No Dia da Visibilidade Trans, mulheres transgênero relatam histórias de superação e conquistas: ‘O mundo me fez batalhar sozinha’

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Ao g1, Fábia Ferraz do Nascimento e Stefany Reis Chaves Torres relembraram suas histórias de vida e obstáculos que enfrentaram no país que mais mata pessoas transgêneros. Em meio a uma sociedade cheia de estigmas e com baixas expectativas sobre a comunidade, elas são consideradas exemplos de superação. Ao decorrer da história da humanidade, a comunidade LGBTQIA+ passou por décadas de negligência e marginalização de seus corpos. Para pessoas trans e travestis, o desafio chega a ser ainda maior: no Brasil, o país que mais mata transgêneros, a expectativa de vida é de apenas 35 anos.
No Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado nesta segunda-feira (29), o g1 conversou com duas mulheres que fazem parte da causa ativamente. Diante de histórias de vida surpreendentes, elas são consideradas um símbolo de resistência local.
Fábia Ferraz do Nascimento tem 44 anos e é natural de Capão Bonito (SP), mas mora em Sorocaba (SP) há 18 anos. Atual presidente da Associação dos Transgêneros de Sorocaba (ATS), ela conta que foi a primeira pessoa de sua cidade natal a utilizar a identidade trans.
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“Me entendo como pessoa trans desde os 12 anos de idade. Lá em Capão Bonito, fui a primeira pessoa a usar esse termo. As pessoas sequer sabiam o que era. Minha mãe me disse muitas vezes que, desde criança, eu era confundida como uma menina por ser muito afeminada. Na minha visão, nunca tive um processo de descoberta”, conta.
A estilista ainda afirma que, mesmo tendo todas as condições para uma caminhada cheia de obstáculos, ela foi agraciada pelas pessoas à sua volta. Para ela, o apoio de sua mãe foi essencial.
“Na adolescência passei a me portar como uma menina e, na época, isso era um escândalo. Mas tudo foi mais leve graças à minha mãe, que me disse desde o começo que me amaria da forma que eu sou e ela me diz isso até hoje. Tenho origem na zona rural e sou de uma família extremamente religiosa. Por essas e outras, sempre passei por situações desconfortáveis de cabeça erguida e tentando mudar a realidade das pessoas trans ao meu entorno”, relata.
Fábia Ferraz do Nascimento tem 44 anos e é a atual presidente da Associação dos Transgêneros de Sorocaba (ATS)
Reprodução/@caodenado
Para Fábia, os obstáculos são diários, já que, em sua visão, pessoas transgêneros ainda passam por desconfortos semelhantes aos da década de 90.
“As barreiras daquela época ainda são, em muitas das vezes, parecidas com as atuais. O uso dos banheiros, a fetichização de nossos corpos, o uso incorreto dos pronomes. Hoje em dia, o preconceito é camuflado, pois conseguimos diversos avanços de direitos. Também, existe um número muito maior de pessoas acolhedoras”, diz.
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Marcha Trans de Sorocaba (SP) é organizada pela ATS
Reprodução/Facebook
Ativista da causa desde 2006, ano em que se mudou para Sorocaba (SP), Fábia já realizou inúmeras contribuições para a cena local. Ela conta que a sua atividade filantrópica veio da vontade da população ser respeitada.
“Foi algo extremamente natural. Sempre achei muito importante fazer a diferença onde estiver e impulsionar as pessoas, mesmo que só com palavras de incentivo. Eu e uma amiga, Thara Wells, chegamos a organizar uma parada LGBT que foi até premiada. Já a ATS, fundamos juntas em 2017. A partir dela, conseguimos trazer uma maior visibilidade para a causa”, conta.
Em sete anos de funcionamento, a associação conseguiu levar a pauta trans para diversas esferas do debate público.
“Em parceria com a Antra, conseguimos instalar o Prepara Trans, para cursinhos pré-vestibular e concursos públicos. Também, no auge da pandemia, a ATS chegou a distribuir cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade social, fora o nosso atendimento psicológico voluntário, que possui uma fila imensa. Já estivemos em diversas universidades dando palestras. A lista vai longe”, relembra.
