Por que as famílias estão gastando menos e como isso impacta no PIB do Brasil; entenda

Mesmo após o governo aumentar salário mínimo e Bolsa Família, orçamento familiar segue apertado e destinado, principalmente, a contas básicas. Consumo das famílias passa por um período de desaceleração.
Celso Tavares/G1
O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre de 2023 surpreendeu até os mais otimistas dos analistas. O país cresceu 1,9%, enquanto a mediana das expectativas esperava 1,2%, impulsionado pela disparada de 21,6% do agronegócio.
Mas, olhando com mais atenção para os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível perceber uma outra tendência: a desaceleração do consumo das famílias nos últimos trimestres.
Entre janeiro e março deste ano, o consumo das famílias teve uma leve alta de 0,2%, marcando uma nova desaceleração.
Nos últimos três meses de 2022, por exemplo, o indicador havia registrado uma alta de 0,4%, em uma variação que também já mostrava enfraquecimento frente aos trimestres anteriores — entre julho e setembro, a alta havia sido de 0,8%, enquanto entre abril e junho, o avanço foi de 1,9%.
Na prática, o consumo das famílias vem recuando e contribuindo cada vez menos para o PIB desde o começo do ano passado.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, isso se deve, sobretudo:
ao período de inflação elevada que o país enfrentou nos últimos dois anos, sobretudo com o forte encarecimento de produtos essenciais, como a eletricidade, os combustíveis e a alimentação;
à política monetária mais restritiva, com juros historicamente altos. Isso significa crédito mais escasso e caro, o que ajuda a comprometer ainda mais a renda das famílias;
a um nível baixo de salários que, mesmo com a melhora no mercado de trabalho, desestimula o consumo de itens não essenciais.
Por que o consumo das famílias desacelerou?
O primeiro ponto para entender essa desaceleração é a inflação.
Matheus Pizzani, economista da CM Capital, explica que os impactos sobre o consumo das famílias começaram ainda em 2021 quando, por conta da pandemia e da crise hídrica que atingiu o Brasil, os preços de muitos produtos subiram, com destaque para a energia elétrica.
“Não tem como negar o impacto que a eletricidade tem sobre as contas, pesa bastante. Depois, em 2022, as coisas ainda nem tinham melhorado e começou a guerra na Ucrânia, o que pressionou muito o preço das commodities, principalmente o petróleo”, afirma.
Assim, os preços dos combustíveis subiram e geraram uma cadeia de altas em toda a economia, já que diversos tipos de produtos dependem dos transportes. Foi aí que os preços dos alimentos e tantos outros itens aumentaram e corroeram o poder de compra das famílias, já que a renda da população não avançou acompanhando a inflação.
Agora, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tem arrefecido, caindo de uma alta anual de 12,13% em abril de 2022 para 4,18% em abril de 2023.
Isso, no entanto, não significa que os preços começaram a cair, mas sim que passaram a subir com menos força e velocidade, conforme explica Vitor Miziara, analista e sócio da Performa Investimentos.
“A inflação permanece alta. Já começou a desacelerar um pouco, mas o aumento dos preços que a gente viu no último ano permanecem. Assim, as famílias vão perdendo a capacidade de compra e queimando as suas reservas para, durante um tempo, manterem a qualidade e quantidade do que elas compram”, pontua Miziara.
Juros dificultam o consumo, mesmo com incentivos do governo
Somados à inflação, os juros altos trazem ainda mais dificuldades para a manutenção do poder de compra das famílias.
Miziara explica que essas taxas elevadas “comem” o que poderia restar do poder de compra porque, como as parcelas de financiamento com juros ficaram maiores, o dinheiro acaba sendo destinado para arcar com esse custo.
Segundo Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o consumo das famílias poderia ter tido queda ainda maior neste trimestre, não fossem os estímulos do governo — como o aumento do salário mínimo, que elevou as transferências via previdência, e o aumento do Bolsa Família.
“O melhor nível de emprego também contribui para amenizar o impacto do aperto monetário, mas o endividamento das famílias ainda está elevado, com alto custo devido ao maior patamar dos juros”, ressalta a economista.
Para Rafaela o consumo deve continuar desacelerando nos próximos trimestres, principalmente porque ainda não há perspectiva de que a taxa básica de juros (Selic) caia significativamente no curto prazo — até porque as projeções para a inflação brasileira deste ano continuam acima da meta do Banco Central do Brasil (BC), de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual.
“Por um lado, o melhor cenário de emprego continua fortalecendo a massa salarial e, junto com a queda da inflação, significa um impulso positivo para o consumo. Por outro lado, o BC só deve iniciar o corte de juros em agosto, o que deve manter o crédito mais restrito e impedir um crescimento maior do consumo”, comenta a especialista.
Para onde está indo o dinheiro das famílias?
Matheus Pizzani, da CM Capital, pontua que a população continua destinando sua renda principalmente para pagar as contas básicas, com destaque para moradia e alimentação.
Além disso, o dinheiro que sobra é direcionado para os produtos com baixo valor agregado — itens sem grandes diferenciais e que, por isso, acabam não tendo margem para um aumento de preços por parte de produtores e comerciantes.
Em contrapartida, os itens com maior valor agregado devem continuar pouco atrativos para os consumidores — caso dos eletrodomésticos e automóveis, por exemplo.
Além dos preços altos que esses produtos naturalmente já apresentam, os custos de créditos com os juros elevados minam as possibilidades de compra de grande parte da população.

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