Demanda por gás dos EUA pode impulsionar crise climática

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País lucra com cortes de importações russas feitos por países europeus. Aumento da procura levou Estados Unidos a investir na expansão da produção.”À noite, ela é iluminada como Las Vegas”, descreve John Allaire, um engenheiro aposentado, o que vê quando olha para a chama tóxica de dez metros de altura que sai de uma refinaria de gás natural liquefeito (GNL) vizinha à sua propriedade costeira no estado de Louisiana, no sul dos EUA.

Concluída no início de 2022, a refinaria de Calcasieu Pass, assim como outras que se multiplicam na Costa do Golfo, de Nova Orleans a Rio Grande, extrai, por meio do processo conhecido como fracking, o gás de xisto da região para produzir gás natural para a exportação.

“As refinarias poluem o ar, a água e agora querem triplicar o tamanho dessa instalação”, alerta Allaire sobre a infraestrutura que deve ser expandida sobre as áreas úmidas ao redor, repletas de lontras, patos, peixes e camarões.

A Calcasieu Pass é da Venture Global, gigante do GNL com sede na Virgínia. A empresa quer construir uma instalação de exportação de GNL adjacente, chamada CP2, ampliando assim a atual refinaria. A Alemanha, onde fracking é proibido, é um dos principais financiadores do projeto. O país europeu tornou-se um cliente importante nos últimos anos, ao expandir as importações de GNL dos EUA para compensar a perda da oferta russa após a invasão do país à Ucrânia.

Em junho de 2023, a empresa estatal alemã Securing Energy for Europe (SEFE) – antiga Gazprom Germania – assinou um contrato de 20 anos com a Venture Global para importar milhões de toneladas de GNL por ano das instalações da CP2. A venda para Alemanha compensa, pois o país um preço muito acima do doméstico pelo gás natural dos EUA.

Com o contrato, a Venture Global pode se tornar a maior fornecedora de GNL da Alemanha, apesar das preocupações com seu histórico ambiental.

A atual refinaria de GNL da empresa, na fronteira com a propriedade da Allaire, foi alvo de 139 denúncias por poluição do ar desde que começou a operar em 2022, de acordo com o Departamento de Qualidade Ambiental da Louisiana. Segundo Shreyas Vasudevan, da ONG ambiental Louisiana Bucket Brigade, a empresa está operando “fora dos parâmetros” da Lei do Ar Limpo dos EUA para poder atender à crescente demanda de clientes como a Alemanha.

No entanto, o CEO da Venture Global LNG, Mike Sabel, assegura que empresa está trabalhando com a SEFE para garantir “a segurança do fornecimento não apenas para a Alemanha, mas para o restante do mercado de gás europeu”. “A Alemanha agiu de forma decisiva para diversificar seu portfólio de energia, e o GNL será uma parte vital desse mix”, disse ele em um comunicado em junho passado.

A DW entrou em contato com a Venture Global para comentar o assunto, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.

Exportações de GNL: ‘”vender para quem dá o maior lance”

O projeto CP2 tornou-se o foco dos esforços para impedir a expansão do GNL, que fará com que os EUA dobrem suas exportações de gás até 2035. Embora os Estados Unidos produzissem gás exclusivamente para consumo doméstico até 2016, o país agora é o maior exportador de GNL do mundo.

“Nos 20 anos em que trabalhei com exploração, produção e perfuração, nenhuma dessas moléculas de hidrocarbonetos foi para o mar”, disse Allaire à DW. “É um jogo diferente agora. Vendem para quem der o maior lance.”

O gás natural tem sido apresentado como uma “ponte” para um sistema de energia livre de combustíveis fósseis, pois emite menos CO2 do que o carvão. Mas o GNL é composto principalmente de metano, um gás de efeito estufa cerca de 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono, se levando em conta em um período de 20 anos. Além disso, a longa cadeia de fornecimento de GNL aumenta o risco de vazamentos de metano.

Os EUA anunciaram regras para reduzir as emissões de metano do setor de petróleo e gás na cúpula climática COP28, realizada no ano passado nos Emirados Árabes Unidos, mas a produção de GNL em andamento contradiz a intenção.

De acordo com um estudo de 2019 realizado por Robert Howarth, especialista em metano da Universidade de Cornell, nos EUA, apenas o aumento na exploração de gás de xisto por fracking na América do Norte pode ter sido o responsável por “mais da metade do aumento das emissões de combustíveis fósseis em todo o mundo na última década”.

