Veja o que se sabe sobre o caso da dentista suspeita de deformar pacientes com cirurgias estéticas


Delegada diz que existem indícios de que a profissional tenha praticado exercício ilegal da medicina, lesão corporal e execução de serviço de alta periculosidade. Defesa da dentista diz que a prisão foi feita de forma ‘arbitrária e injusta’. Dentista Hellen Kacia Matias da Silva é suspeita de deformar pacientes em cirurgias estéticas, em Goiânia
Divulgação/Polícia Civil
A dentista Hellen Matias está presa suspeita de deformar pacientes após a realização de procedimentos estéticos que só podem ser feitos por médicos, em Goiânia. Polícia Civil diz que existem indícios de que a profissional tenha praticado outros crimes contra a saúde pública, além de exercício ilegal da medicina, lesão corporal e execução de serviço de alta periculosidade.
A defesa dela afirma que o mandado de prisão considerou que a dentista descumpriu uma determinação da Justiça que a proibia de realizar cirurgias estéticas faciais após o dia 22 de novembro de 2023 – data em que a Polícia Civil cumpriu mandados na clínica dela pela primeira vez.
Porém, as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo alegam que a Justiça confundiu o procedimento realizado pela dentista e que, por esse motivo, a prisão da profissional foi feita de forma “arbitrária e injusta”.
Entenda tudo que a Polícia Civil já compartilhou sobre a investigação do caso.
Quem é a dentista?
Exercício ilegal da medicina
Materiais vencidos
Vítimas
Cursos
Prisão
O que diz a defesa da dentista?
O que diz o Conselho de Odontologia?
Indenização
1. Quem é a dentista?
Hellen Kacia Matias da Silva é cirurgiã-dentista com especialidade em harmonização orofacial. Ela tem registro profissional ativo em Goiás e, segundo informações de suas redes sociais, se apaixonou pela odontologia quando tinha 15 anos.
Na época, passou a atuar como auxiliar de dentista e, depois, percorreu “pelas práticas e vivências na medicina estética até concluir sua graduação em Odontologia em 2010”.
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Também segundo as redes sociais, Hellen é membro da Sociedade Brasileira de Odontologia e Estética e membro da Sociedade Brasileira de Toxina Botulínica e Implantes Faciais, pós-graduada em cirurgia oral menor, em toxina botulínica, preenchimento facial e expertise em bioplastia facial.
Em um de seus perfis, a dentista possui mais de 650 mil seguidores, onde compartilha vídeos e fotos que mostram resultados positivos de procedimentos estéticos que realiza em vários pacientes.
2. Exercício ilegal da medicina
Pacientes de dentista ficam deformados após cirurgias estéticas, em Goiânia, Goiás
Divulgação/Polícia Civil
A investigação teve início em setembro de 2023, após a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (Decon) receber denúncias de que Hellen e outros três dentistas estavam exercendo ilegalmente a medicina ao realizarem cirurgias estéticas que são proibidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO).
Vale mencionar que a resolução em questão (nº 230/2020) considera que procedimentos como a redução do nariz (alectomia), retirada de pele excessiva dos olhos (blefaroplastia), lipo de papada (face lifting) e outros, ainda não constam no conteúdo dos cursos de graduação e pós-graduação em odontologia. Sendo assim, esses profissionais não têm o conhecimento científico suficiente para realizar tais cirurgias.
Apesar disso, Hellen anunciava esses procedimentos nas redes sociais por valores abaixo do mercado, atingindo um grande número de pessoas, segundo a delegada Débora Melo.
Por esses motivos, em novembro de 2023, a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão na clínica da dentista, localizada no Setor Oeste, em Goiânia. Na ocasião, foram apreendidos celulares usados para falar com pacientes, prontuários médicos e outros materiais.
Dentista é suspeita de deformar pacientes ao realizar cirurgias estéticas, em Goiânia
Divulgação/Polícia Civil
3. Materiais vencidos
Durante as buscas na clínica, a polícia encontrou diversos instrumentos cirúrgicos, anestésicos e medicamentos vencidos.
