Como técnicas brasileiras de garimpo impulsionaram ‘maior desastre ambiental’ de região na Colômbia

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Em 2005, brasileiros que haviam operado em Serra Pelada levaram uma série de equipamentos que impulsionaram a extração de ouro ilegalmente na região do Bajo Cauca, assim como os impactos ambientais. SECRETARIA DE MINAS DO GOVERNO DA ANTIOQUIA
Divulgação
Em grande parte da Colômbia, as primeiras referências que vem à mente quando o Brasil é mencionado são o samba e o futebol.
No entanto, na região do Bajo Cauca, localizada ao norte do Departamento (Estado) de Antioquia, outro tema domina o imaginário sobre os brasileiros: o garimpo ilegal.
O Bajo Cauca é composto por apenas seis munícipios, com uma população de aproximadamente 300 mil pessoas.
Ainda assim, é responsável por mais de 50% da extração de ouro na Colômbia.
Em 2005, dois brasileiros que haviam operado em Serra Pelada levaram uma série de equipamentos que impulsionaram a extração de ouro ilegalmente, assim como os impactos ambientais.
Em março deste ano, o governador de Antioquia, Aníbal Gavíria, afirmou que os danos causados pela mineração são responsáveis pelo “maior desastre ambiental” da história do Departamento.
Antioquia perdeu mais de 500.000 hectares de floresta nos últimos 20 anos. Somente no Bajo Cauca já são 60.000 hectares desmatados e mais de 200.000 árvores derrubadas.
Especialistas apontam o garimpo ilegal como um dos grandes responsáveis pelo cenário.
Assim, o implemento de equipamentos como os chamados “dragões brasileiros” foi parte fundamental para a piora nas condições ambientais.
Bajo Cauca é responsável por mais de 50% da extração de ouro na Colômbia
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Além disso, há ainda o uso das chamadas “dragas”, equipamentos metálicos feitos normalmente de maneira artesanal e que são utilizados nos rios da região, impulsionando o assoreamento.
Em redes sociais, a BBC News Brasil encontrou perfis ensinando como produzir o material.
O professor de negócios internacionais da Fundação Universitário CEIPA Daniel Bonilla Calle afirma que “os brasileiros são mais especializados no uso da maquinaria e das dragas. Antes, não havia tanta tecnologia na extração do ouro”.
Rafael Correa Argota é professor na Universidade de San Buenaventura e realizou uma série de estudos sobre os impactos da mineração ilegal na região.
Ele também observou os equipamentos brasileiros agravando os danos na região.
“Em 2005, comecei a escutar o tema dos dragões, que eram um tipo de reengenharia onde otimizavam a extração do mineral e não era tão necessária uma retroescavadeira. Assim, a extração ficou mais competitiva, já que se movia até 20 vezes mais quantidade de terra com um dragão que com uma retroescavadeira”, apontou.
‘Escola’ em Serra Pelada
Entre mais de 20 brasileiros presos nos últimos dez anos por conta da exploração ilegal de ouro no Bajo Cauca, dois haviam atuado no passado no garimpo histórico de Serra Pelada, no Pará.
Eles foram apontados pela justiça colombiana como alguns dos grandes responsáveis pela implementação das novas técnicas de garimpo a partir de 2005.
Em 2016, um deles foi preso e apontado pela polícia local como criador dos “dragões”.
Entre as acusações, estavam conspiração para cometer crime, contaminação ambiental, danos aos recursos naturais e violação de fronteiras para a exploração de recursos. Até o momento, ele segue detido.
O segundo garimpeiro morreu de Covid-19 enquanto o processo contra ele, com acusações semelhantes, corria. Ambos também são acusados de intensificar a contaminação por mercúrio no Bajo Cauca.
Negócio lucrativo
Bonilla Calle lembra que, a partir dos anos 2000, a alta das cotações internacionais do ouro deu forças à exploração.