“Exportações de GNL serão responsáveis por mais emissões de gases de efeito estufa do que todos os carros, casas e fábricas da Europa”, escreveu o ativista climático americano Bill McKibben em um artigo em dezembro. A expansão da produção de GNL anulará todas as reduções de emissões nos EUA desde a virada do século, acrescentou ele.

McKibben se refere também a uma carta enviada por 170 cientistas ao presidente dos EUA, Joe Biden, em dezembro. Nela, eles exigiam que Biden cancelasse a licença para o terminal CP2 e acabasse com todos os projetos futuros de GNL.

“A magnitude da expansão proposta para o GNL nos próximos anos é impressionante”, diz a carta. “A aprovação do CP2 e de outros projetos minará os objetivos estabelecidos para abordar de forma significativa a crise climática e nos colocará em um caminho contínuo em direção a um caos climático crescente.”

Anteriormente, em novembro, outra carta assinada por 60 legisladores democratas pediu ao Departamento de Energia que considerasse “o impacto agregado que o enorme crescimento das exportações de GNL dos EUA tem sobre o clima, as comunidades e nossa economia”.

Centenas de manifestantes marcharam em Nova Orleans na semana passada contra a ampliação da refinaria de GNL da Venture Global em Plaquemines Parish. As comunidades vizinhas do projeto, predominantemente compostas por negros, serão drasticamente afetadas pela poluição em caso de fortes tempestades, disse o Bispo Wilfret Johnson da Paróquia de Plaquemines, que se opõe à construção.

“Os furacões ocorrem o tempo todo; essa fábrica está na zona de inundação”, disse ele à DW, lembrando os danos causados pelo furacão Katrina em 2006.

Biden cedeu à pressão?

Essa resistência dos eleitores preocupados com o clima pode ter influenciado o governo Biden. Na sexta-feira (26/01), a Casa Branca confirmou que suspenderia temporariamente a aprovação de autorizações de exportações de novas refinarias de GNL pendentes que não fazem parte de acordos de livre comércio, como aquelas da Europa – para onde foi cerca de metade de todas as exportações em 2023.

Enquanto isso, o Departamento de Energia realizará uma análise dos impactos da exportação de gás, como o possível aumento no preço da energia para os consumidores americanos, e seu reflexo nas emissões de gases de efeito estufa. A declaração do governo também se referiu aos “impactos perigosos do metano em nosso planeta”.

Segundo uma reportagem do New York Times, a CP2 da Venture Global e outros 16 projetos de exportação de GNL não serão aprovados até o próximo ano.

“Tal ação chocaria o mercado global de energia, tendo o impacto de uma sanção econômica e enviando um sinal devastador aos nossos aliados de que eles não podem mais confiar nos Estados Unidos”, disse a porta-voz da Venture Global, Shaylyn Hynes, em resposta às declarações.

Alemanha tem papel central no boom do gás fóssil

De acordo com relatório do think tank alemão The New Climate Institute, a Alemanha está pagando preços altos por um gás de que nem sequer precisa.

A demanda alemã por gás caiu 12% em 2022, em parte devido à maior eficiência e à economia de energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mesmo assim, o país está construindo uma série de novos terminais para receber GNL dos EUA e de outros países, como o Catar. Além disso, a atual infraestrutura dos EUA já é suficiente para compensar o déficit de fornecimento de gás russo na Europa, dizem especialistas em energia.

“A Alemanha nunca teve escassez de gás e foi capaz de lidar com o inverno de 2022 sem seus próprios terminais”, diz uma carta da sociedade civil alemã e de grupos ambientais enviada aos reguladores dos EUA em 17 de janeiro, que também pedia que a CP2 da Venture Global não fosse autorizada.

De acordo com a carta, o Ministério da Economia alemão “admitiu que a Alemanha conseguiu suprir a demanda por meio dos terminais de importação de GNL existentes na Bélgica, Holanda e França”.

“Não se trata de um recurso infinito; não é uma solução de longo prazo”, disse John Allaire sobre o raciocínio de que o “gás da liberdade” dos EUA suprirá as necessidades energéticas da Europa no futuro. “Podemos ser 100% sustentáveis com energia renovável nos próximos dez anos, se quisermos”, acrescentou. “Mas há muito dinheiro envolvido nisso.”

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