Pluralidade e movimento são características da cultura de Palmas em 34 anos de história

Capital completa 34 anos com espírito jovem e diversidade nas manifestações culturais. Encontros de vários lugares demarcam a peculiaridade da cultura Palmense. Tambores, teatro, cinema e literatura marcam a produção cultural de Palmas
Reprodução
“Palmas é o retrato 3×4 da cultura brasileira”. Com essas palavras, Tião Pinheiro define a cultura da capital mais jovem do Brasil, que completa 34 anos neste sábado (20). O escritor faz a comparação com base em uma célebre frase de Nelson Rodrigues, que considerava Copacabana o retrato 3×4 do Brasil.
Como uma representação da pluralidade que se forma o país, a música considerada o hino de Palmas, que guia esta reportagem, também demonstra as belezas e diversidade encontradas na capital: “Palmas, na manhã do teu nascer, vejo a esperança florescer num sonho lindo de viver. Vejo o futuro no horizonte, o teu povo vem à fonte no coração de quem quer vencer. Tua grandeza depende dessa gente que, unida, te fará maior.”
O retrato atual se relaciona com a diversidade cultural encontrada na capital tocantinense. Formada por gente vida de diversos estados do país, essa mistura de pessoas reflete na economia, política, sotaque e, principalmente, na cultura local.
Prova disso é a Aldeia TabokaGrande, em Taquaruçu, distrito de Palmas. Em uma mistura de capoeira, boi e congado surge a Capoeboiconggo, expressão cultural típica da aldeia.
Capoeboicongo é tradicional do distrito de Taquaruçu
Helen Lopes
“Nossa representação está na mistura de tradições e esse elemento de transformação que temos em Palmas. A capital é um pouco de muitos lugares. Assim como nós temos princípios e origem de muitas fontes, mas não somos nem boi, nem capoeira, nem congado, somos Capoeboiconggo: a base da cultura Tabokagrande que se constitui de representações míticas da natureza de lendas amazônicas e das tradições ribeirinhas para ser o que fazemos hoje. Assim, acho que somos Palmas pelo mesmo encantamento de identificação, como sendo conhecidos, mas diferente de tudo que já vimos”, destaca o mestre Wertemberg Nunes.
Os rituais da aldeia são marcas simbólicas do processo de construção da identidade cultural de Palmas, que reforçam as características culturais da capital. Conhecidos como “Gigantes de Palmas”, os bonecos produzidos na Aldeia são figuras humanizadas que misturam signos das tradições tupi-afro-brasileira com a cultura de mitos da Amazônia. Essas peças representam a ancestralidade cultural do distrito, mantendo-se como guardiões da memória de Taquaruçu.
Mestre Wertemberg Nunes e o ‘boneco gigante’
Helen Lopes
A tradicional Queima dos Tambores, que acontece desde 2002, é um ritual de purificação e transformação pelo fogo. O rito começa quando acende o Turimbó “Turi – (fogueira) junção de ‘curi’ (pau oco) e ‘m’bó’ (furado) em tupi-guarani”. Durante o processo, os participantes fazem pedidos desejando transformar algo ruim em algo bom. “Nessa espécie de fornalha de madeira ou barro, simbolicamente, os tambores artesanais são modelados e afinados para que o ritmo Capoeboicongo, mistura de raízes da Capoeira, Boi e Congo, seja tocado. Nesse ritmo, celebram-se os mitos da ‘Cultura TabokaGrande’, além de entoar canções populares, das tradições e brincadeiras populares”, explica o mestre Wertemberg.
Queima dos Tambores é um rito tradicional que acontece no distrito há mais de 20 anos
Divulgação
Preservar a memória é uma das muitas funções e relações da cultura com o local onde ela se manifesta. A formação cultural de uma cidade ou comunidade está ligada ao desenvolvimento histórico local. O professor do curso de História da Universidade Federal do Tocantins, Alexandre da Silva Borges, define que a cultura é entendida como expressão simbólica que somente o ser humano consegue produzir.