Os materiais foram apreendidos e descartados pela Vigilância Sanitária, que também autuou a dentista por inadequação do alvará sanitário do estabelecimento, que não autorizava a realização de nenhum procedimento invasivo.
No dia 30 de janeiro, a clínica foi novamente alvo de mandado de buscas e apreensão pelos policiais e novos produtos vencidos há pelo menos 10 anos foram apreendidos. O superintendente de vigilância em saúde de Goiânia, Pedro Guilherme de Moraes informou que o local foi interditado e multado em R$ 400 mil.
“Eram medicamentos tarja preta, esses mesmos medicamentos estavam vencidos, também tem a questão dos instrumentos que ela usava sem estar higienizado e devidamente esterilizado”, disse à TV Anhanguera.
Dentista Hellen Kacia Matias da Silva é suspeita de deformar pacientes em cirurgias estéticas, em Goiânia
Reprodução/TV Anhanguera
Ao g1, a Vigilância Sanitária divulgou que foram encontrados os seguintes itens:
Itens gerais:
190 frascos de um medicamento de controle especial (tarja preta): Estavam fora do armário, em local inadequado e sem autorização sanitária para dispensário;
Instrumentos cirúrgicos não esterilizados: cânulas de lipoaspiração, tesouras, navalhas, pinças e afastadores cirúrgicos.
Produtos vencidos:
Fios de sustentação vencidos em 2014;
Agulhas e placas cristal vencidas em 07/2020;
Sugador endodôntico vencido em 2014;
Sprint nasal vencido em 10/2022;
30 unidades de fio de nylon vencidos em 2021
4. Vítimas
No celular usado para falar com os pacientes, os policiais encontraram vários clientes de Hellen que ficaram com rostos deformados após a realização de cirurgias com a profissional. Em conversas, pacientes reclamam de inflamações, cicatrizes e assimetria nos resultados (veja abaixo).
“O que chamou atenção é que não havia nenhum registro de ocorrência antes, foi só depois da análise do celular que nós vimos mais de 30, 40 pessoas que reclamavam dos resultados das cirurgias”, afirmou a delegada.
Pacientes que fizeram cirurgias estéticas com dentista reclamam dos resultados
Divulgação/Polícia Civil
Antes da prisão de Hellen, a polícia colheu declarações de 13 vítimas da dentista, bem como depoimentos de ex-funcionários do instituto. Segundo a delegada, todos relataram que a dentista não aceitava qualquer crítica ao seu trabalho, tratando os pacientes com descaso.
Além disso, todas as pessoas ouvidas pela confirmaram a realização de cirurgias estéticas proibidas em local inadequado (fora do ambiente hospitalar), gerando grave risco à integridade física dos consumidores.
Após a ampla divulgação do nome e fotos de Hellen, na terça-feira (30/01), mais quatro pessoas procuraram a delegacia para denunciá-la. A polícia diz que todas as novas vítimas são do interior do estado e vão prestar depoimento em breve. A delegada acredita que o número de vítimas pode aumentar muito até o fim do inquérito.
“A análise do celular e dos prontuários dos pacientes indicou o cometimento desses crimes contra pessoas muitas vezes humildes, que juntavam dinheiro para fazer uma cirurgia estética, que não tinham conhecimento que a profissional não tinha atribuição e que ficaram deformadas”, afirmou a delegada.
Dentista Hellen Kacia Matias da Silva é suspeita de deformar pacientes em cirurgias estéticas, em Goiânia
Divulgação/Polícia Civil
5. Cursos
Hellen também ministra cursos, ensinando técnicas de cirurgias estéticas que só podem ser aplicadas por médicos. Segundo a delegada Débora Melo, no contrato do curso a profissional dizia que ele não era reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC).
“No contrato ela falava que o curso não era reconhecido pelo MEC. Um curso para realização de cirurgias faciais com uma carga horária de 3 dias de duração e pagando cada aluno entre R$ 10 a 15 mil”, detalhou a investigadora.
