Quem é Edna Adan Ismail, mulher símbolo de resistência e ativismo na Somália

Conhecida como Madre Teresa de Calcutá muçulmana, ela leva saúde e conhecimento para mulheres que foram vítimas da mutilação genital feminina, tradicional na cultura do país. Dr. Edna Adan Ismail em foto frontal com roupa verde e lenço na cabeça
Tim Cole/Templeton Prize via AP
Edna Adan Ismail era mais uma entre tantas meninas nascidas na Somailândia, uma região independente da Somália, que teve o corpo invadido por uma tradição de algumas culturas da área, a circuncisão feminina.
Aos oito anos, Edna teve suas partes íntimas mutiladas pela tradição somali que dizia que esse era o único modo de garantir a pureza em mulheres antes de elas pudessem praticar o Islã.
A decisão foi tomada pela sua mãe na ausência de seu pai. Quando ele voltou e soube que a filha havia passado por uma mutilação genital feminina (MGF), ficou horrorizado. Edna disse “foi a única vez que o vi com lágrimas nos olhos”.
Essa violência mudou sua vida para sempre e a fez prometer que lutaria com todas as forças para que mais nenhuma menina passasse por aquilo.
Pioneira
Adan Ismail, seu pai, era um médico frequentemente descrito como o “pai da assistência médica no país”. Ao lado do irmão, ela estudou em segredo até os 15 anos e depois foi para uma escola para meninas.
Anos depois, uma bolsa de estudos, normalmente reservada para meninos, levou-a a ser a primeira mulher da Somália a se formar no Reino Unido, onde recebeu educação em enfermagem e obstetrícia no Borough Polytechnic, em Londres.
Ela voltou em 1961 para seu país natal onde também foi a primeira mulher a dirigir um carro e a primeira a ser nomeada para um cargo de autoridade política como diretora do Ministério da Saúde.
“Nossas mulheres morrem por causas que não deveriam”
Edna usou sua posição influente para argumentar que, diferente do que muitos acreditam, a MGF não está entre os ensinamentos do Islã, explicando que a prática é profundamente prejudicial às mulheres.
Edna Adan Ismail durante discurso sobre MGF na Somália, em 8 de fevereiro de 2022
Brian Inganga/AP
“Enquanto os homens voam à lua, nossas mulheres morrem por causas que nenhuma mulher deveria morrer”, disse a obstetra em entrevista à AP.
Após o início da guerra civil na Somália, em 1991, Edna foi forçada a sair do país e começou a trabalhar para a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na instituição, atuou como representante no Djibuti e ajudou a aprovar a legislação para proibir a MGF.
De volta ao país natal anos depois, a especialista vendeu todos os seus bens e pertences para, em 2002, construir o hospital Edna Adan, que reduziu significativamente a mortalidade materna na Somalilândia — e até hoje ajuda mulheres que sofrem com complicações da MGF.
Hoje com 85 anos, Edna foca em gerir seu hospital e em ensinar outras mulheres a tratar casos relacionados à ginecologia e à obstetrícia.
A pequena Salsa Djafar chora ao passar por circuncisão
Bay Ismoyo
Reconhecimento internacional
Nesta semana, Edna foi nomeada a vencedora do prêmio Templeton de 2023. Avaliada em cerca de R$ 6,8 milhões, a premiação é concedida a pessoas que tenham realizado contribuições excepcionais para a compreensão espiritual da vida com a ajuda da ciência.
“Sinto-me abençoada e honrada por receber este prêmio, que me permitirá fazer uma grande contribuição para o Hospital Maternidade Amigos de Edna, com sede nos Estados Unidos”, disse ela.
“Esses fundos serão usados para apoiar o hospital a realizar seu trabalho essencial, como obter equipamentos médicos, contratar educadores especializados, permitir a expansão para atender mais pacientes e continuar treinando a próxima geração de profissionais de saúde de que a África Oriental precisa tão desesperadamente.”
Além dela, nomes como Madre Teresa de Calcutá e o líder espiritual Dalai Lama também venceram a premiação. Por sua proximidade com a saúde, Edna Adan Ismail é chamada, por vezes, de “Madre Teresa de Calcutá muçulmana”.
Dr. Edna Adan Ismail em fotografia utilizada para o prêmio Templeton, em Londres
Tim Cole/Templeton Prize via AP

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