Indígenas de MT protestam contra projeto que muda demarcação de terras

Projeto prevê mudanças no reconhecimento da demarcação das terras e do acesso a povos isolados. O PL deve ser votado nesta terça (30), em Brasília. Indígenas fecharam a MT 322 e bloquearam a balsa que faz a travessia do Rio Xingu, em São José do Xingu
Mytxak Metuktire
Indígenas da etnia Kaiapó, em Mato Grosso, fecharam a MT-322 e bloquearam a balsa que faz a travessia do Rio Xingu, no nordeste do estado, nesta terça-feira (30), em protesto contra o Projeto de Lei 490, de 2007. O PL prevê mudanças no reconhecimento da demarcação das terras e do acesso a povos isolados.
A Secretaria do Estado de Infraestrutura e Logística de Mato Grosso (Sinfra-MT) informou que acompanha o caso.
O cacique Megaron Txucarramae declarou, durante o ato, que os políticos que desejam tirar a demarcação de terra são inimigos dos povos indígenas. “Bolsonaro, declare que você é inimigo número um dos povos indígenas do Brasil”.
Txucarramae explicou ainda que a manifestação não afeta em grande quantidade o “homem branco”, pois os indígenas que sofrerão mais, caso o PL seja aprovado. “Vocês querem acabar com nós, mas nós estamos aqui e vamos resistir”.
O projeto deve ser votado nesta terça (30), em Brasília.
O que prevê o projeto de lei 490/2007?
O PL 490/2007 determina que são terras indígenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988. Ou seja: é necessária a comprovação da posse da terra no dia da promulgação da Constituição Federal.
Pela legislação atual, a demarcação exige a abertura de um processo administrativo dentro da Fundação Nacional do Índio (Funai), com criação de um relatório de identificação e delimitação feito por uma equipe multidisciplinar, que inclui um antropólogo. Não há necessidade de comprovação de posse em data específica.
Além da implementação do marco temporal, o texto também proíbe a ampliação de terras que já foram demarcadas previamente, independentemente dos critérios e da reivindicação por parte dos povos indígenas interessados.
Há, ainda, um ponto bastante criticado por organizações não-governamentais a respeito de um trecho do projeto que abriria espaço para uma flexibilização do contato com povos isolados, o que poderia causar um perigo social e de saúde às comunidades.
Se aprovado, as terras futuramente demarcadas ou em processo de demarcação devem comprovar a ocupação no dia 5 de outubro de 1988. Advogada do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula Batista acredita que essa exigência causa extrema dificuldade para indígenas que habitam e habitavam as terras. Ela cita como exemplo os territórios ocupados por avós e outros familiares desde décadas ou séculos passados em que os registros formais eram mais escassos.
O que muda em relação aos povos isolados?
São povos isolados aqueles indígenas que não mantêm contato com o homem branco, com a sociedade, ou possuem uma relação bastante restrita.
O artigo 29 do projeto diz: “no caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito a suas liberdades e meios tradicionais de vida, devendo ser ao máximo evitado o contato, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública”. Neste caso, segundo Batista, a lei abre um precedente para que o governo decida o que é “utilidade pública”.
O texto não especifica quais são os critérios para “utilidade pública” que poderiam levar ao contato com indígenas isolados no país.
“Os povos que vivem em isolamento voluntário sabem que ali perto de onde eles vivem tem uma fazenda, tem uma vila, tem outros povos, e é uma escolha deles fazer isolamento”, explica a advogada.
“E é um política do estado brasileiro desde a redemocratização respeitar a opção desses povos e também não ir até lá forçar um contato. Até porque esses povos não têm memória imunológica, podem morrer por causa de uma gripe”, argumenta Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental.
O que dizem os indígenas?
Organizações indígenas se posicionam fortemente contra a aprovação do PL 490. Diferentes povos se reúnem há duas semanas em frente à Câmara dos Deputados e protestam contra o marco temporal de 1988 e as outras mudanças previstas no texto. Em nota, após confronto com a polícia nesta terça-feira, o Cimi defendeu o “direito de manifestação” e disse que:
“Ele foi duramente atacado para que se possam aprovar o Projeto de Lei nº 490/2007, que tem por objetivo a exploração e a apropriação das terras indígenas. Estas áreas de ocupação tradicional são públicas e, portanto, de toda a sociedade brasileira e a nossa Constituição não permite tacanho abuso”.

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