A quantidade de dentistas que fizeram cursos de cirurgias faciais com Hellen é bem grande, segundo a delegada. Especialmente porque, são profissionais espalhados por vários estados do país. A Polícia Civil ainda está contabilizando o número exato de alunos.
Os cursos também são anunciados nas redes sociais. “Aprenda a revolucionária técnica de lipo de papada sem flacidez e diferencie-se no mercado de estética facial. No nosso curso está incluso todo o conteúdo com aula teórica e prática com paciente modelo”, diz uma das publicações.
Dentista Hellen Kacia Matias da Silva usava perfil com mais de 650 mil seguidores para divulgar cursos, em Goiânia
Reprodução/Redes Sociais
Em nota, o MEC respondeu que “é responsável por instituições e cursos de nível superior, não tendo competência sobre cursos livres” e que o “exercício da profissão é de competência do respectivo Conselho Federal”.
O g1 entrou em contato com Conselho Federal de Odontologia (CFO) para questionar sobre o caso, mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem.
De acordo com a delegada, além de vítimas de procedimentos realizados por Hellen, a Polícia Civil encontrou clientes insatisfeitos com resultados de procedimentos feitos por “alunos” da dentista.
“Além de promoverem procedimentos que não são autorizados, elas ainda têm ensinado outros profissionais a realizarem os mesmos procedimentos”, afirma a delegada.
Em uma conversa divulgada pela polícia, um cliente diz que no dia em que foi fazer uma cirurgia estética de blefaroplastia, para a remoção de pele em excesso nos olhos, Hellen foi almoçar, deixando que outra pessoa fizesse o procedimento.
Paciente reclama de resultado de cirurgia estética feita com dentista, em Goiânia
Divulgação/Polícia Civil
A vítima relata que não gostou do resultado e chegou a marcar uma reparação com Hellen, mas que a dentista disse que “não atenderia mais paciente reclamão”.
“Não ficou bom, aí fui fazer o retoque. Cheguei 11h50 e me deixaram esperando até 17h30 e ainda sim, por eu ter reclamado, não sei o que foram falar para a Dra, ela disse que não atenderia mais paciente reclamão, na frente de todo mundo que tava lá”, reclamou o cliente.
6. Prisão
Hellen foi presa no dia 30 de janeiro de 2023, em Goiânia, a partir de um mandado de prisão preventiva autorizado pela Justiça.
Presa dentista suspeita de atuar como médica e deformar pacientes em cirurgias estéticas
7. O que diz a defesa da dentista?
A defesa de Hellen afirma que o mandado de prisão considerou que a dentista descumpriu uma determinação da Justiça que a proibia de realizar cirurgias estéticas faciais após o dia 22 de novembro de 2023 – data em que a Polícia Civil cumpriu mandados na clínica dela pela primeira vez.
Porém, as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo alegam que a Justiça confundiu o procedimento realizado pela dentista e que, por esse motivo, a prisão da profissional foi feita de forma “arbitrária e injusta”.
Confira abaixo a nota completa:
A defesa da odontóloga Hellen Matias alega que a prisão da profissional – realizada no dia 30 de janeiro – foi feita de forma arbitrária e injusta, já que a mesma não descumpriu determinação da Justiça, que a proibia de realizar cirurgias estético faciais após o dia 22 de novembro.
Segundo as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo, que representam a dentista, a Justiça confundiu o procedimento realizado. A profissional – que tem a especialidade buco maxilo facial, realizou, após o dia 22 de novembro, procedimento reparador e não estético, dentro da competência da especialidade da profissional. Ela corrigiu lesão em uma paciente como uma complicação de procedimento (ectrópio) realizado anteriormente por uma outra profissional, o que é permitido pela resolução 65, artigo 41, do Conselho Regional de Odontologia (CRO).
A defesa reitera que o procedimento foi reparador, uma sutura feita na paciente para sanar uma intercorrência ocasionada por cirurgia prévia realizada por outra profissional e não uma blefaroplastia, como consta nos autos e no próprio depoimento da paciente.
