Viradouro campeã: Dangbé, vodum, arroboboi… g1 explica o enredo do tri no carnaval carioca

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Vermelha e Branca de Niterói chegou ao 3º título falando sobre uma serpente mítica cultuada no Noroeste da África. Viradouro: veja os melhores momentos do desfile da escola
A Unidos do Viradouro chegou ao 3º campeonato de sua história com um desfile sobre Dangbé, uma serpente mística cultuada no Noroeste da África.
A cobra é o ponto de partida de um enredo que fala também sobre voduns e o candomblé jejê; as guerreiras Minô; e Ludovina Pessoa, que no século 19 fundou terreiros na Bahia em funcionamento até hoje.
O g1 explica a seguir todos esses assuntos e, no fim, apresenta um glossário de termos usados no samba.
Desfile da Viradouro
Marco Terranova/Riotur
Não só um candomblé
A Viradouro jogou luz sobre o candomblé jejê, na língua fon, originalmente observado na região da Costa da Mina — que abrange Gana, Togo e Benin — e que no Brasil também ganhou o nome de Tambor de Mina.
Rennan Carmo, um dos autores consultados para o enredo, alerta que “nem todo Candomblé surge do culto voltado aos Orisás”.
“De tradição yorubana, o povo nagô trouxe até essas terras brasileiras seus deuses, forças da Natureza que coexistem em todo espaço e em todo momento. Entretanto, outros povos também trouxeram suas respectivas divindades. Baianos e maranhenses não são iguais, assim como yorubanos e fons”, explica, no ensaio “Fongbè, voduns, ‘nagotização’ e o Candomblé”.
Carmo define “nagotização” como o “fenômeno de difusão do culto ao Orisá e o abafamento que a prática divinizada a outros deuses/povos necessitou sofrer”, em uma espécie de “pasteurização”.
“Grosso modo, pode-se dizer que o Orisá é yorubá, o Vodum é fon e o Nkisi [Inquici] é banto. Cada grupo de divindades pertence a um povo com língua, rituais, credos e atos distintos”, esclarece.
A tradição iorubá/nagô vem da Nigéria; a banto, de Angola; e a fon/jeje, de Benin.
Desfile da Viradouro
Alex Ferro/Riotur
Vodum não é ‘vodu’
Ser “pasteurizado” e confundido com o culto iorubá/nagô não é o único mal-entendido que prejudica a tradição jejê.
Muitos associam ou mesmo restringem o Vodum aos bonecos de vodu, que na ficção aparecem sempre espetados, como forma de ferir um desafeto.
Até existem bonecos, mas são amuletos para pedir proteção e saúde.
Como explicou Rennan Carmo, o vodum está para o jejê, assim como o orixá está para o iorubá/nagô.
E Dangbé é um dos vários voduns cultuados no jejê.
Cobra deslizou pela Sapucaí na comissão de frente da Viradouro
Antonio Scorza/Riotur
Dangbé
O carnavalesco Tarcísio Zanon explica, na sinopse do enredo, que no mundo cristão “a imagem da serpente foi constituída a partir de um viés negativo e reduzida ao campo do maligno, sendo apresentada como a figura mitológica que induziu ao pecado original no Jardim do Éden”.
“Tal construção cultural e religiosa legou às cobras, em suas variadas manifestações, aversão em grande parte da América Católica. Mas, para diversos sistemas de crenças, o animal tem poderes de regeneração, vida, transformação e recomeço”, pontuou.
No Candomblé jejê, conta a lenda que em uma batalha entre reinos uma serpente sagrada interveio e garantiu a vitória a um dos lados.
A partir de então, Dangbé passou a ser representada engolindo a própria cauda, numa alegoria de recomeço permanente.
Nanisca (Viola Davis) é o braço direito do Rei Ghezo (John Boyega) em “A Mulher Rei”
Divulgação
As guerreiras minô
A nação forjada na vitória com a ajuda de uma cobra formou um exército de mulheres imbatíveis, as guerreiras minô.
Esse batalhão foi retratado no filme “A mulher-rei”, em que Viola Davis deu vida à general Nanisca.
Na obra, Nanisca comanda suas tropas contra o reino português, que já escravizava africanos e expandia seus domínios pelo litoral do Atlântico e do Índico.
As minô eram temidas não apenas pela forma física e pelas táticas de batalha, mas também porque eram protegidas pelo sobrenatural — os voduns.
“Com inteligência e fé, formavam mais que um exército: organizavam uma poderosa irmandade, aliança consagrada pela força encantatória dos voduns. Assim, as herdeiras da serpente tornavam-se belicamente implacáveis e espiritualmente invulneráveis”, narra a sinopse do enredo.