‘Me caçoavam por ser quem eu sou’
Stefany Reis Chaves Torres passou boa parte da infância em Cristais (MG) e atualmente mora em Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Stefany Reis Chaves Torres, de 32 anos, também é um dos exemplos de superação. Assim como Fábia, a zona rural também foi o cenário inicial da sua história.
“Passei a minha infância em Cristais (MG), uma pequena cidade do interior. Lá, existia uma lenda de que, se uma pessoa passasse debaixo do arco-íris, ela trocava de sexo. E eu, mesmo criança, era louca para que isso acontecesse. Todos os dias antes de dormir, pedia para Deus me tornar uma menininha, pois eu não era feliz comigo”, relata.
A bartender conta que, durante a sua adolescência, já em Sorocaba (SP), foi vítima de inúmeros preconceitos. E, antes da sua transição, o colégio ficou marcado por momentos difíceis.
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“Todas as pessoas da escola me caçoavam por ser quem eu sou. Meus trejeitos afeminados, por pintar a unha, por usar maquiagem. Cheguei a apanhar. A diretora do colégio em que estudei chegou a me perguntar o motivo de eu ser assim. Tentaram até me separar da minha única amiga, coisa que não ocorreu. Estamos extremamente unidas até hoje”, conta.
Stefany afirma que, a partir dos 18 anos, tudo foi diferente. Seu primeiro contato com mulheres trans e travestis fizeram ela repensar sobre a sua identidade.
“Me ‘montei’ pela primeira vez na casa de um amigo. Fomos com peruca e vestimentas femininas para uma festa em que a entrada feminina era gratuita. Com o tempo, passei a perceber que me sentia mais confortável assim, e isso foi fazendo falta durante a semana”, afirma.
Stefany também trabalhou como gerente de uma casa noturna de Sorocaba (SP) por cerca de quatro anos
Arquivo Pessoal
A performer da cultura ballroom também trabalhou como gerente de uma casa noturna da cidade por cerca de quatro anos. Lá, foi assumindo sua verdadeira face e ganhando reconhecimento.
“Quando entrei neste emprego, fui obrigada a cortar o cabelo e me vestir como homem. Aos poucos, fui passando por cima disso. Meu chefe não gostava nem um pouco e me chamava pelo meu ‘nome morto’. Já os clientes, me chamavam de Stefany. Ela ocupou o espaço que ela precisava. Nunca existiram duas pessoas, eu sempre fui uma só”, relembra.
Ao g1, a moradora de Sorocaba (SP) ainda diz que, devido à marginalização da comunidade trans e por falta de oportunidades legítimas, se sentiu obrigada à correr para o mundo da prostituição.
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“Cheguei a me prostituir por um curto período de tempo. Foi uma época extremamente difícil e perigosa. Quando minha mãe ficou sabendo, ela me acolheu. Me ajudou a abrir uma loja de maquiagens no shopping e me tirou dessa vida. Dessa forma, pude ser mais eu. Hoje, sou bartender de uma casa noturna. Travesti também trabalha a noite e não é só vendendo o corpo. Sou muito capacitada”, conta.
Durante o seu progresso, ela relata que passou por diversas situações de vulnerabilidade, preconceito e assédio. Em meio de uma caminhada na rua, Stefany chegou a ser esfaqueada por um homem.
“Estava passando na rua quando um homem me chamou pedindo por favores sexuais. Eu obviamente neguei, e foi aí que levei uma facada que perfurou meu intestino. Tive que ser operada. Essa fase foi muito difícil. A solidão para a travesti é um sentimento muito cruel”, afirma.
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Hoje, com uma vida estável e casada, a bartender se considera uma superação. Em um mundo considerado transfóbico, ela se diz resistência.
“O mundo me fez batalhar sozinha. Me considero uma pessoa privilegiada por ter tido algum apoio da família, mesmo que não tenha sido o apoio perfeito. Hoje, penso na Stefany de antes. Se pudesse, diria para ela que tempos melhores virão e que o momento dela vai chegar. Ela vai ser igualzinha aos ídolos dela”, finaliza.
*Colaborou sob supervisão de Júlia Martins
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