Bebê de 1 ano usa sinais para avisar ao pai surdo que comida está pronta: ‘ele sinaliza mais do que fala’, diz mãe

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Vídeo gravado pela mãe do pequeno, que mostra quando ele ouve o som do micro-ondas e faz um alerta a Lígio Josias, ultrapassou a marca de 8 milhões de visualizações na internet. Bebê usa sinais para avisar ao pai surdo que comida está pronta
O amor é um sentimento que pode ser demonstrado de várias formas, como palavras, beijos, passeios e presentes, por exemplo. Noah Gomes Vieira, um bebê de apenas 1 ano e 8 meses, escolheu usar os sinais para demonstrar o cuidado com o pai, que é surdo. Um vídeo (veja as imagens acima), gravado pela mãe do pequeno, mostra quando ele ouve o som do micro-ondas e avisa a Lígio Josias Gomes de Sousa, de 31 anos, que a comida está pronta.
O registro viralizou na internet e ultrapassou a marca de 8 milhões de visualizações apenas em um perfil de rede social. A repercussão surpreendeu Maysa Ramos Vieira, de 30 anos. É que o que os internautas viram pela primeira vez é algo corriqueiro no lar da família, de João Pessoa, capital da Paraíba.
Em vídeo, bebê avisa ao pai surdo que comida está pronta no micro-ondas; registro viralizou na internet e ultrapassou a marca de 8 milhões visualizações
Reprodução
O uso dos sinais para se comunicar não precisou ser ensinado ao Noah. O aprendizado aconteceu de modo intuitivo no dia a dia.
“Foi algo muito natural dele. Ele me via sempre chamando a atenção do pai. Quando eu ia falar com o pai dele, ao invés de falar eu tinha que acenar pra que ele me visse. Ele via isso em mim, via Theo fazendo isso com o pai”, explicou Maysa.
Lígio, Noah, Maysa e Theo
Maysa Ramos / Arquivo pessoal
Encontrar a melhor forma de conversar com o pai foi algo que ocorreu enquanto o menino tinha apenas meses de vida.
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“Na hora do almoço, quando ele queria comer mais, ele tocava no braço do pai pra que o pai levasse a comida até a boca dele”, lembrou.
Noah ama ouvir os sons e compartilhá-los com o pai.
“Com o micro-ondas, a gente começou a perceber que toda vez que apitava ele saia correndo em direção ao pai. O meu marido ia esquentar o jantar dele e disse ‘olha, olha quando apitar ele vai me chamar’. E eu gravei pra compartilhar pra família. Se o pai demora a olhar, ele vira o rosto pra que o pai olhe pra o mesmo lugar”, destacou.
Os sinais de Noah vão além das palavras, eles reforçam o carinho que existe no contexto familiar.
“Noah é um bebê muito carinhoso. Ele gosta de cuidar. Ele sempre teve essa personalidade, principalmente com o pai. Uma coisa muito especial de querer informar ao pai o que tá acontecendo ao redor, direcionar o rosto do pai mesmo quando não sabia falar ou sinalizar”.
Noah e Theo no colo do pai
Maysa Ramos / Arquivo pessoal
Vocabulário de Noah tem mais sinais do que palavras
A primeira palavra do pequeno Noah foi “mamãe”, em Língua Portuguesa, com quase 11 meses de idade. O primeiro sinal, “tomar banho”, foi feito com uma diferença de poucos dias.
“Hoje ele sinaliza mais do que fala. Em questão de vocabulário, ele tem mais sinais do que palavras”, revelou a mãe.
Assim como o balbucio acontece no processo de aprendizagem da linguagem oral, também é um elemento comum com os sinais.
“Os sinais que ele domina, ele faz certinho. Outros, ele tá começando a aprender. Água, por exemplo, é uma palavra que precisa de uma coordenação motora fina, que ele não tem ainda. Ele tenta, mas não faz tão certinho”, compartilhou.
Noah no colo de Lígio e Theo no colo de Maysa
Maysa Ramos / Arquivo pessoal
‘Dentro da nossa casa a Libras é nossa base pra comunicação’
Lígio Josias nasceu surdo. Entre o fim da adolescência e o começo da idade adulta, conheceu Maysa na escola, onde eles conviveram com outras pessoas surdas.
