão empresarial, obviamente, buscou uma nova área”, afirma Reginaldo Bezerra.
A intenção é que a unidade em Bujaru possa receber resíduos domésticos, de construção civil e hospitalares e atender mais cidades e quantidade de resíduos maior do que atualmente o aterro em Marituba comporta. Além de Bujaru, o local deve ter capacidade para atender Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Izabel do Pará e também Castanhal, segundo Reginaldo Bezerra, diretor de negócios da Guamá.
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Adelson Albernás/TV Liberal
A solução, apresentada por uma empresa privada, não foi bem recebida pelos habitantes de Bujaru e municípios da redondeza. Em 5 de agosto de 2022, manifestantes interditaram parte da rodovia PA-483, chamada Alça Viária – relembre no vídeo abaixo.
Moradores bloqueiam Alça Viária, na RMB, em protesto à implantação de aterro sanitário
Para o presidente da Federação dos Povos Quilombolas e Populações Tradicionais da Amazônia, uma das lideranças que organizou o protesto na rodovia PA-483, a instalação de um aterro em Bujaru prejudica a vida de modo geral.
“Esse aterro vai afetar nosso plantio. Nosso ambiente já está prejudicado atualmente por conta de um lixão no km 4 da Alça Viária. O chorume do novo aterro pode descer para os nossos rios e nós quilombolas e ribeirinhos estamos preocupados”, afirma Edson Andrade.
Na visão da liderança quilombola, a solução para o problema seria cada município cuidar dos seus resíduos.
“A solução é cumprir a legislação. Já foi criada a legislação determinando a proibição de lixões e a contração de fornos para incinerar os resíduos. Cadê os recursos destinados a essa questão? É necessário uma implantação mais adequada e consistente da coleta seletiva. A maioria dos municípios não têm coleta seletiva”, pontua Edson Andrade.
De acordo com o diretor de negócios da Guamá, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) fez uma inspeção in loco na área onde pode ficar o aterro em Bujaru.
“A Semas deu uma permissão prévia, mas ainda não é o processo de licenciamento. A Secretaria emitiu o termo de referência em fevereiro de 2022 [para a empresa fazer os estudos de impacto] e nós contratamos o EIA/RIMA [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental]”, explica Reginaldo Bezerra. Segundo a Semas, o Termo de Referência auxilia na produção de estudos ambientais para determinar a abrangência, os procedimentos e os critérios para a elaboração do EIA/RIMA.
Apesar do município de Bujaru ser o único que passou por um estudo de viabilidade técnica, outras áreas foram pesquisadas. Em julho de 2021, a empresa Revita Engenharia Sustentável (parceira da Guamá na administração do aterro de Marituba) enviou à Semas uma carta consulta para verificação de licenciamento.
O documento apresentava informações sobre três áreas avaliadas: Bujaru, Acará e em Marituba, todas no nordeste do Pará. A carta dizia que apenas a fazenda Guajará, em Bujaru, localizada nas intermediações do km 20, da rodovia PA-483 (Alça Viária), tinha viabilidade técnica.
Segundo o documento, o empreendimento em Bujaru pode receber aproximadamente 1.600 toneladas por dia de resíduos classe II (que não apresentam em suas composições características consideradas perigosas). O volume é superior ao recebido em Marituba, que recebe atualmente em média 1.300 ton/dia.
Sabendo das tratativas em andamento pela empresa privada e da insatisfação da comunidade, em agosto de 2022 a Câmara Municipal de Bujaru aprovou um Projeto de Lei (PL) proibindo o município de receber resíduos sólidos proveniente de outras cidades. A medida foi sancionada pelo prefeito Miguel Junior (MDB) ainda em 2022.
A aprovação da lei ocorreu após uma mobilização por parte das comunidades tradicionais que vivem no entorno do terreno que pode receber o aterro, afirma Diogo Almeida, secretário de Meio Ambiente de Bujaru.
“Quando falamos desse novo aterro não estamos falando de um aterro para o município. Estamos falando de um tratamento de resíduos de toda a Região Metropolitana de Belém no nosso território. Isso é um quantitativo muito grande”, questiona Diogo Almeida.
Bujaru é um dos municípios do Pará que joga os resíduos em um lixão a céu aberto. Após a aprovação do PL na Câmara, os gestores querem também aprovar um plano municipal de resíduos sólidos.
