Representantes dos Direitos Humanos cobram respostas sobre mais de 80 assassinatos em Palmas desde o início do ano

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia do Núcleo Tocantins enviaram documento para que Conselho Nacional de Direitos Humanos investigue o aumento das mortes de jovens negros em Palmas. Entidade pretende encaminhar representação para forças de segurança locais. Registro de um assassinato na região sul de Palmas
Cintia Ribeiro Portilho/TV Anhanguera
Entidades ligadas aos Direitos Humanos do Tocantins enviaram um documento para o Conselho Nacional de Direitos Humanos pedindo que o órgão investigue o aumento de assassinatos de jovens negros em Palmas. A ação foi protocolada esta semana. O objetivo é buscar o monitoramento nacional que existe dentro das organizações desses movimentos.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins informou que a ligação dos homicídios com disputa de organizações criminosas é baseada no trabalho investigativo da Polícia Civil. Afirma, ainda, que não tem medido esforços para responsabilizar os autores desses crimes. (A nota completa está ao final desta reportagem.)
O g1 procurou a Polícia Militar e ainda aguarda o posicionamento da corporação.
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No documento, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia do Núcleo Tocantins (ABJD), que assina a representação, alega que não tem encontrado respostas sobre a crescente onda de homicídios que vem ocorrendo neste primeiro semestre em Palmas. A Associação destaca o perfil das vítimas, em maioria pobre, negra e que mora em periferias da capital.
De acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública do Tocantins, (SSP), foram registrados 83 assassinatos em Palmas de janeiro deste ano até esta quinta-feira (15). O número é três vezes maior que o mesmo período do ano passado, quando a capital registrou 27 homicídios. Somente no mês de maio, a SSP registrou 25 assassinatos na capital.
Em nota, a SSP informou que os dados disponibilizados pela própria pasta podem sofrer alterações com o aprofundamento das investigações.
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O que chama a atenção da ABJD é o perfil das vítimas, como o g1 vem retratando. A coordenadora da Associação, Graziela Reis, destaca a importância desse questionamento e monitoramento para a promoção da igualdade e da paz na cidade.
“A comunidade palmense se encontra em perplexidade, considerando os altíssimos e crescentes índices de mortes de jovens pretos ou pardos. Discute-se o papel do Estado frente a esses casos, em especial, para se apurar como está a condução dessas investigações. Como são casos tão impactantes, com vidas ceifadas tão prematuramente, sendo essencial à Democracia à proteção da vida e da dignidade humana, faz-se necessário apurar dados mais objetivos sobre as circunstâncias dessas mortes, sobre a apuração das autorias desses crimes e, sobretudo, pensar políticas de prevenção e enfrentamento a esta triste realidade”, ressalta a jurista.
O documento alega que há “falência das políticas públicas de segurança para esses extratos da população”. Mais de 60% das mortes registradas são de moradores de regiões carentes. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que o perfil das vítimas é uma realidade nacional histórica em todos os estados e que a mudança dessa realidade demanda envolvimento de todas as esferas públicas.
A assistente social e representante do Coletivo Nacional de Juventude Negra (Enegrecer), que também assina o documento, Naiara Cardoso dos Santos Mascarenhas, destaca que o combate da situação não se dá apenas com mais policiamento nas ruas, mas da união de várias frentes do poder público.
