Brasil: um nome com raízes “profundas”

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Coluna ‘Histórias Naturais’ aborda as possíveis origens do nome do nosso país. A madeira do pau-brasil é muito pesada, lisa e dura.
Devanir Gino
Três de maio é o Dia do Pau-brasil, a árvore que, segundo uma história bem conhecida e infinitamente repetida, inspirou o nome do nosso país. Você está sentado? Então senta, pois o que eu vou te contar agora pode abalar as suas estruturas… Isso pode não ser tão verdade assim. Existem muitas outras versões para a origem do nome “Brasil”, mas uma dessas teorias alternativas chama atenção por ser o nome certo, no lugar certo, na hora certa.
Desde o século XIV, ou seja, muito antes dos europeus chegarem por aqui, muitos mapas que incluiam o Oceano Atlântico ilustravam, na região do Atlântico Norte, uma ilha misteriosa chamada de Brasil, Hy Brasil, Brasil de São Brandão e outros nomes similares. São Brandão foi um monge irlandês que, em 1565, partiu pelo Atlântico numa peregrinação em busca de uma terra abençoada, descobrindo assim a Ilha Brasil, cujo nome teria origem na palavra inglesa bless (abençoar), ou seja, “ilha abençoada”. Há uma versão ainda mais antiga da história, relacionando a Ilha Brasil aos fenícios, que eram conhecidos como a “nação dos vermelhos”, pois comercializavam com os antigos celtas o estanho, que era utilizado como corante avermelhado e chamados pelos celtas de breazail.
Fato é que diversas expedições foram lançadas ao mar com o objetivo de encontrar essa ilha misteriosa, que, segundo uma das muitas lendas que banham as suas águas, mudava constantemente de lugar. Até o século XVII ela continuava aparecendo em alguns mapas. Assim, segundo alguns historiadores a origem do nome Brasil estaria relacionada com essa ilha e não com a árvore. Argumenta-se que a versão do pau-brasil viria a prevalecer possivelmente por ser de compreensão muito mais fácil.
Pau-brasil
Terra da Gente
Por outro lado, se uma ilha mítica perdida no Oceano Atlântico chamada de Brasil pareça coincidência demais para nos permitir aceitar sem desconfiança que o nome do nosso país tenha origem no pau-brasil, o mesmo não pode ser dito sobre o nosso gentílico (a palavra que designa um determinado povo). Quem nasce na Inglaterra é inglês, quem nasce na França é francês, quem nasce na Itália é italiano, quem nasce na Austrália é australiano… E por aí vai…. Então por que não somos brasilienses ou mesmo brasilianos?
A explicação, nesse caso, é ponto pacífico entre os historiadores e está diretamente relacionada com a árvore. Se você gosta de natureza, talvez você não grite mais com tanta vontade o célebre “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Brasileiros eram aqueles que trabalhavam na exploração do pau-brasil. Ou seja, herdamos o nosso gentílico literalmente do ato de se derrubar árvores.
O pau-brasil é uma árvore exclusiva de uma região específica da Mata Atlântica. Originalmente era encontrado apenas em áreas de florestas de baixada não muito distantes do litoral, desde Rio Grande do Norte até o norte do Estado do Rio de Janeiro. Como aprendemos ainda na escola, foi a primeira “riqueza” explorada pelos europeus. Já em 1502, Américo Vespúcio, que participou da primeira expedição ao Brasil após a viagem de Cabral, deixou registrado que aqui havia “imensa quantidade de pau-brasil, bastante para carregar sem nenhuma despesa quantos navios hoje existem no mar”.
O Pau-Brasil apresenta o tronco em tom vermelho forte, de onde se extrai o pigmento
Arquivo/TG
A “profecia” de Vespúcio foi cumprida. Estima-se que nos séculos XVI, XVII e XVIII, apenas os portugueses retiram do Brasil cerca de 500 mil árvores de pau-brasil. Escrevo “apenas” os portugueses, pois além deles franceses, holandeses, espanhóis e ingleses contrabandearam enormes quantidades de pau-brasil. Não por acaso, a espécie é atualmente considerada em perigo de extinção, mas ela não está sozinha nessa situação. De acordo com a Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção, atualizada em junho de 2022, o “povo derrubador de árvores” é responsável por colocar em risco de extinção inacreditáveis 3209 espécies de plantas.
Plantas não gritam de dor quando são cortadas e derrubadas vivas, não choram, não sangram e, infelizmente, não fogem. Talvez por isso, lembramos e falamos muito mais das espécies de animais ameaçados de extinção do que das plantas que correm risco de desaparecer. Esse fenômeno do nosso comportamento de esquecimento frequente das plantas ganhou até nome: “cegueira botânica”, que inclusive já foi assunto aqui no ‘Histórias Naturais’.
Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente
Arte/TG
O termo foi criado em 1998 para se referir à dificuldade das pessoas de perceberem as plantas ao seu redor e a importância delas para nossa sobrevivência. Entre os sintomas desse mal está a ideia equivocada de que as plantas são seres vivos “inferiores” aos animais. A cegueira botânica é um sintoma da desconexão cada vez maior entre as pessoas e a natureza, com implicações profundas para a conservação da biodiversidade.
O Dia do Pau-brasil é um ótimo momento para colocarmos os olhos sobre essa árvore tão emblemática e refletirmos o quão paradoxal é o fato do povo do país que criou uma data para homenagear uma árvore ser conhecido e chamado de destruidores dessa mesma árvore. Que o nome “brasileiro” sirva também como uma reflexão para mudarmos o rumo da nossa própria história com as plantas.
*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente

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