Entenda como o avanço da extrema direita contribuiu para a queda do premiê na Espanha

Alianças com a direita tradicional nas eleições regionais que país realizou no domingo (28) derrubaram os governos socialistas, partido de Pedro Sánchez, em quase todo o país. Mulher vota em eleições regionais da Espanha em seção eleitoral no País Basco, em 28 de maio de 2023.
Alvaro Barrientos/ AP
Foi graças a alianças com o Vox, a sigla de extrema direita espanhola, que uma enxurrada de políticos conservadores conseguiu arrebatar governos estaduais e prefeituras por toda a Espanha das mãos dos socialistas, que governam atualmente o país europeu.
O resultado, totalmente inesperado, foi tão significativo que o primeiro-ministro e líder do Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE), Pedro Sánchez, convocou nesta segunda-feira (29) novas eleições para julho – o quinto pleito em nove anos.
Isso porque seu partido sofreu uma derrota sem precedentes para o Partido Popular (PP), a sigla da centro-direita espanhola, que tirou das mãos do PSOE seis governos regionais e conquistou sete das dez cidades mais importantes do país, inclusive Madri e Sevilha, na Andaluzia, o reduto mais tradicional do PSOE.
O papel do Vox variou de acordo com cidades e regiões, mas, em casos como a Comunidade Valenciana, a terceira maior região do país, a influência foi tão relevante que os conservadores caminham para um pacto com a extrema direita para governar.
A reação de Sánchez de dissolver o Parlamento, também uma surpresa, não é inédita – o premiê fez o mesmo em 2019, e conseguiu voltar ao poder. Mas esta foi a primeira vez que a ascensão da extrema direita provocou uma movimentação tão brusca em um governo recente europeu.
A inflação alta vem sendo o ponto comum de insatisfação dos europeus com seus governos. Mas, no caso da Espanha, o país tem um dos índices mais baixos da União Europeia – de 3,8%, menos da metade que a média europeia, de 8,1%. A previsão de crescimento também é boa, de 2%.
As urnas espanholas revelaram que não foi a economia, mas sim dois fatores sociais do governo Sánchez que incomodaram a maioria dos eleitores espanhóis, na avaliação do economias e cientista político José Ramón Pin Arboledas, do Instituto de Estudos Superiores de Empresa (IESE):
As pautas liberais do governo – um dos mais progressistas atualmente no continente -, como as leis aprovadas em fevereiro que ampliam o direito ao aborto e permitem a autodeterminação de gênero. Desde 2019, os socialistas governam em aliança com o Unidas Podemos, partido de extrema esquerda que só aceitou apoiar Sánchez com a condição de que suas principais pautas fossem aprovadas.
Os pactos com partidos que defendem a independência de algumas regiões, como a Catalunha e o País Basco, siglas que têm forte rejeição até entre muitos eleitores de esquerda mais tradicionais.
“Os eleitores não se preocupam com a economia quando ela não é desastrosa, e colocam outras pautas em conta. Na Espanha temos as questões territoriais. O pacto do PSOE com os independentistas incomodou até os eleitores tradicionais da esquerda, muitos deles nem quiseram ir votar (o voto na Espanha não é obrigatório)”, avaliou Pin Arboledas.
“E o Vox é uma extrema direita essencialmente nacionalista, tem um discurso forte contra pautas independentistas que dialoga com uma parte grande da população espanhola conservadora e católica. Tem muita gente da esquerda que é tradicional em costumes também”.
O Vox cresceu com um forte discurso contra essas pautas, especialmente em regiões mais resistentes aos movimentos independentistas, como Madri e Valência, de onde deve sair o primeiro governo regional em aliança com a extrema direita.
A cidade também sediou a polêmica após os insultos racistas proferidos, na semana passada, contra o jogador brasileiro Vinicius Jr., e o presidente da LaLiga – a liga de futebol espanhola -, Javier Tebas, que criticou a postura de Vini Jr., já declarou apoio ao Vox.