Se pensarmos na história enquanto corpo, a cultura é sua roupagem, que dá o tom e a identidade aos sujeitos. Por isso nos identificamos, regionalmente, pois há um reconhecimento e um pertencimento que nos sensibiliza, desde a gastronomia, a musicalidade, a arte de maneira geral e as mais diferentes formas de ser e existir. Até mesmo o trabalho e suas produções, como as artesanias, são retratos de nossa cultura.
Assim como o desenvolvimento humano e histórico, a cultura também é dinâmica, em constante movimento. A historiadora Mirian Tesserolli define que essa dinamicidade é característica de uma formação cultural, principalmente da capital mais nova do país. “Palmas é uma cidade em que você vai encontrar uma diversidade cultural muito grande. Aqui foi um ponto de confluência de diversas populações de diversas etnias de locais aqui do nosso entorno, como as cidades do interior e de outros estados como Maranhão, Pará, Bahia, Goiás e Mato Grosso”, explica a professora do curso de História da UFT.
Primeira vez que os ‘bonecos gigantes’ saíram pelas ruas de Palmas foi em 2001
Divulgação
Essa visão plural é percebida e vivida também pelos artistas daqui. O poeta Tião Pinheiro acredita que a produção cultural em Palmas seja diversa por ser um resultado de olhares de vários pontos do país e até do exterior. “Há o resultado de linguagens diversas trazidas por migrantes, por pessoas que deixaram seus locais de origens e vieram pra cá. Isso, de certa forma, é muito interessante na própria formação da identidade palmense, dando ares de pluralidade na forma de ver e de traduzir sentimentos e percepções”, define Tião.
Tião Pinheiro é jornalista e escritor
Divulgação
Na manhã do teu nascer
Nascer do sol em Palmas, com vista para a serra
Marco Túlio Câmara
Apesar da recente criação da cidade e do estado, a região carrega uma história consolidada e fortes registros que se baseiam na pluralidade da formação de Palmas. Pensar na evolução da cidade é levar em consideração todos os povos originários daqui e que passam pela região até os dias atuais.
“Pensemos na forte e presente cultura indígena, oriunda de seus mais diferentes povos, passando pelo desenvolvimento das cidades mais antigas, devido à mineração e políticas do período colonial e imperial brasileiro, até a criação da cidade de Palmas. Nesse percurso formativo, foi sendo criada a imagem cultural da região, sofrendo influências de gente diversa, de traços indígena, africano e europeu. E a bagagem simbólica de cada pessoa que compõe esse contexto agrega o imaginário local, desde ribeirinhos, quilombolas, até mesmo quem está chegando nessa terra por agora: gaúchos (como eu), paulistas, baianos, mineiros, entre tantas outras pessoas”, explica o historiador Alexandre da Silva.
Baseada nessa pluralidade e diversidade que nasceu a arte de Palmas. Quem está aqui desde o início, movimentando a cena cultural, relembra dos principais desafios e o principal combustível: amor.
É o caso do ator, diretor e professor teatral Cícero Belém. Um dos pioneiros do teatro em Palmas, Cícero participou do primeiro espetáculo em dezembro de 1991, para os trabalhadores da construção civil. “Com a criação e formação da cidade vimos surgir um conjunto de oportunidades, de possibilidades. Éramos pouquíssimos no Estado. Nós inventamos e nos reinventamos para produzir e encenar teatro numa cidade que surgia do zero. Não havia teatros físicos, não havia editais e nem patrocinadores, o início foi uma grande aventura”, relembra o ator.
Foto da peça ‘O Desejado’, de 1997, da Chama Viva Cia de Teatro do Tocantins
Fernando Alves/acervo
Com cerca de oito grupos de teatro na cidade e projeto de formação de atores, a cena teatral palmense também se alterou com a criação do curso de licenciatura em teatro na UFT, em 2009. Mas com grandes sonhos também vieram grandes dificuldades. A principal delas era a falta de espaços, tanto para os ensaios e produções, quanto para as apresentações.