A gente só pode combater isso se a gente fizer um esforço conjugado do poder público em várias frentes para diminuir essa identificação dos jovens com o crime organizado. Tem que diminuir a situação de encarceramento da população, pois quanto mais população encarcerada, mais facções vão ter. Deve existir políticas de cultura, de educação, de entretenimento e de lazer nas preferias. Hoje a gente vê que a maioria dos pontos de lazer estão concentrados no centro da cidade e isso reflete uma situação de segregação espacial. A gente deve reativar nas nossas juventudes o sonho por uma carreira profissional, por uma carreira artística, algo que lhes dê reconhecimento e poder fora dessa visão da criminalidade. Tudo isso são medidas importantes para diminuir essa situação de violência urbana. Quando a gente tem uma juventude que é valorizada, participativa, que tem acesso à cultura, lazer e educação, a gente vê que essa juventude contribui mais com a sociedade e essa sociedade acaba sendo mais justa racialmente e socialmente
De acordo com o documento, esses casos continuados podem colocar o Brasil como violador da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Portanto, a Associação defende que “cabe ao Estado formular e implementar políticas públicas aptas a resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal, atuando especialmente na seara preventiva e sem violar os direitos fundamentais da população”
Mapa mostra assassinatos em Palmas entre 1º de janeiro e 15 de maio
Arte g1
A Associação pede que a SSP informe às autoridades responsáveis quais providências tem tem tomado para prevenir novos crimes, além de apurar os já ocorridos com a responsabilização dos autores. A SSP-TO afirma que realiza trabalho contínuo de combate a crimes, com operações que resultaram em diversas prisões. Reforça, ainda, que tem buscado dialogar com as outras secretarias e com a sociedade civil para debater políticas públicas que promovam as melhorias nas regiões afetadas pela criminalidade.
Encaminhamentos
A ABJD pede ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos que tome providências “para a efetivação das políticas de segurança pública necessárias à interrupção da onda de violência e homicídios na capital”. Solicita, ainda, que “promova missão em Palmas, com a abertura de um procedimento de apuração, a fim de acompanhar as providências tomadas, bem como incidir nelas a partir de uma perspectiva de defesa dos direitos humanos, com relatórios acerca do real quadro de criminalidade que abate jovens negros e periféricos na capital”.
Assim como foi solicitado no documento, está prevista uma audiência pública para a próxima sexta-feira (23), na sede do Ministério Público. Com o tema “Políticas públicas em segurança pública e o combate aos altos índices de homicídios”, o evento vai reunir os órgãos do sistema de segurança, conselhos comunitários, organizações não governamentais e demais interessados.
O que diz a SSP
A Secretaria da Segurança Pública do Tocantins destaca que é importante esclarecer que os dados disponíveis na plataforma de estatísticas, de fácil acesso aos órgãos de imprensa, são alimentados com base nos boletins de ocorrência. Ou seja, dizem respeito a informações preliminares de cada ocorrência. Dados esses que podem sofrer alterações com o aprofundamento das investigações.
Assim, a afirmação de que parte dos crimes de homicídios, ocorridos ao longo deste ano na região da sul de Palmas, supostamente tem ligação com a disputa de poder entre as organizações criminosas, é baseada no trabalho minucioso investigativo da Polícia Civil e análise das inteligências das forças de segurança do Estado. Portanto, não é uma afirmação falsa.
Quanto ao perfil das vítimas (pretos ou pardos e periféricos), essa, infelizmente, é uma realidade nacional histórica, vivenciada em todos os estados brasileiros. A mudança dessa realidade, ultrapassa as atribuições das forças de segurança, demanda um envolvimento maior de todas as esferas públicas, das mais diversas áreas.
Quanto à elucidação dos casos, a Secretaria da Segurança Pública reitera que a Polícia Civil não tem medido esforços para responsabilizar os autores desses crimes de homicídios que, por sua natureza, têm um caráter complexo, e demandam um tempo maior de investigação, desde a abertura até a conclusão do inquérito policial.
Sobre as medidas adotadas para o enfrentamento da violência na Capital, a SSP-TO reitera que realiza um trabalho contínuo de combate aos diversos tipos de crimes. No que diz respeito à ocorrência de homicídios, a SSP-TO fortaleceu as delegacias especializadas (1ª DEIC, 1ª Denarc e 1ª DHPP), que ao longo do ano vêm realizando operações que resultaram em diversas prisões de suspeitos de homicídios, bem como de indivíduos ligados ao crime organizado no contexto do tráfico de drogas. Todas essas operações são de conhecimento público e foram amplamente divulgadas pelos veículos de imprensa.
Vale ressaltar que o reforço nessas unidades permanece, bem como a integração com as demais forças no sentido de restabelecer a paz e garantir uma cidade mais segura para seus moradores.
Por fim, no contexto do enfrentamento da violência, a SSP-TO tem buscado o diálogo com as demais pastas e a sociedade civil para debater políticas públicas que promovam melhorias nos setores afetados com a criminalidade, garantindo aos jovens oportunidades de emprego, educação, saúde e lazer.
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