Afinal, o que é linguagem simples?

Recentemente, dois dos grandes nomes do Direito brasileiro debateram sobre o uso da linguagem simples pelo Poder Judiciário. De um lado, Conrado Hübner Mendes defendeu, em sua coluna na Folha, o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples. Trazendo um contraponto, Lenio Streck, apesar de reconhecer os excessos do “juridiquês”, enxerga em iniciativas do gênero um sintoma da mediocridade do ensino jurídico que assola o Brasil.

Lenio levanta preocupações importantes sobre esse fenômeno, em aparente ascensão, chamado linguagem simples. A primeira – e talvez a mais importante – de suas objeções é sobre o risco de o processo de simplificação resultar em uma perda substantiva da Ciência do Direito. Ele trata do processo de espetacularização do Direito na era das redes sociais e tenta redimir o “juridiquês” – que criticou no começo do texto.

As preocupações do professor Lenio são válidas. A proliferação de faculdades de Direito pelo Brasil fez surgir um mercado consumidor: o dos bacharéis. Essa legião de diplomados, muitos dos quais sem formação apropriada, alimenta um negócio milionário de cursinhos preparatórios para o exame da Ordem. Os poucos que já superaram essa barreira ajudam a enriquecer coaches que trazem fórmulas milagrosas para catapultar o novo advogado rumo ao sucesso.

Essa realidade, descrita e criticada por Lenio, é um problema sistêmico do Brasil – mas nada tem a ver com a linguagem simples. O professor tem razão em sua preocupação, mas não em seu diagnóstico. Associar a deterioração na qualidade do ensino e na formação profissional à linguagem simples demonstra uma má compreensão do que a ideia propõe.

Desde a graduação, aprendemos a escrever mal. Somos expostos a todo tipo de barbaridade em textos jurídicos e decisões escritas por pessoas que raramente demonstram importância pela experiência do leitor. Termos cafonas, bem citados pelo professor Conrado, acabam criando raízes nos vocabulários dos jovens estudantes, que confundem elegância com esquisitice, erudição com rebuscamento.

Engana-se quem acredita que linguagem simples é sinônimo de simplismo. Sobretudo no Direito, escrever de maneira simples e concisa é uma tarefa contraintuitiva. Requer prática, paciência e (muito) estudo. Nesse contexto, a linguagem simples surge como um conjunto de princípios e técnicas que pretendem melhorar a escrita de uma forma muito particular: aumentando sua clareza.

O primeiro e mais importante princípio da linguagem simples é uma ideia que remonta a fundamentos bíblicos: escreva pensando na experiência do leitor. Trate o leitor como você gostaria de ser tratado. Nosso tempo na terra é valioso e, por mais importante que um texto seja, ao escritor não foi conferido o direito de ser lido; essa é uma conquista. Aqueles que se propõem a fazer isso sabem a responsabilidade que carregam.

Com isso em mente, a linguagem simples nos apresenta um conjunto de técnicas capaz de tornar um texto mais claro, impactante e elegante – tudo isso enquanto usa a menor quantidade possível de palavras, mas nunca menos do que o necessário.

Saber quando um advérbio é desnecessário; quando uma palavra pode ser substituída por outra mais simples; quando um parágrafo está muito curto; quando uma frase está muito longa; quando há vírgulas demais; quando as repetições são ilegítimas; estas e outras dezenas de lições são objeto de preocupação da linguagem simples.

Arriscando ser criticado pelo professor Lenio por me valer de um panprincipiologismo, ouso dizer que a adoção da linguagem simples é uma manifestação do princípio republicano. O destinatário da redação jurídica é o jurisdicionado. Não faz sentido, portanto, que a escrita judiciária seja ensimesmada, elaborada para retroalimentar um sistema ególatra de profissionais que se sentem superiores porque sabem usar meia dúzia de palavras perdidas nos dicionários mofados de uma biblioteca.

Isso não quer dizer que devamos simplificar a linguagem a ponto de retirar-lhe a substância, como se preocupa Lenio; mas precisamos entender que a escrita no âmbito jurídico tem um propósito. Da mesma forma que não faria sentido exigir de Gabriel García Márquez ou de Machado de Assis que escrevessem de forma simples, não faz sentido que a escrita jurídica continue a ser um obstáculo ao jurisdicionado e uma forma de perpetuar um sistema de castas.

Para aqueles que se interessaram em aprender mais sobre a linguagem simples, encerro este texto com uma sugestão: leiam Redação Jurídica, de Antonio Gidi. Muito do que aprendi devo a ele e, parafraseando uma das citações de seu livro: este texto foi mais longo porque eu não tive tempo de fazê-lo mais curto.

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