O metal vem de um avanço histórico nos preços, e opera perto das suas máximas atualmente, em cerca de US$ 2.000 a onça-troy cotada em Nova York. Em 2015, a cotação estava em cerca de US$ 1.000.
Em algumas cidades da zona, a porcentagem da população que tem sua renda diretamente ligada à extração de ouro passa do 50%, aponta o professor.
O relatório mais recente da Controladoria Geral da Nação na Colômbia apontou que cerca de 63% das 53 toneladas de ouro que o país explora anualmente são fruto de mineração ilegal.
Como resultado, 85% das exportações do metal no país não possui origem lícita, de acordo com a publicação.
Atração para grupos criminososA lucratividade da mineração ilegal chamou a atenção de grupos criminosos. Bonilla Calle aponta que o Bajo Cauca é uma região isolada, e que começou um controle violento dos negócios.
Quem comanda hoje o garimpo é o chamado Clã do Golfo, uma organização paramilitar que exerce influências em uma série de negócios ilegais na Colômbia.
“Há impacto limitado das ações do Estado. É uma região distante, que fica a seis horas de Medellín, por exemplo”, afirmou o professor, mencionando a capital antioquenha.
Alguns equipamentos utilizados no garimpo podem chegar a custar US$ 500 mil, e os recursos dos grupos criminosos são vistos como importantes para garantir acesso a tais meios.
Além disso, Bonilla Calle afirma que grupos como o Clã do Golfo oferecem proteção aos mineradores ilegais. Normalmente, o grupo criminoso ganha parte da renda obtida com o ouro, incluindo frequentes extorsões.
Em março deste ano, uma grande greve afetou a região do Bajo Cauca por semanas, movimento que o governo colombiano acusa de ter sido estimulado pelo Clã do Golfo.
Manifestantes cobravam medidas para formalizar a mineração na região, um tema que conta com discussões antigas.
Para Corre Argota, existem atualmente mecanismos para buscar a legalização das extrações, mas o Estado falha na fiscalização do ouro que sai do Bajo Cauca.
“Se o Estado não faz verificações e controles, desde o processo extrativo, é difícil que haja um controle, já que a exploração está praticamente dominada por grupos criminosos e ilegais. É necessário que haja a presença e verificação do Estado para todo esse processo” afirma.
Relação conturbada
A relação entre brasileiros e colombianos nunca foi das mais fáceis. Wilmar Alexander Cano é professor da Universidade da Antioquia, e estuda tais movimentos no país.
“Historicamente, as migrações para mineração têm gerado muitos conflitos. Os donos das terras são os locais, que têm o controle do território, e normalmente são buscados acordos para exploração”, afirma ele.
No entanto, com frequência algum tipo de acordo é firmado com os atores locais, e inclui contrapartidas para uma região com pouca presença do Estado.
“Eles trazem renda para as cidades e, às vezes, infraestrutura, como escolas”, aponta Cano.
Redução de danos
Em alguns pontos, o Bajo Cauca também teve alguma contenção dos danos relativos à mineração ilegal, e um dos mais notórios é o uso do mercúrio, que assolou a região por décadas.
Correa Argota destaca que, desde 2014, o governo implementou estratégias para reduzir o uso do material por empresas industriais e mineradores artesanais.
“Tenho percebido que muitos já não usam mercúrio, eu vi que é uma prática que foi diminuindo pouco a pouco. Se começou a abordar o tema, e pode melhorar, mas não desaparecer da noite para a manhã. Há o resultado de anos e anos de descontrole”, avalia.
Para o pesquisador, a solução para o problema passa por maior investimento do estado.
“Só há 15 anos se conseguiu ter um município no Bajo Cauca conectado a uma estrada nacional. É um processo de mudar esse paradigma de pensamento, é necessário maior investimento em educação e maior cobertura para famílias vulneráveis”. Em sua visão, assim será possível que a população veja “a mineração como uma opção, mas não a única”.

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