Educação financeira nas escolas pode mudar o panorama econômico no futuro

Carlos Castro, planejador financeiro CFP® pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro, fala sobre a importância de aprender sobre o valor do dinheiro no tempo. Inteligência Financeira
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O Banco Central (BC) divulgou o estudo “Efeitos de longo prazo na educação financeira em escolas brasileiras”. Os resultados apresentam fortes indícios de que o ensino de educação financeira para jovens em fase escolar impactou positivamente a relação deles com o dinheiro uma década depois. Nesta entrevista, Carlos Castro, da associação Planejar, fala sobre como ensinar às crianças a cultura da poupança e do investimento para que, no futuro, o país diminua seu índice de pessoas endividadas, que atualmente está em 70%.
Carlos Castro.
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1. Por que não somos um país acostumado a falar sobre educação financeira com as crianças?
Por várias razões, especialmente ligadas ao núcleo familiar. Os adultos de hoje, assim como seus pais, viveram a realidade da hiperinflação. Naquele contexto, era impossível pensar em planejamento. Como o dinheiro perdia poder de compra diariamente, as pessoas corriam para consumir e, em última análise, para sobreviver. Essa cultura acabou se disseminando nas gerações posteriores e é difícil para muita gente separar o hoje do amanhã e consumir de modo inteligente.
2. A partir de que idade é possível abordar o tema, mesmo que de forma lúdica?
Não é possível cravar uma idade para começar a falar sobre dinheiro, mas o assunto deve evoluir naturalmente na vida da criança. A questão da recompensa é um ótimo ponto de partida para isso. Quando a criança descobre que para ganhar algo precisa despender de algum esforço, começa a entender a relação de troca que ocorre na vida profissional e, consequentemente, passa a mensurar o valor do dinheiro de modo um pouco mais realista.
Vale destacar que a educação financeira, diferentemente do que muitos imaginam, tem a ver com ensinar a lidar com escolhas sobre consumir hoje ou guardar para amanhã; entre querer algo e poder obtê-lo. Por isso, tudo o que se dá sem a necessidade de contrapartida [troca], como um presente, pode levar a criança ao entendimento de que bens são fáceis de se conquistar, não demandando esforço. No limite, isso pode afetar a maneira como os adultos do futuro irão enxergar o consumo.
3. Qual é o papel da escola no processo de educação financeira?
Fundamental, porque nos núcleos familiares ainda há uma cultura de imediatismo, herança do período hiperinflacionário. O ponto de atenção é que educação financeira é mais do que ensinar matemática ou o valor do dinheiro com juros compostos. Explico. Todos sabem, como regra de ouro, que é preciso gastar menos do que se ganha. No entanto, o Brasil tem 70% da sua população endividada, evidenciando que as contas da grande maioria das pessoas não fecham. E isso ocorre há décadas. Por essa razão, defendo que a educação financeira é sobre aprender a lidar com as escolhas, entendendo que elas têm um preço. É aprender a definir objetivos de vida e saber trabalhar escolhas de curto, médio e longo prazo. Para que de fato o Brasil seja um país economicamente educado, é preciso trabalhar o comportamento financeiro.
4. Que aprendizados os países desenvolvidos podem nos trazer quanto ao uso consciente do dinheiro?
Quando eu falo sobre educação financeira, gosto de usar o termo letramento financeiro, um conceito popular nos países mais desenvolvidos. Esse letramento, tão difundido lá fora, é em grande medida a consequência de uma educação formal de qualidade. Isso nos leva a deduzir que enquanto nossa educação for deficitária, a educação financeira da população também será.
5. Que resultados de curto, médio e longo prazo podem ser conquistados por aqueles que aprendem a usar bem o dinheiro desde cedo?
De acordo com o Banco Mundial, a cada 100 brasileiros economicamente ativos, ou seja, que estão produzindo renda, cerca de 11% conseguem guardar dinheiro. Só 1% é capaz de poupar o suficiente para se tornar financeiramente independente. Ao mesmo tempo, estamos vivendo mais. O que se questiona é como estará a vida financeira das pessoas nesse novo cenário em que a idade produtiva começa a cair. As pessoas ainda não se deram conta de que o Estado, por meio da Previdência Social, não conseguirá oferecer estabilidade financeira para a população, especialmente porque o custo de vida delas tende a aumentar, sobretudo por conta de gastos médicos. Assim, quanto antes trouxermos às crianças e aos adolescentes a consciência de que a vida financeira precisa ser mais bem administrada, maiores chances eles terão de se transformarem em catalizadores da mudança na forma como as pessoas lidam com o dinheiro.
6. É possível definir o que é usar bem o dinheiro?
É uma pergunta não tão simples de se responder, mas vou dar alguns parâmetros. Paradoxalmente, queremos ter dinheiro para gastar, ou seja, viver bem, mantendo determinado padrão de vida de modo ininterrupto. E esse é o grande desafio: como manter os custos desse padrão de vida, seja ele qual for. Devemos enxergar o dinheiro exatamente como a ferramenta que nos proporcionará isso. Para tal, ele precisa ser bem administrado. Desse modo, usar bem implica em saber fazer boas escolhas. Por exemplo, escolher ou não fazer uma compra por impulso, tendo a consciência financeira de que aquela compra poderá impedir o consumo de algo no futuro.
7. Que dicas você dá para os jovens que querem aprender a usar o dinheiro de forma consciente e a investir melhor?
A principal dica é entender como funciona o valor do dinheiro no tempo. Ou seja, que se pode escolher entre poupar para comprar um objeto à vista e com desconto, ou usar um crediário, pagando juros pelo mesmo bem. O jovem precisa começar a entender a importância de poupar para consumir à vista e pedindo desconto. Aprendendo a lidar com isso, quando ele for pensar em crédito vai ter muito mais consciência de que esse recurso deve ser usado para construir um patrimônio, não para o consumo.
8. Para você, inteligência financeira é…
Saber fazer escolhas que me permitam viver bem hoje e amanhã.
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