Ludovina Pessoa
Com a missão de perpetuar os cultos voduns no Brasil, Ludovina Pessoa, que segundo a tradição oral seria uma guerreira minô, tornou-se o pilar de terreiros, entre eles o Seja Hundé, na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, e o terreiro de Bogum, erguido no coração de Salvador. Aqui, foi nomeada Gu Rainha.
No Bogum, casa centenária de liderança feminina, foram plantadas sementes de liberdade, tornando-se importante local de apoio à Revolta dos Malês, levante abolicionista ocorrido em Salvador na primeira metade do século 19.
A palavra “bogum” historicamente remetia a um aldeamento próximo à Costa da Mina. Já segundo a tradição oral, o termo também se referia ao baú onde se guardavam o ouro e os donativos destinados a financiar a insurreição popular que reuniu o povo negro contra a escravidão.
Glossário
Adahum: ritmo contínuo e frenético que evoca os Voduns, provocando o transe.
Afé: casa, morada.
Agoyê: deus do perdão.
Aguidavi: varetas de árvores sagradas utilizadas para a percussão dos atabaques em cerimônias religiosas do candomblé jeje e ketu.
Alafiou, Alafiá: confirmação ou permissão pelos oráculos, indicando caminhos abertos para determinado empreendimento ou ação.
Arroboboi: uma saudação, um salve.
Ayi: terra ou evocação à energia dos elementais terrestres.
Bessen: outro nome de Oxumaré, o orixá da riqueza.
Bogum: terreiro em atividade até os dias atuais, que teve Ludovina Pessoa como liderança em meados do Século 19, localizado no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador. O nome africano do terreiro é Zoogodô Bogum Malê Rundó.
Costa da Mina: região do noroeste da África banhada pelo Golfo da Guiné.
Dangbé: cobra que engole a própria cauda, em que nada principia nem finda, ou tudo avança, tudo retorna.
Daomé: antigo reino da costa ocidental da África, onde hoje se localiza o Benin. Tinha como capital a cidade de Abomé. Seus habitantes se tornaram conhecidos como povo de Dan.
Gu Rainha: Vodum no qual Ludovina Pessoa era iniciada, sendo uma variação do Vodum do ferro e da tecnologia, chamado de Gu.
Gumê-Kujô: pátio sagrado onde são realizados alguns rituais.
Jejê: refere-se aos povos originários da África Ocidental, da região onde se localizava o antigo reino do Daomé. O Candomblé jejê se refere ao culto dos Voduns trazidos por grupos étnicos da região, como o povo fon.
Kolofé: “bênção” ou “que a bênção esteja com você”.
Mino: nome dado às guerreiras do Daomé, que significa “nossa mãe”. As guerreiras mino eram também conhecidas como ahosi ou ahwansi, ou “esposa do rei”. A tropa feminina também era denominada de agoodjié, que, em fon, significa “última muralha de resistência que deve ser atravessada para se chegar ao rei”. Recentemente a atriz Viola Davis deu vida à chefe mino no filme “A Mulher Rei”.
Peji: altar sagrado onde se colocam imagens, moringas, alimentos e outras oferendas às divindades.
Seja Hundé: terreiro histórico no Recôncavo Baiano.
Vodum: divindades ou forças invisíveis do mundo espiritual.
Vodunsis: nome que recebe a filha de santo nos candomblés jejes.
Letra do samba
Eis o poder que rasteja na Terra
Luz pra vencer essa guerra
A força do Vodum
Rastro que abençoa, agoyê
Reza pra renascer
Toque de adahum
Lealdade em brasa rubra
Fogo em forma de mulher
Um levante à liberdade, divindade em Daomé
Já sangrou um oceano
Pro seu rito incorporar
Num Brasil mais africano, outra areia, mesmo mar
Ergue a casa de Bogum, atabaque na Bahia
Iá é Gu Rainha, herdeira do candomblé
Centenário fundamento da Costa da Mina
Semente de uma legião de fé
Vive em mim
A irmandade que venceu a dor
A força herdei de Hundé e, da luta, Minô
Vai serpenteando feito rio ao mar
Arco-íris que no céu vai clarear
Ayî
Que seu veneno seja meu poder
Bessen que corta o amanhecer
Sagrado Gumê-Kujô
Vodunsis o respeitam
Clamam: Kolofé
E os tambores revelam seu afé
Ê, alafiou, ê alafiá
É o ninho da serpente, jamais tente afrontar
Ê, alafiou, ê alafiá
É o ninho da serpente preparado pra lutar
Arroboboi, meu pai
Arroboboi, Dangbé
Destila seu axé na alma e no couro
Derrama nesse chão a sua proteção
Pra vitória da Viradouro
Erika Januza no desfile da Viradouro
Alex Ferro/Riotur

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