Complexo do Ibirapuera só poderá passar por concessão após processos de tombamento, decide Justiça de SP

Sentença da 2ª Vara da Fazenda Pública da capital também condicionou licitação à elaboração de um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) no local. A juíza destacou que, sem estudos prévios, o processo poderia gerar diversos prejuízos ao interesse público. Ginásio do Ibirapuera, na Zona Sul de SP
Governo de Estado de SP
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o governo só poderá publicar o edital de concessão do Complexo Esportivo do Ibirapuera após a conclusão dos processos de tombamento do local.
A decisão foi tomada após uma ação popular apresentada no final de 2020 pelo jurista Dalmo Dallari e outros interessados contra o governo, a prefeitura da capital e outros agentes públicos responsáveis pelo processo de licitação do espaço esportivo.
Os autores da ação disseram que o governo publicou o edital de concessão do complexo antes da decisão final sobre o pedido de tombamento do local;
E apontaram que a medida implicava na “descaracterização da finalidade do espaço público (treino esportivo e lazer) e que não houve participação popular, permitida no processo de tombamento”.
A juíza da 2ª Vara da Fazenda Pública da capital, determinou, então, que a licitação só acontecerá:
Depois da elaboração de um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) e
Se houver “previsão expressa das obrigações de fazer e não fazer decorrentes de atos de tombamento (provisório ou definitivo) impostos sobre o bem por quaisquer dos entes federativos (notadamente daqueles já impostos pelo Iphan e pelo Conpresp)”.
De acordo com a prefeitura, os PIUs são os estudos técnicos necessários a promover o ordenamento e a reestruturação urbana em áreas subutilizadas e com potencial de transformação na cidade.
“Antes de promover a concessão de uso do conjunto desportivo, era necessário verificar, por meio do devido processo administrativo, o valor cultural dos bens que compõem o complexo e respectivos instrumentos de proteção e, após, a viabilidade da intervenção urbana proposta para a área”, justificou a magistrada.
A juíza destacou também que, sem estudos e deliberações prévios sobre tais questões, o prosseguimento do processo licitatório da concessão poderia gerar diversos prejuízos ao interesse público, “por falta de planejamento e concatenação lógica entre os atos da Administração”.
Processo de tombamento
Em abril deste ano, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp) votou pela abertura do processo de tombamento do Complexo do Ibirapuera, na Zona Sul da cidade.
O tombamento abrange o Ginásio do Ibirapuera, o Ginásio Poliesportivo Mauro Pinheiro, o Estádio Ícaro de Castro Mello, o Conjunto Aquático Caio Pompeu de Toledo, o Palácio do Judô, quadras de tênis e prédios de administração.
Segundo a nota enviada pela Secretaria Municipal da Cultural, pasta a qual o Conselho é ligado, o assunto será enviado para o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH).
Em novembro de 2021, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou provisoriamente o local. Essa nova ação do Conpresp pode dificultar a privatização do Complexo do Ibirapuera.
Complexo esportivo do Ibirapuera inclui estádio com pista de atletismo e ginásio
Reprodução/Governo de São Paulo
Iphan
Na decisão do tombamento provisório pelo Iphan, Larissa Peixoto, presidente do instituto, certificou que as propriedades do Conjunto Desportivo, a partir da data do tombamento, “não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de 50% do dano causado”.
Em nota enviada em 2021, o governo de São Paulo informou que “tomará todas as medidas, sejam elas administrativas ou judiciais, para reverter a decisão publicada hoje pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”.
Segundo o texto, o estado considera que não há “qualquer fundamento que ampare o tombamento provisório das instalações do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (Ibirapuera)”.
Decisão pode frustrar planos
A gestão João Doria (ex-PSDB) planejava construir no local uma arena multiuso coberta para 20 mil pessoas no lugar do estádio de atletismo, erguendo também dois edifícios comerciais no espaço e transformando o atual ginásio do Ibirapuera em shopping center.
Com o tombamento, qualquer mudança arquitetônica no espaço fica proibida até que os estudos do Iphan sejam concluídos e o órgão dê um veredito final sobre o valor histórico arquitetônico do complexo, mesmo com a rejeição do tombamento feita pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em novembro do ano passado.
Em maio de 2021, o Iphan realizou uma visita técnica no Complexo do Ibirapuera a fim de dar seguimento ao processo de tombamento do conjunto. Na ocasião, o ex-governador João Doria chamou a decisão do Iphan de “descabida” e disse que o complexo não tem “valor arquitetônico que mereça ser mantido” como está, apenas “valor afetivo”.
Carta pública
Um grupo de professores e pesquisadores da FAU-USP afirmou que estava “extremamente preocupado” com o destino que a gestão Doria pretendia dar ao complexo esportivo do Ibirapuera. Eles são signatários de uma carta pública aberta à comunidade que deu origem ao movimento chamado “S.O.S Ginásio do Ibirapuera”.
O grupo criou uma petição online que reuniu mais de 6 mil assinaturas e pediu a preservação do prédio, tal qual ele foi concebido. Também se posiciona contra o projeto do governo tucano de conceder as áreas do complexo a empresas privadas.
“O projeto [de concessão], tal como estruturado, representa séria ameaça à integridade física e ao funcionamento de um equipamento esportivo que, além de ser muito utilizado na formação de atletas no Brasil, é constitutivo da história da cidade de São Paulo e realização fundamental da história da arquitetura brasileira. Além disso, tem grandes valores de uso e afetivo pela comunidade esportiva que dele faz intenso uso desde os anos 1950”, diz a carta pública do movimento.

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