Casal revela trauma após ser acusado de furtar air fryer em shopping no litoral de SP: ‘sentimento de angústia’

Funcionários de uma loja pediram a devolução do eletrodoméstico na presença de um segurança. O casal havia passado pelo local para checar preços, mas comprou o eletrodoméstico em outro estabelecimento, no mesmo centro comercial. Casal é vítima de racismo e acusado de furtar air fryer em shopping de Praia Grande, SP
O casal que foi acusado de furtar uma air fryer e que alega ter sido vítima de racismo em um shopping de Praia Grande, no litoral de São Paulo, contou que o eletrodoméstico era um objeto de desejo para equipar o imóvel que, desde o ocorrido, está mais silencioso, segundo o comerciante Marcos dos Santos. Ao g1, ele revelou, neste sábado (17), que tem se sentido angustiado pelo que viveu, e lamentou toda a situação apontada como: “bem chata e desagradável”.
“Essa air fryer era algo que a gente sempre quis ter. Como a gente casou recentemente, e não tem muito tempo que estamos morando juntos, seria uma grande realização. Agora, toda vez que for usar [o aparelho] vou lembrar do acontecido”, disse Marcos dos Santos.
O comerciante disse que nunca imaginou ser acusado de furtar uma fritadeira elétrica. A situação vivida ao lado da mulher, de acordo com ele, desenvolveu um trauma. Dias após o ocorrido, contou ter sentido angústia ao voltar a pisar no shopping para ir ao cinema.
“A todo momento eu olhava para os cantos e tentava não expressar nenhum tipo de reação. [Estava] com medo de acontecer alguma coisa novamente. Fico receoso mesmo sabendo que não fiz nada de errado. É um sentimento de angústia dentro de mim”, disse o comerciante.
Mais calado
Marcos relembrou com tristeza a forma como diz ter sido tratado pela Polícia Militar durante o registro da ocorrência. “[A gente] espera que as autoridades ajudem em um momento como esse, mas não foi o que aconteceu […]. Se não estivéssemos com a nossa advogada seria ainda pior, pois foi ela quem respondeu ao policial no momento em que ele fez algumas perguntas inconvenientes”.
O comerciante contou que tem ficado mais calado desde que foi acusado de furto. “A Americanas em nenhum momento entrou em contato conosco. O único pedido de desculpas foi no dia do ocorrido”. Ele acrescentou que a atitude só foi tomada após ter ligado para a polícia.
A advogada que representa o casal, Ana Paula Marques, disse ao g1 que uma das lojas recebeu a notificação extrajudicial encaminhada por ela e está prestando auxílio. As filmagens já foram inclusive disponibilizadas por e-mail.
Entenda o caso
O casal foi abordado dois funcionários das Lojas Americanas e pelo segurança do Litoral Plaza Shopping no estacionamento por volta das 18h30 do dia 8 de junho. Eles haviam consultado o preço da air fryer no estabelecimento e, depois, foram a um supermercado atacadista do mesmo centro de comercial, onde a sogra de Ângela da Silva Soares comprou o aparelho e os deu presente.
“A gente até fez vídeo [da compra] porque a gente tem uma loja e, de vez em quando, postamos o nosso dia a dia e até falamos [para os seguidores] que lá estava mais em conta, em promoção”, disse Ângela.
Segundo a comerciante, o casal saiu do supermercado com a caixa da air fryer em mãos e a nota fiscal da compra. Eles retornaram às Lojas Americanas para olhar sanduicheiras que estavam na promoção. “Quando a gente chegou lá, a funcionária informou que a sanduicheira que a gente queria não era a mesma que estava na promoção. Então, a gente não efetuou a compra”.
Casal foi vítima de racismo e acusado de furtar air fryer de loja de departamentos em shopping de Praia Grande (SP)
Arquivo Pessoal
O casal saiu da loja e foi em direção ao estacionamento para guardar a fritadeira elétrica no carro e voltou para o shopping para procurar formas de silicone. “Meu marido percebeu que tinha um rapaz da Americanas olhando para ele, comentou comigo e falei que deveria ser impressão”.
