A indevida revogação antecipada do Perse

No apagar das luzes de 2023, foi publicada a MP 1202/2023 no âmbito do pacote de medidas do governo federal para elevar a arrecadação. A Medida Provisória limitou a compensação tributária de créditos decorrentes de ações judiciais e reonerou a folha de salários para diversos setores da economia mediante a retomada da cobrança de contribuição previdenciária (cota patronal) no lugar da contribuição substitutiva sobre a receita bruta.

Além dessas duas medidas de grande impacto para a previsão arrecadatória do governo federal, a Medida Provisória revogou o benefício fiscal ao setor de eventos criado pela Lei 14.148/2021. Referido item do pacote de medidas, a despeito de sua grande relevância em razão do tamanho do setor de eventos, que é responsável por mais de 2 milhões de empregos diretos e indiretos e mais de R$ 200 bilhões de faturamento anual, não tem recebido a mesma atenção. 

Em linhas gerais, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) foi criado pela Lei 14.148, de 3 de maio de 2021, com o objetivo de compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento para combater a pandemia da Covid-19. 

Dentre os instrumentos do programa, foi estabelecida a redução a zero das alíquotas do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins pelo prazo de cinco anos. A alíquota zero estava prevista para valer entre o período de março de 2022 a fevereiro de 2027.

Com a publicação da medida provisória em questão, os setores econômicos beneficiados pelo Perse deverão retomar o recolhimento da CSLL, PIS e Cofins a partir de 1º de abril de 2024 e IRPJ a partir de 1º de janeiro de 2025. 

A revogação prematura do benefício fiscal deverá criar contencioso judicial entre Fazenda Nacional e contribuintes, tendo em vista a violação do artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual não podem ser livremente revogados os benefícios fiscais concedidos por prazo certo e mediante certas condições, tal como o Perse.

O tema já foi apreciado em algumas oportunidades pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) no âmbito do próprio Perse em razão das alterações promovidas pela Lei 14.492/2023, fruto da conversão da Medida Provisória 1.202/2023. 

Inicialmente, a Lei 14.148/2021, instituidora do Perse, qualificava aproximadamente 80 setores econômicos como do “setor de eventos” para fins de fruição da alíquota zero. Após a edição da Lei 14.492/2023, o número de setores econômicos contemplados foi reduzido à metade.

A parcela dos contribuintes excluídos de forma abrupta e antes do termo final do benefício fiscal ingressou com medidas judiciais para requerer o direito à fruição da alíquota zero, pelo prazo de cinco anos originalmente estabelecido.

O TRF3 em São Paulo já reconheceu em algumas oportunidades o direito desses contribuintes de não serem abruptamente excluídos do benefício do Perse com base no mencionado artigo 178 do Código Tributário Nacional.

Referidos precedentes não são definitivos e aguardam julgamento de recursos interpostos pela Fazenda Nacional. O tema deverá ser julgado de forma definitiva pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A propósito, o tema relativo à revogação prematura de benefícios fiscais concedidos por prazo certo e mediante certas condições não é matéria inédita no Superior Tribunal de Justiça. A Corte Superior já teve a oportunidade de apreciar o tema em diversas oportunidades.

Um exemplo é o julgamento emblemático da Lei 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, que concedia benefícios fiscais com o objetivo de fomentar a inovação tecnológica. A lei tinha previsão de término em 31 de dezembro de 2018. Todavia, antes do término do programa, a Lei 13.241/2015 revogou os benefícios fiscais.

No julgamento do tema, a Corte Superior reconheceu que a revogação prematura do benefício fiscal criado pela Lei do Bem ofendia o apontado artigo 178 do Código Tributário Nacional.

Espera-se, assim, que a referida conclusão também seja aplicada à prematura revogação integral do benefício fiscal do Perse pela MP 1202.

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