Peça Sacra Folia, da Chama Viva Cia de Teatro do Tocantins
Fernando Alves/Acervo
“A inauguração do Theatro Fernanda Montenegro em 1996 foi um marco histórico que interferiu profundamente na nossa forma de produção teatral e na estética do que produzíamos. A deficiência de espaços, de recursos e até de formação, levou quem fazia teatro aqui a grandes desafios e nos proporcionou também tempos áureos do teatro palmense, algo que acontece atualmente em baixa frequência. Embora tenhamos mais gente e mais grupos produzindo teatro”, comenta o diretor.
Theatro Fernanda Montenegro está fechado para reforma
Junior Suzuki
Tua grandeza depende dessa gente
Se cultura é feita de gente, as pessoas que movimentam Palmas são as responsáveis por essa diversidade pulsante da capital. A cineasta Eva Pereira procura demonstrar nas obras dela essa ‘energia pulsante’ de Palmas.
Mais do que cartão postal ou a principal característica da cidade, o sol está presente em diversas produções cinematográficas. Além da alta temperatura, Eva destaca outro principal elemento da cidade: o calor humano.
Pôr do sol de Palmas é destaque nas produções da cineasta, como no longa ‘O barulho da noite’
Divulgação
“É uma capital com muito calor humano, com muita proximidade, onde existe um ciclo amplo de troca de conhecimento, de amizade, e ao mesmo tempo uma diversidade muito grande, desde a cultura tradicional até mais alternativa. Tem esse pulsar, essa temperatura forte em todos os sentidos e uma diversidade para todos os gostos. Essa é a miscigenação que é Palmas, um caldeirão de culturas”, acredita a diretora de cinema.
Eva Pereira é produtora e diretora de cinema
Arquivo pessoal
Projetada para ser um lugar permanente de criação, de desenvolvimento e de preservação dos saberes culturais, Aldeia Tabokagrande também vive e celebra essa diversidade de pessoas. “O conceito de comunidade Tabokagrande é dado com base na interatividade entre artistas, família e comunidade no sentido de pertencimento e diversidade dos processos criativos dos colaboradores e parceiros que se juntam a cada ano. Suas memórias e valores são a base de construção desse mundo de gigantes dos tambores das artes, mitos e lendas”, explica o mestre Wertemberg.
Capoeboicongo e bonecos gigantes representam a ancestralidade da cultura tradicional de Taquaruçu
Divulgação
O escritor Tião Pereira atribui essa diversidade aos olhares sensíveis e às pessoas variadas que fazem a cultura local.
“A principal característica da cultura em Palmas é o resultado de múltiplos olhares, sentimentos, percepções que acabam contribuindo para a formação de uma identidade ainda não consolidada, mas bem plural”, acredita o poeta.
O futuro no horizonte
Praia da Graciosa é um dos principais cartões postais de Palmas
Marco Túlio Câmara
Se o pôr do sol de Palmas aponta para um horizonte colorido e de esperança, o futuro que os artistas palmenses vislumbram pode ser um pouco mais nebuloso. O diretor teatral Cícero Belém indica as principais barreiras enfrentadas pelo teatro na cidade. “O maior desafio do momento para os produtores de teatro é recuperar o que tínhamos e que abrigava todas as produções, tanto locais quanto nacional que circulavam por Palmas, no Theatro Fernanda Montenegro”.
Elenco da peça O anel de Mangalão
Fernando Alves/Acervo
Ele lembra que a principal movimentação dos grupos locais acontece quando são lançados editais de incentivo. “Eu venho de um teatro que se reinventava com dinheiro ou sem patrocínio. O teatro se fazia no cotidiano e com muita paixão”, completa.