Nas eleições regionais de domingo, a sigla conquistou mais de 7% dos votos totais dos espanhóis. Ainda é pouco na comparação com os votos do PP e do PSOE – que, juntos, somam mais de 60% dos eleitores.
Mas o partido foi o terceiro mais votado e, para chegar ao poder em uma série de prefeituras, recorreu ao pacto com os conservadores, uma estratégia que tentará repetir nas novas eleições nacionais.
Primeiro-ministro espanhol convoca novas eleições e dissolve Parlamento
Com a dissolução do Parlamento espanhol anunciada nesta segunda por Sánchez, os espanhóis voltarão as urnas em 23 de julho – pelo calendário original, só iriam em dezembro. Na cédula do país, os eleitores marcam o partido, e não o candidato que querem eleger, já que a Espanha é uma monarquia parlamentarista.
Caso o PP não alcance a maioria absoluta desses votos, o partido pode buscar uma coalizão para governar, e a tendência é que os conservadores repitam o movimento das eleições regionais deste fim de semana e pactuem com o Vox.
Santiago Abascal, o líder do Vox, em comício em 2019.
Sergio Perez/Reuters
Mas essa aliança ainda não é certa – o próprio Partido Popular não confirma a parceria, que é rejeitada por muitos conservadores tradicionais. Um deles é o líder do PP, Alberto Feijó, que será o candidato a primeiro-ministro e há três mandatos governa sozinho e com maioria absoluta a região da Galícia.
Em Madri, a capital do país os candidatos do PP também venceram sozinhos na prefeitura e no governo regional – ou seja, não precisaram de um pacto com o Vox para governar.
Pin Arboledas disse ver uma tendência de que os espanhóis queiram voltar a um esquema bipartidarista – desde a reabertura democrática da Espanha, na década de 1980, o PSOE e PP se revezavam no poder, sem a necessidade de alianças – até 2015, quando novas siglas minoritárias impuseram a necessidade de coalizões.
Mas o economista acha que o apelo do Vox para que as pautas do PSOE não se repitam podem adiar esse retorno ao modelo tradicional de governo.
A secretária-geral do Unidas Podemos e ministra de Direitos Sociais da Espanha, Ione Belarra, disse lamentar a possível aliança.
“Vimos ontem uma ‘onda reacionária’ que já sabemos no que vai dar: um retrocesso dos direitos fundamentais e da luta feminista e contra a emergência climática, da garantira ao direito à habitação”, declarou.
Este pleito será o quinto na Espanha desde 2015 – a Constituição do país permite que o primeiro-ministro dissolva o Parlamento e adiante eleições, ou ainda que a oposição tome o poder quando uma moção de censura é aprovada no Congresso.
Foi exatamente este o caso com Sánchez em 2018, quando ele, então líder da oposição, arrebatou o poder das mãos do então premiê, o conservador Mariano Rajoy, que foi reprovado em uma moção de censura inédita na história recente da Espanha.
As eleições locais
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, vota em eleições regionais, em Madri, na Espanha, em 28 de maio de 2023.
Juan Medina/ Reuters
A Espanha realizou no domingo (28) eleições para renovar os governos estaduais e municipais, além de seus Parlamentos locais. O resultado foi uma vitória esmagadora e inesperada do conservador PP, na maioria dos casos com alianças com Vox, partido de extrema direita.
O PP ganhou na maioria das comunidades autônomas – equivalentes aos governos estaduais do Brasil – e em cidades importantes. Os conservadores tomaram dos socialistas o controle de dez regiões, como a Comunidade de Madri e a Comunidade Valenciana, e venceram também em cidades como Madri e Sevilla, na Andaluzia, a região do sul da Espanha que é um reduto tradicional do PSOE.
Além de ter o maior número de votos – 33,5%, contra 28,1% do PSOE – os conservadores também conseguiram tirar dos socialistas o controle de dez regiões, como a Comunidade de Madri e a Comunidade Valenciana.
O PP liderou a corrida eleitoral, angariando 33,5% dos votos. O PSOE ficou em segundo, com 28,1% dos votos, e o Vox, o partido da extrema direita, foi o terceiro mais votado, com 7,1% dos votos.

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