O secretário de Meio Ambiente diz que não há nenhum vínculo da Guamá com Bujaru em relação à documentação. Segundo ele, o local proposto pela empresa está à margem de igarapés e de nascentes. “Nosso posicionamento é que não somos favoráveis à instalação naquele local”.
Em agosto de 2022, a Semas informou ao g1 que não havia processo de licenciamento em andamento para aterro em Bujaru. A reportagem voltou a procurar a Secretaria para saber sobre o pedido feito pela empresa e quais tratativas estão sendo tomadas pelo Estado para a questão dos resíduos na Grande Belém, mas não teve retorno.

Nós somos favoráveis a um consórcio dentro de nossos municípios confinantes, porque vamos ter um quantitativo muito menor de resíduos e vamos poder ter um controle”, explica.
O consórcio regional na qual fala o secretário envolveria três municípios do nordeste do estado: Bujaru, Concórdia do Pará e Acará. Mas Diogo Almeida avalia que essa iniciativa só seria possível se outras medidas forem tomadas conjuntamente.
“Vejo como futuro que cada município se adeque o mais próximo das políticas nacionais. Que cada um consiga cuidar dos seus resíduos, investir em coleta seletiva e em educação ambiental para, posteriormente, os municípios que são confinantes, poderem fazer política regionais e tentar implementar um aterro sanitário”, afirma.
Por parte do Ministério Público do Pará, este cenário só reforça que as prefeituras dos três municípios envolvidos no Aterro de Marituba não têm respostas concretas para o destino futuro dos seus resíduos sólidos.
Para o MP, as prefeituras não podem pretender que uma empresa privada resolva uma questão de responsabilidade pública.
“Não cabe às prefeituras se valerem de qualquer projeto de uma empresa privada, seja ele qual for, para resolver um problema que é de saneamento público. Os municípios não podem pretender que a solução seja dada por um ente privado. Cabe aos municípios a gestão sobre os resíduos sólidos”, afirma Eliane Moreira.
A responsável pela 5ª Promotoria de Justiça de Marituba diz que não é proibido que uma empresa solicite um licenciamento e que procure outros municípios. Porém, Eliane pondera que se apoiar em uma empresa que quer abrir um processo de licenciamento, e tratar isso como solução, é um equívoco por parte dos três municípios da Grande Belém.
“As soluções das questões envolvendo os resíduos sólidos urbanos perpassam pela vontade política dos gestores públicos: os prefeitos de Belém, de Ananindeua e de Marituba”, afirma.
A promotora fala que não adianta a sociedade olhar para um aterro sem antes olhar para a coleta seletiva. Segundo ela, é importante que a demanda de resíduos seja tão pequena a ponto de ser mais fácil gerir um aterro.
“Não adianta apenas ter um lugar onde despejar resíduos. Antes dos resíduos chegarem ao aterro. o município tem que ter coleta seletiva eficiente. O descarte é a última alternativa, mas os municípios têm utilizado como se fosse a primeira”, explica.
Em Belém, dados da composição dos resíduos sólidos urbanos mostram que 25,94% dos materiais produzidos são formados por elementos recicláveis; 22,72% por entulhos e rejeitos; e 51,34% por resíduos orgânicos.
Os dados fazem parte de uma pesquisa produzida por Fernando Ramos sobre um plano de reciclagem de resíduos sólidos para o município de Belém. O especialista em gestão pública afirma que não adianta 1⁄4 do lixo ser formado de materiais recicláveis se não não há cultura da reciclagem.
“Quando não há política pública estruturada, tudo vira rejeito [aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado]”, enfatiza.
Dados apresentados pela administradora do aterro mostram que com base no volume de resíduos recebidos, estimado em aproximadamente 1.300 toneladas/dia, cerca de 100 toneladas/dia são de materiais recicláveis, que atualmente estão sendo enterrados.
Divididos por municípios, Belém poderia estar aproveitando 70 toneladas/dia de recicláveis, Ananindeua 20 toneladas/dia e Marituba 10.
O Ministério Público também entende que o nível de reciclagem pouco avançou na capital paraense. A procuradora Eliane Moreira amplia a responsabilidade sobre a situação atual ao dizer que a coleta seletiva é irrisória para a demanda existente nos três municípios.
“Basta ver que ao longo dos 10 anos ou 5 últimos anos não houve redução substancial da remessa de resíduos ao aterro. É a maior prova que não teve implementação efetiva de coleta seletiva. Os municípios continuam mandando a mesma quantidade de resíduos. Bom lembrar que qualquer aterro pressupõe a existência de coleta seletiva”, afirma.
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