A Fundação Cultural de Palmas informou que promove, todos os anos, o edital do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), com recursos da Fundação, para as mais diversas áreas. Além disso, indica que, para este ano, estão previstos os editais das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc.
Essas iniciativas são fundamentais para conseguir vislumbrar um futuro. “A gente pode recuperar um caminho que a gente deve seguir, que é o caminho da nossa cultura, e isso pode se dar a partir de editais e iniciativas do poder público, que pode financiar essas expressões, direcionando verbas para grupos verdadeiramente culturais. É complicado falar em quais caminhos pode seguir, porque a cultura é dinâmica e ainda temos a influência das mídias também. Mas é preciso considerar esses incentivos a partir de políticas públicas nesses setores”, destaca a historiadora Mírian Tesserolli.
Assim, o apoio do poder público é fundamental para o incentivo de novas produções artísticas e o fortalecimento da cultura local, confirma a professora e pesquisadora Tesserolli. “O papel das políticas públicas no que diz respeito à cultura é fundamental. O trabalho dos artistas acaba sendo encarecido pelas necessidades que o trabalho tem, como acontece com os materiais. Se a gente não tiver políticas públicas e editais para desenvolver projetos e desenvolver nossa arte, fica muito difícil fazer e manter as coisas”, explica a professora.
Portais dessa beleza sem fim
Cachoeira em Taquaruçu
Divulgação/Prefetura de Palmas
Se a formação cultural não é fixa, mas sim dinâmica, ela se transforma o tempo todo. Principalmente em uma cidade classificada como pulsante e diversa, traçar uma identidade estática pode colocar em risco a pluralidade de possibilidades encontradas aqui. É isso que afirma a pesquisadora Mirian.
“Eu acho que existem diversas formações culturais e uma procurar uma identidade é complicado, porque a gente está vivendo um tempo em que as identidades estão explodindo, um local tem várias identidades, depende do que pensar. Não dá pra gente pensar em uma identidade que abrace todas as outras culturas que tem. É bom a gente sempre ter claro que as diversas culturas acabam entrando em contato entre si e acabam de alguma forma se hibridizando”, explica.
Pluralidade esta que está presente não só na formação da cidade considerando a influência de outras regiões, mas até mesmo dentro do próprio Tocantins. “Eu acho que tem os nossos costumes, as nossas tradições, a nossa história do tocantinense precisa ocupar um espaço em Palmas. Nós temos a diversidade cultural riquíssima e belíssima, que precisa de espaço para se firmar dentro de Palmas. Palmas precisa ser mais vitrine do estado”, acredita Eva Pereira.
A jovialidade da capital está presente não só na idade, mas nas manifestações culturais aqui criadas e incentivadas. “Até os dias atuais, chegam pessoas que percebem essa aparente jovialidade do lugar como uma possibilidade para fazerem suas vidas. Eis um mosaico étnico-racial que dá a cara não apenas de Palmas ou do Tocantins, mas também do Brasil. A formação cultural e histórica é contínua e não cessa. E esse caldo cultural, com sabor de pequi, carne de sol, feijão tropeiro, chambari e muito mais, nos dá o tempero identitário desse lugar”, afirma o professor Alexandre da Silva.
Por fim, os 34 anos que Palmas completa refletem os tantos outros anos de formação e de diálogo. A juventude da cidade dá esse sabor misturado coroado no pôr-do-sol mais bonito do Brasil. Ser a capital mais nova traz consigo a responsabilidade e a oportunidade de se reinventar a cada ciclo e a cada cultura criada e mantida. Formada por gente diversa, cidade de muitas possibilidades, caras, jeitos e sentidos que dão a grandeza de Palmas.
Uma história com muitos inícios, que está em constante desenvolvimento, em busca de um sem-fim. Como dizem os versos finais da canção que é considerada o hino da cidade “A beleza do pôr-do-sol e o berço de tua história onde vivem os girassóis. Te amo, Palmas, como amo o Tocantins, que abriste os portais dessa beleza sem fim”.
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