Vidas de ancestrais quilombolas inspiraram estudante na redação do Enem: ‘Compromisso de servir’

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Pertencente ao quilombo Ilha São Vicente, a jovem Maria Luiza alcançou 960 pontos na redação do Enem. “As mulheres quilombolas enfrentam desafios únicos”, disse a estudante. Estudante quilombola faz 960 pontos em redação do Enem
Acervo pessoal
A rotina de estudos por trás de uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tende a ser desgastante por si só. Mas o desafio aumenta quando além do esforço intelectual é preciso lidar com adversidades sociais. É o caso da estudante quilombola Maria Luiza Cardoso Silva Barros, de 18 anos, que alcançou 960 pontos na redação ao escrever sobre “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”.
Neta de um dos patriarcas do quilombo Ilha São Vicente, Maria Luiza enfrentou um ano de muitas mudanças de cidades e escolas em razão de questões familiares. A jovem precisou se afastar da comunidade para priorizar os estudos. Isso porque o quilombo ainda não possui escola e os estudantes de lá precisam se deslocar de barco até a cidade de Araguatins, norte do estado, para estudar.
O tema da redação de 2023 se entrelaça com as convicções da jovem quilombola, que acredita que comunidades como a dela desempenham um papel indispensável na preservação de tradições e na construção de identidades. Em seu texto, ela citou a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres quilombolas.
“As mulheres quilombolas enfrentam desafios únicos, como barreiras geográficas, acesso limitado a recursos e serviços de saúde, além de estigmas e discriminação. Reconhecer a invisibilidade do trabalho de cuidado das mulheres quilombolas é um passo crucial para promover a equidade de gênero”, comenta.
Entre as mulheres que a precedem está a tia e líder quilombola Maria de Fátima Batista Barros, que faleceu em 2021 de Covid-19. A jovem demorou para aceitar a morte da tia. Mas considera que o bom desempenho estudantil representa o progresso na história da sua comunidade.
Maria de Fátima Batista Barros era uma das principais lideranças quilombolas do Tocantins
Arquivo pessoal
“Minha mãe e minhas tias não tiveram a mesma oportunidade que eu, até mesmo em faculdade. Hoje temos por exemplo cotas, que foram aprovadas recentemente para os quilombolas, que certamente elas não tiveram acesso”, reflete.
Maria Luiza cursou os dois primeiros anos do ensino médio nos institutos federais de Mato Grosso do Sul e do Tocantins. Quando surgiu a necessidade da família mudar para Palmas, não havia como transferir o curso técnico que fazia até então. A saída foi buscar uma bolsa de estudos na rede particular para concluir os estudos mantendo a rotina de dedicação em período integral.
A jovem chegou a fazer o Enem enquanto estava no primeiro e segundo ano do ensino médio. A experiência com a prova a ajudou a melhorar progressivamente sua nota no exame. “Muito treino. Foi assim que saí de 540, minha nota na redação de 2021, para 960”, concluiu.
Antes mesmo de terminar o ensino médio Maria Luiza já havia sido aprovada em Direito, na Universidade Estadual do Tocantins de Palmas. Mas, assim como o estudante Matheus Almeida, de 17 anos, que conquistou a nota máxima na redação do último Exame, Maria Luiza sonha em cursar medicina.
“A decisão de cursar medicina não é apenas um caminho acadêmico, mas uma escolha profundamente enraizada no compromisso de servir e impactar positivamente a vida das pessoas, especialmente aquelas que enfrentam desafios históricos e sociais”, afirma.
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Decidida, Maria Luiza já faz planos para caso não consiga aprovação pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) nesse primeiro momento. “Como decidi que agora quero medicina, vou começar outra preparação, para que eu possa ser aprovada com sucesso no próximo vestibular da UFT.”
“Para mim, o futuro profissional da medicina busca não apenas tratar doenças, mas também promover a prevenção, a educação em saúde e a conscientização, adaptando suas práticas à realidade específica das pessoas, é isso que eu mais sonho fazer!”
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