Capítulo 11: entenda o que é o mecanismo e a diferença para a recuperação judicial brasileira

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Para especialistas ouvidos pelo g1, a reestruturação financeira na Justiça dos EUA é muito usada por empresas brasileiras pela maior facilidade de negociar dívidas em dólar, menor burocracia processual e pelas categorias de dívida que ficam suspensas durante o processo. Boeings 737 NG e MAX, da GOL Linhas Aéreas.
Divulgação
O Capítulo 11 da Lei de Falências norte-americana, ou “chapter 11”, voltou a ser tema do mercado na última quinta-feira (25). O instrumento foi acionado pela Gol Linhas Aéreas, nos Estados Unidos, com o objetivo de reestruturar as obrigações financeiras de curto prazo da empresa e “fortalecer sua estrutura de capital para ter sustentabilidade no longo prazo”.
As dívidas da companhia são estimadas em R$ 20 bilhões. O mecanismo é usado para suspender a execução de dívidas e permitir que a empresa proponha um plano de reestruturação sem que precise parar de operar. É semelhante ao processo de recuperação judicial brasileiro, mas com pequenas diferenças.
Nesta reportagem você vai entender:
O que é o Capítulo 11 da Lei de Falências dos EUA?
Qual a diferença entre o Capítulo 11 e a recuperação judicial no Brasil?
Por que algumas empresas optam pelo Capítulo 11 em vez de abrir o processo no Brasil?
O que é o Capítulo 11 da Lei de Falência dos EUA?
O Capítulo 11 da Lei de Falências norte-americana é um mecanismo que pode ser acionado tanto por empresas que estejam com dificuldades financeiras, quanto por seus credores.
O instrumento é usado para suspender a execução de dívidas e permitir que a empresa proponha um plano de reestruturação financeira e operacional, de maneira que a companhia siga operante e consiga mais tempo para pagar seus credores.
Segundo informações do Tribunal dos EUA, a empresa devedora mantém todos os seus ativos, podendo continuar com a operação, negociar um possível adiamento de suas dívidas e, com aprovação judicial, até mesmo conseguir um novo empréstimo.
Um plano de reestruturação deve ser proposto pela empresa devedora e precisa ser aprovado pelos credores. Toda essa negociação é feita sob mediação da justiça.
“A escolha por ingressar com este procedimento visa também, em curto prazo, quitar os credores, bem como fortalecer sua estrutura de capital no longo prazo, com vistas a novos financiamentos”, afirma a advogada especialista em reestruturação empresarial do Luchesi Advogados Camila Crespi.
Gol entra com pedido de recuperação judicial nos EUA
Qual a diferença entre o Capítulo 11 e a recuperação judicial no Brasil?
Segundo especialistas consultados pelo g1, ambos os processos de recuperação são bastante semelhantes — o Capítulo 11, inclusive, inspirou a alteração da lei de recuperações judiciais no Brasil.
Especialistas, contudo, apontam três principais diferenças.
➡ A primeira delas é o fato de que, no Capítulo 11, tanto as pessoas físicas quanto jurídicas podem buscar esse benefício legal. Por aqui, não.
“No Brasil, apenas as sociedades empresariais — sociedades limitadas, microempresas ou sociedades anônimas — podem ingressar com a recuperação judicial”, afirma Crespi, do Luchesi Advogados.
Ela lembra, ainda, que apenas com uma alteração recente da lei brasileira que se permitiu que o produtor rural que exerce atividade empresarial também pudesse aderir ao processo.
➡ Segundo, é a exigibilidade dos créditos dentro do Capítulo 11. Nos EUA, os débitos são automaticamente suspensos, incluindo aqueles relacionados a arrendamento e contratos de leasing, por exemplo.
Já no Brasil, créditos relacionados a operações com garantia fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda com reserva de domínio, entre outros, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial.
➡ Por fim, as empresas também preferem a maior fluidez do processo nos tribunais americanos em relação ao observado no Brasil.
Segundo o advogado empresarial e sócio do escritório Morais Advogados, Carlos Yury de Morais, a legislação brasileira foi atualizada com cerca de 30 anos de diferença em relação à atualização feita no país norte-americano.
“Lá [nos Estados Unidos] já existe uma jurisprudência consolidada, o que torna o procedimento bem mais seguro do que aqui. Seguro no sentido de saber que o procedimento já tem regras específicas, segue determinado rito e que ele não vai ter dificuldade, por exemplo”, diz.
Entenda o que é a recuperação judicial e como ela funciona
Por que algumas empresas preferem o Capítulo 11 do que a recuperação judicial no Brasil?
A Gol não foi a primeira companhia fora dos Estados Unidos a optar pelo Capítulo 11. Só na América do Sul, por exemplo, outras empresas aéreas – como a Latam e a colombiana Avianca – também já optaram pelo benefício legal proposto pela Lei de Falências norte-americana.
Para especialistas, isso acontece por uma série de fatores, tais como:
A maior facilidade dos devedores em negociar suas dívidas em dólar;
A menor burocracia processual vista no Capítulo 11;
A exigibilidade das dívidas que ficam suspensas durante o processo;
A cultura norte-americana mais voltada para o empreendedorismo; entre outros.
Segundo Fabio Melo, advogado da Goulart Penteado, apesar de o Capítulo 11 exigir um formulário em que alguns requisitos também precisam ser preenchidos, o processo acaba sendo “menos burocrático do que pedir recuperação judicial aqui no Brasil”.
“A cultura norte-americana é diferente da nossa, e a abrangência dos créditos no pedido de recuperação dos EUA é maior”, afirma Melo.
“Lá nos EUA, o pedido suspende automaticamente os créditos, incluindo aqueles de arrendamento e relacionados a contratos de leasing, que é o ponto principal das companhias aéreas como a Gol, por exemplo, porque as aeronaves são arrendadas”, acrescenta.
Com isso, diz ele, a principal parcela da dívida, que é junto aos arrendadores, é suspensa — o que ajuda a explicar a preferência de algumas empresas, principalmente do setor aéreo, em abrir um pedido de recuperação judicial pelo Capítulo 11.
Os especialistas afirmam, no entanto, que o uso do instrumento depende da estratégia de cada empresa. Mesmo após o pedido, a empresa continua a operar normalmente.
“O objetivo desse processo é superar a situação de crise e permitir que a empresa mantenha a operação e preserve seus ativos, conseguindo tempo para negociar com credores em um ambiente supervisionado pelo judiciário. É isso o que vai trazer segurança para a operação”, completa Melo.

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