Sob a condução das investigações, a defesa reclama que estão sendo veiculadas imagens de procedimentos com intercorrências que não foram realizados pela dentista Hellen Matias. Fotos que, inclusive, não são de pacientes da odontóloga, mas casos que foram levados para discussão em grupo de estudo, o que está muito claro no processo, até mesmo banco de imagens.
As advogadas afirmam também que as fotos divulgadas foram descontextualizadas. Em sua grande maioria são de reações inerentes aos procedimentos e ao processo de cicatrização, como hematomas, inchaços e intercorrências normais.
As advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo alegam que o vazamento das imagens – que deveriam ser sigilosas, posto que não submetidas ainda ao crivo do contraditório – demonstra falta de lisura nas investigações. A propósito, o laudo do exame de corpo de delito que fundamenta a prisão da dentista comprova que não houve a execução de cirurgia estética facial pela Dra Hellen Matias, mas sim por outra profissional.
Todas essas alegações serão apresentadas pela defesa durante a audiência de custódia, que será realizada na tarde desta quarta-feira (31), no Fórum Cívil,3 Vara Criminal, mezanino, sala M 3 C, às 17 horas, do dia 31 de janeiro de 2024.
8. O que diz o Conselho de Odontologia?
Em nota, o Conselho Regional de Odontologia (CRO-GO) disse que “medidas administrativas pertinentes estão sendo tomadas, obedecendo o devido sigilo aplicável ao caso”.
O registro profissional de Hellen continua ativo no estado.
9. Indenização
Paciente de dentista Hellen Kacia diz que sentiu fortes dores e dormência por meses em Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
Uma paciente, que preferiu não se identificar, descreveu sensações de medo e desespero após fazer um procedimento estético com Hellen. À TV Anhanguera, a mulher detalhou que fez uma rinomodelação, em que aplica-se ácido hialurônico para preencher e corrigir imperfeições do contorno e formato do nariz, mas que teve uma necrose na região.
“Senti muita dor no nariz, a minha boca ficou dormente mais ou menos uns 5 meses, manchada… Meu nariz todo manchado. Eu andei com máscara uns 2 anos porque eu não poderia pegar sol e também tinha muita vergonha. Você vai num lugar pra sair melhor do que entrou e saí daquele jeito?”, desabafou a mulher.
Segundo a paciente, um aluno de Hellen foi quem começou o atendimento. “Ela deixou o aluno fazendo o meu procedimento, quando ela voltou, ela que pegou e estava ensinando o aluno. Aí ele pegou, colocou o produto para ela e ela veio injetar”, contou.
Em busca de Justiça, a paciente disse que processou Hellen, ganhou a ação e deve ser indenizada. Para reparar os estragos, a mulher disse que gastou dinheiro, mas ainda tem uma cicatriz, além das sequelas emocionais.
“Uma depressão, uma síndrome do pânico que eu tive. Eu não queria sair de casa, só queria ficar deitada”, desabafou.
Paciente de dentista Hellen Kacia diz que sentiu fortes dores e dormência por meses em Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
Em abril de 2023, Hellen e a clínica estética foram condenadas a pagar R$ 10 mil em uma indenização por danos morais à paciente. Na sentença, é dito que um laudo pericial concluiu que houve uma falha técnica na aplicação do ácido hialurônico durante o procedimento, resultando em uma necrose nasal isquêmica.
“No laudo pericial há a conclusão de que a existência de intercorrência do tipo necrose nasal isquêmica decorre da ação profissional, (…) evidenciada a falha técnica na aplicação do ácido hialurônico, logo, não tendo a parte requerida colacionado provas suficientes para contrapor essa conclusão, não há como afastar sua culpa”, considerou o juiz Danilo Luiz Meireles dos Santos.
Segundo o Tribunal de Justiça de Goiás, Hellen e a clínica condenada chegaram a entrar com um recurso para recorrer da decisão, mas ele foi negado. Agora, o processo segue normal, aguardando o cumprimento da sentença.
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