‘Ultrapassa o físico’: entenda por que autodenominação de quilombolas vai além do território

Apesar de ter 158 habitantes pertencentes ao grupo, Campinas não possui quilombos. Primeira quilombola mestre da Unicamp destaca que conceito está ligado à ancestralidade. Maíra Silva, quilombola doutoranda em geociências pela Unicamp
Maíra Silva/Arquivo pessoal
“O quilombo está onde o quilombola está”. É assim que Maíra Rodrigues da Silva, quilombola e doutoranda em geociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), define a territorialidade do grupo identificado pela primeira vez nos questionários do Censo 2022.
Nascida na comunidade Ivaporunduva, na região do município de Eldorado (SP), Silva reside na metrópole há 13 anos e foi a primeira quilombola mestre da Unicamp. Ao g1, ela destacou que ser quilombola “ultrapassa o físico” e está profundamente ligado à ancestralidade.
“A gente luta pela terra, pela floresta em pé, pelas águas. A nossa territorialidade ultrapassa o físico, o quilombola está em outros lugares. Estar em um território urbano, em outro município, em outro local, também faz parte da nossa territorialidade”, afirma.
À luz desse conceito, o Censo registrou 158 habitantes autodenominados quilombolas em Campinas, apesar de a cidade não possuir nenhum quilombo. Silva destaca que a autodenominação é possível porque o grupo é identificado, principalmente, a partir da manutenção de tradições.
“Ser quilombola tem relação com os saberes ancestrais dos descendentes africanos que foram escravizados e lutaram pelo território livre, que são os quilombos. Ser quilombola é estar sempre na luta dessa manutenção das tradições, mas não necessariamente só no território”, detalha Silva.
Maíra Silva, doutoranda em geociências pela Unicamp, em laboratório
Maíra Silva/Arquivo pessoal
‘Dia simbólico’
Pela primeira vez na história, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu nos questionários perguntas para identificar pessoas que se autodenominam quilombolas, trazendo dados inéditos sobre a população no Brasil.
Pela definição do IBGE, quilombolas são grupos étnico-raciais que têm trajetórias históricas e relações com o território próprias, “com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
Para Maíra Silva, a inclusão dos quilombolas no Censo 2022 faz desta quinta-feira (27), data em que o levantamento foi divulgado, um “dia muito simbólico”. A partir de agora, os dados podem ajudar a trazer visibilidade e nortear políticas públicas destinadas à população quilombola.
“Os quilombos ajudam na construção do território brasileiro há cinco séculos e eles sempre foram invisibilizados. Os territórios quilombolas eram vistos sempre como lugares de muito conflito, justamente porque eram locais onde os negros estavam disputando a coisa mais importante pra gente, que é a terra”, explica.
Cenário regional
O Censo 2022 revela que Campinas concentra a maior população descendente de quilombos da região, com 158 habitantes. A metrópole é seguida por Hortolândia (SP), com seis pessoas contabilizadas, Sumaré (SP) e Valinhos (SP), com cinco habitantes quilombolas cada.
População quilombola na região de Campinas (SP)
Ao todo, o Brasil possui 1.327.802 quilombolas, o que corresponde a 0,65% da população total. O Nordeste é a região que concentra a maior quantidade de habitantes quilombolas, com 905.415 pessoas, correspondendo a 68,19% de todo o grupo.
“A visibilidade das pessoas quilombolas nas estatísticas oficiais é uma condição necessária para o desenvolvimento e condução de políticas públicas aderentes às necessidades e garantia de seus direitos, conforme preconizado nas recomendações internacionais, nos dispositivos legais e compromissos assumidos pelo Brasil ante a agenda internacional”, destaca o instituto.
Recenseadoras visitam domicílios durante Censo 2022
Helena Pontes/Agência IBGE Notícias
Censo do IBGE
O Censo é uma pesquisa realizada pelo IBGE para fazer uma ampla coleta de dados sobre a população brasileira. Ela permite traçar um perfil socioeconômico do país, já que conta os habitantes do território nacional, identifica suas características e revela como vivem os brasileiros.
Todos os 5.568 municípios brasileiros, mais dois distritos (Fernando de Noronha e Distrito Federal), num total de 5.570 localidades, receberam visita de recenseadores. Segundo o IBGE, foram visitados 106,8 milhões de endereços em 8,5 milhões de quilômetros quadrados.
Foram respondidos 79.160.207 questionários, dos quais 88,9% com 26 quesitos e 11,1% com 77 quesitos. No total, 98,88% das entrevistas foram presenciais; o restante foi pela internet ou telefone.
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