‘Foco na ciência’, ‘sexualização de crianças’, ‘pânico moral’: o que pensam deputados que compõem CPI da Transição de Gênero em SP

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Comissão Parlamentar de Inquérito mira acompanhamento de crianças e adolescentes em ambulatório do HC da USP e será instalada nesta quarta-feira na Alesp, com eleição de presidente e relator. Manifestação de crianças trans durante a 27ª Parada do Orgulho LGBT+ em 11 de junho de 2023
Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) formaliza na tarde desta quarta-feira (14) a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a utilização de hormônios em crianças e adolescentes que passam por transição de gênero no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP). 
O programa de transição de gênero é gratuito e segue protocolos previstos no Sistema Único de Saúde (SUS) do Ministério da Saúde, além de recomendações do Conselho Federal de Medicina (CFM).
No requerimento para a abertura da comissão, o deputado Gil Diniz (PL-SP) aponta “possível violação às disposições do CFM” e pede a investigação. A CPI foi proposta depois de reportagem do g1 que revelou que quase 300 crianças e adolescentes passavam pelo acompanhamento e tratamento no HC. 
Além de Diniz, outros oito parlamentares foram nomeados para compor a comissão: Tenente Coimbra (PL), Beth Sahão (PT), Professora Bebel (PT), Analice Fernandes (PSDB), Tomé Abduch (Republicanos), Guto Zacarias (União) e Guilherme Cortez (PSOL).
A GloboNews conversou com parlamentares titulares da CPI para saber como devem conduzir os trabalhos nos próximos 120 dias e as expectativas para a comissão. Veja abaixo:
‘Pautada pela ciência’
A deputada estadual Bete Sahão (PT-SP) é a parlamentar mais velha entre os titulares da CPI e, por isso, será quem presidirá a reunião destinada à instalação e eleição da mesa para a escolha de presidente, vice e relator(a). Ela é psicóloga de formação e há semanas tem se reunido com profissionais da área e diretores do HC para ter mais detalhes dos procedimentos desenvolvidos no ambulatório. Para ela, o trabalho será pautado para colocar luz à ciência.
“A minha tarefa primeira dentro da CPI é de poder mostrar que o trabalho que é realizado pelo ambulatório é um trabalho que é técnico, que é científico, que é composto por profissionais do mais alto gabarito. Nós temos ali médicos pediatras, médicos, psiquiatras, endocrinologistas e não são quaisquer profissionais. Eu espero que seja um debate voltado para as questões científicas, para aquilo que está sendo desenvolvido, que é um laboratório vinculado ao Hospital das Clínicas de São Paulo e, portanto, com todo o respaldo da USP, da Faculdade de Medicina”, afirmou.
Sobre a possibilidade de trazer um debate ideológico para o tema, a deputada defende que o assunto não pode ser pautado por juízo de valor.
“A política tem que ser laica, o Estado tem que ser laico, então não dá para ter viés ideológico, não dá para ter viés religioso… A gente respeita todas as religiões aqui, mas este debate não pode ser acompanhado desse juízo de valor antecipado. As pessoas precisam é se despir de qualquer tipo de preconceito. E entrar para esta CPI com o intuito de conhecer essa realidade, de saber que nós não sabemos tudo”, disse a Beth Sahão.
‘Tentativa de criar factóides e pânico moral’
Vice-líder da oposição na Alesp, bissexual e militante do movimento LGBTI+, o deputado Guilherme Cortez (PSOL) tem feito diversas críticas à proposta da comissão. Para ele, a CPI foi proposta para proteger e “blindar” o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de possíveis investigações, além de ser uma “tentativa de criar factoides em torno da saúde da população trans para espalhar a preocupação na sociedade”.
“Essa é uma espécie de pânico moral que a gente sabe que é uma estratégia antiga, que a extrema direita brasileira e que o bolsonarismo, em particular, tem usado para se projetar politicamente em torno da pauta da população LGBT. Então eu vejo que essa proposta de CPI não tem nenhum objeto e tem coisas muito mais importantes pra se investir o dinheiro público.”
O deputado refuta a ideia de ilegalidades no tratamento e explica ainda que o trabalho realizado no ambulatório do HC “é um trabalho que é de ponta, de referência e reconhecido no Brasil e no mundo. Não há nada que esse ambulatório faça que esteja à margem da lei. Pelo contrário, todos os procedimentos realizados por pelo ambulatório estão amparados nas resoluções do Conselho Federal de Medicina, no Cremesp, em resoluções médicas”, completa.