Eles efetuaram a compra [das formas] e assim que saíram do shopping perceberam que o funcionário da loja de departamentos continuava a olhar e conversava com um dos seguranças.
“Quando chegamos na faixa de pedestres [do estacionamento], fomos abordados por dois funcionários das Lojas Americanas junto com um segurança do shopping. O rapaz da Americanas falou para meu marido: ‘Você pegou uma air fryer da loja. Tem como devolver?”.
A comerciante perguntou ao funcionário se ele não a viu entrando no estabelecimento com a fritadeira. Em seguida, ela disse ter começado a chorar. “Estava nervosa. Meu marido falou que estava com a nota, que pagou pela air fryer e ele [funcionário] estava me acusando pelo o que não fiz”.
Ângela disse que ficou nervosa com a situação e que algumas pessoas que presenciaram o ocorrido tentaram acalmá-la. Ela ligou para uma amiga, que é advogada, e a orientou a chamar a polícia e aguardá-la no local.
Casal apresentou nota fiscal para funcionários da Americanas e segurança do shopping para comprovar que pagou por fritadeira elétrica em Praia Grande, SP
Arquivo Pessoal
Descaso na ocorrência
Após 15 minutos, a advogada Ana Paula Marques chegou no shopping. Ângela diz que precisou ligar mais duas vezes à polícia até que dois policiais foram até o local. “Um veio escutar a gente e o outro foi lá dentro escutar o rapaz [funcionário]”.
Segundo ela, o policial que coletou o depoimento do casal questionou o motivo de eles não terem pagado R$ 0,20 na sacola do atacadista. “Ele começou a colocar isso em questão como se a gente tivesse forçado a situação a acontecer, feito de propósito para o rapaz vir abordar a gente”.
Ângela disse que o mesmo policial descartou que ela havia sido vítima de racismo. “O outro [policial] veio de dentro do shopping e falou ‘Nossa, que situação chata vocês passaram. O menino errou, assumiu o erro dele’. Mas, o policial estava olhando torto como se quisesse brecar o que ele estava falando”, relembrou.
Segundo ela, o mesmo policial que descartou o racismo teria se recusado a registrar a ocorrência, que foi assumida pelo outro colega de trabalho. “Ainda bem que eu estava com minha amiga [advogada]. Não ia saber como agir nesse momento”. Na delegacia, ela contou ainda que o delegado ouviu a versão apresentada por eles e disse que não caberia como crime de racismo.
Ângela encaminhou uma foto com a air fryer após a compra no supermercado atacadista para a sogra, que presenteou o casal com o objeto
Arquivo Pessoal
Danos morais
A advogada afirmou que entrou com um processo cautelar de antecipação de provas contra a Lojas Americanas, uma outra loja do estabelecimento e o Shopping Litoral Plaza, com objetivo de obter imagens das câmeras onde registraram a situação.
“A ação de indenização de danos morais está sendo inscrita e irei entrar com processo cível de indenização por danos morais e no criminal, pois é nítido que houve um caso de racismo e é necessário ampla divulgação para que casos como esse não se repitam nunca mais”, disse a advogada Ana Paula.
Lojas Americanas
Em nota, a Americanas informou que repudia qualquer abordagem que não esteja de acordo com seu Código de Ética e Conduta, disse que está apurando o ocorrido para tomar as devidas providências, e que realiza constantemente treinamentos com foco na capacitação de seus associados e prestadores de serviço, de forma a reforçar as melhores práticas e comportamentos adequados para todos os tipos de situações.
Polícia Militar
O g1 entrou em contato com a Polícia Militar sobre a conduta do policial durante o atendimento da ocorrência, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informou que o 2º Distrito Policial (DP) de Praia Grande investiga o caso, e que a equipe realiza as oitivas das partes envolvidas na ocorrência visando ao esclarecimento dos fatos.
A reportagem também tentou contato com o Shopping Litoral Plaza, mas não recebeu retorno.
Caso ocorreu no Shopping Litoral Plaza em Praia Grande, SP
Litoral Plaza Shopping
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