A amizade de Maysa com o grupo fez com que ela se interessasse pela Libras. E o sentimento que já existia pelo futuro marido, deu uma forcinha para acelerar esse processo de alfabetização.
“Quando a gente começou a namorar, eu já sabia [Libras]. Eu tava estudando química, larguei e fui pra Libras”, recordou.
Maysa e Josias são professores de Língua Brasileira de Sinais (Libras) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Josias é surdo oralizado – ele fala a Língua Portuguesa e faz leitura labial. Maysa é ouvinte. Por isso, o diálogo entre eles acontece sempre por meio da linguagem dos sinais.
“Dentro de casa a gente prefere a Libras, já que as crianças vão ter contato com a Língua Portuguesa em todos os outros lugares. Dentro da nossa casa a Libras é nossa base pra comunicação”, reforçou.
Apenas em alguns casos específicos a Maysa se comunica com os meninos pela Língua Portuguesa, como ler livros só para eles.
“Quando eles vão entrar em contato com o pai, eu to sempre lembrando: ‘Papai é surdo, papai não escuta. Com ele a gente precisa falar em Libras’”, alertou.
Theo Gomes Vieira, o filho mais velho, de 4 anos, costuma puxar as conversas sinalizando quando o pai está presente. Mas estando somente com o irmão caçula, ele fala Português.
“Theo gosta de ensinar. Ele fica como o professor de Noah. Comemora que foi ele que ensinou o sinal novo”.
Maysa lendo para Noah e Theo
Maysa Ramos / Arquivo pessoal
‘Tirar um pouco da solidão que a surdez traz’
Além do núcleo familiar, a família de Noah está sempre em contato com pessoas surdas ou que usam a Libras, por outra necessidade, no convívio social.
“A surdez é uma deficiência que pode acometer qualquer pessoa. Meus sogros, por conta da idade, não ouvem bem. Eles usam Libras como um recurso a mais”, contou.
Maysa e Josias acreditam que a Libras só tem a acrescentar e trazer benefícios para os garotos. Por isso, consideram que seja fundamental para os meninos.
“Enquanto bebê, a língua traz para ele um conforto. A gesticulação vem antes da fala. Então usar os sinais diminui o estresse do bebê quando ele consegue se fazer entender. A gente não tem que adivinhar”, justificou.
Diante da experiência que vive em casa e também no ambiente acadêmico, Maysa defende que a Libras seja ensinada na escola.
“Fico tranquila em saber que se meus filhos tiverem contato com pessoa surdas, elas não estarão sozinhas. É uma pessoa surda na sala de aula, então elas ficam excluídas. Então é trazer alívio pra essas pessoas, tirar um pouco a solidão que a surdez traz”, finalizou.
Libras enquanto instrumento para construção de identidade
Mais de 10 milhões de brasileiros, cerca de 5% da população do país, são pessoas surdas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
Dependendo do grau de surdez, os surdos podem se comunicar por meio da Língua Portuguesa, como no caso dos surdos oralizados. Já no caso dos não oralizados, a comunicação acontece especialmente pela Libras, com a sinalização das palavras.
A Libras “é completa, possui gramática própria, única e possibilita ao surdo interação, acesso a conteúdos e a construção da sua identidade”, explicou Karinne Rodrigues, que é intérprete de Libras desde 2017.
Embora tenha sido reconhecida como um meio legal de comunicação e expressão dos surdos em 2002, ela ainda não é tão difundida entre as pessoas ouvintes.
“Fazer uso da Língua de Sinais é muito importante para os surdos. Com o uso de uma língua [de sinais], eles podem conhecer aspectos específicos da sua região, vivenciar inúmeras experiências no meio social e serem incluídos em diversas atividades sem que sejam segregados”, explicou a intérprete.
Longe de um cenário ideal nos quesitos inclusão e acessibilidade, a intérprete aponta para uma realidade no futuro, que deve começar a ser construída no presente.
“Ter o ensino de Libras nas escolas é uma conquista a qual almejamos. Há algumas regiões que vivenciam essa realidade, mas precisamos buscar por mais oportunidades para difundir está língua em nossa sociedade e proporcionar mais acesso e inclusão para pessoas surdas”, concluiu Karinne.
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