Para o parlamentar, o desafio será trazer o debate sem espetacualção da causa ou criminalização da população trans. “Nós vamos nos articular com os outros, buscando dialogar com outros mandatos que são da base do governo, mas podem ser mais sensíveis a essa pauta justamente para que essa CPI não se torne um circo, não se torne um espetáculo de violações, de desrespeito contra familiares, contra profissionais e contra atendidos desse ambulatório.”
‘Sexualização precoce das crianças’
Um dos representantes da ala da direita da Alesp, o deputado Tenente Coimbra (PL) diz que a proposta da CPI feita pelo colega Gil Diniz (PL) tem como objetivo entender os procedimentos e também definir regras no sistema de saúde para evitar aquilo que considera “errado”. Para ele, crianças e adolescentes não têm maturidade para decidir sobre tratamentos de transição de gênero, como o uso de bloqueadores hormonais.
“É uma sexualização precoce das nossas crianças, uma criança de 12 anos tomar um bloqueador hormonal sem ter de fato ainda a noção de vida de uma maneira ampla, contumaz, da sua sexualidade. Para mim, isso é muito antecipado. A gente não quer proibir um tratamento hormonal, não é isso. Mas a gente quer dar tempo ao tempo.”
Questionado sobre o fato de a oposição afirmar que a CPI foi proposta como medida para proteger o governador ou criminalizar a população trans, o deputado afirma que o viés ideológico não parte da sua bancada.
“Algumas pessoas nos acusam de preconceito, não é isso. A pessoa, quando ela tiver a sua maturidade, tanto legal quanto psicológica, que faça a sua escolha, mas tratar isso para as nossas crianças, isso não. A gente precisa blindar, a gente precisa proteger nossas crianças. Eu acho que o viés ideológico é do outro lado, o viés ideológico que fala que crianças trans existem. Mas crianças ainda não têm a sua definição”, complementou Coimbra.
Sobre a CPI
A CPI foi proposta pelo deputado Gil Diniz (PL) após reportagem do g1 que relevou que quase 300 crianças e adolescentes passavam pelo acompanhamento e tratamento, atendidos pelo Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Instituto de Psiquiatria e a Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do HC da Faculdade de Medicina da USP.
De acordo com a instituição, 100 crianças de 4 a 12 anos de idade, e 180 adolescentes de 13 a 17 anos, são acompanhados. Caso seja comprovado por meio de avaliação criteriosa feita por equipe multidisciplinar (composta por psicólogos, pediatras, psiquiatras e endocrinologistas) que são de fato transgêneros, eles poderão ser submetidos a bloqueadores hormonais a partir da puberdade.
Eles também recebem hormonização cruzada na adolescência, a partir dos 16 anos, com hormônios do gênero com que se identificam. Se houver necessidade de operação para colocação de implantes ou readequação da genitália, chamada de redesignação sexual, ela só poderá ocorrer na fase adulta.
O texto publicado no Diário Oficial diz que a CPI foi criada para, no prazo de 120 dias, a partir da sua instalação:
“Apurar e investigar as práticas adotadas pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no diagnóstico, acompanhamento e tratamento de menores de idade com suspeita ou diagnóstico de incongruência de gênero ou transgêneros e, em especial, a submissão de crianças e adolescentes a hormonioterapias para transição de gênero realizadas pelo hospital em possível violação às disposições do conselho federal de medicina”.
Em nota, o Hospital das Clínicas da USP esclarece que “todos os tratamentos e procedimentos oferecidos a seus pacientes estão respaldados por protocolos previstos no rol de atendimento do SUS e seguem regulamentação do Conselho Federal de Medicina, bem como diretrizes de centros de excelência com reconhecida e ilibada atuação sobre o tema”.
A respeito do acompanhamento, que segundo o HC não inclui tratamentos ou procedimentos, de crianças e adolescentes com particularidades no desenvolvimento da identidade de gênero, o hospital diz que “trata-se de atenção prestada por equipe multidisciplinar especializada ao longo do tempo e, para aquelas que de fato são transgêneros, após os 18 anos e, somente havendo interesse, pode-se indicar procedimentos cirúrgicos, conforme regulamentação do Ministério da Saúde”.
Por fim, o Hospital das Clínicas afirmou à GloboNews que está à disposição da Alesp para esclarecer sobre a assistência e o acompanhamento oferecidos a pacientes transgêneros na instituição.

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